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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Dr. Milcíades Leal, 61

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publicado em 23/03/2025 ás 08h16

Talvez as Acácias nunca existiram naquele Jardim. Acho o nome mais bonito desse lugar, quase um lugarejo, no Bairro de Tambiá. Já faz tempo e hoje é só um jardim sem acácias. Não que elas tenham morrido e antes fosse, só o que faltava para que dá vida soubesse a história inteira daquele lugar.

Tem uma canção de Zé Ramalho com esse nome, Jardim das Acácias Nada vejo por essa cidade, que não passe de um lugar-comum, mas o solo é de fertilidade. No jardim dos animais em jejum”. Tão lindo esse verso.

Essa canção foi feita no sobrado da esquina da Rua Dr. Milcíades Leal, 61 – no Jardim das Acácias, quando o pintor Raul Córdula era casado com a professora Heide Cabral Córdula.

Voltei lá esses dias procurando o ângulo mais bucólico, jamais jornalístico e imaginá-lo reluzindo nos meus olhos, já do outro lado – lado nenhum, era só calmaria – acenando tão levinho que quase não se sente; que estará cá sempre.

Eu ia muito no Jardim das Acácias – desde os anos 70, quando conheci o poeta e escritor Irismar di Lyra, um apaixonado por Vanusa, Odair José e Diana, entre outros. Nessa época, ele me convidou para escrever no seu livro, bem antes da Primavera Árabe e ele viu um mim, um inocente prefaciador.

Tantos sonhos necessários a quem eu só queria (eu) estar lá mais um bocado. E nem era só as acácias que nunca existiram, que me faltava a voz, de alguém cantando longe dali.

Fui almoçar muitas vezes no Jardim das Acácias na casa de D. Heide mãe de Francis, com quem me casei. Saía do Tribunal de Justiça a pé – era longe e perto, mas as pernadas me levavam para um arrozinho, feijão preto galinha e saladas. Eu era alegre como um riacho.

Voltei lá e não vi mais ninguém, fui na casa 61 e meu coração ficou triste com a imagem da lembrança e já não me faltava paciência. Se era para visitar apenas, não precisa mais de almoço, somente o colosso daquele lugar, então, a decisão de ir lá, mexeu comigo.  Afinal, não tinha nada ou me adiantaram tudo.

Não precisei de ganas que me trouxessem novidades, afinal, da vida, as novidades são outras e, mesmo nos dias em que eu era um rapaz de cabelos encaracolados, e autorretrava como um homem de incertezas. Eu era jovem e sabia.

Acácias que também me servia para “uma esperança”, adiantando que a vida não era mais sertaneja, sem pai e mãe e almoço na mesa. Eu tinha que arrancar a vida de todos os lugares.

Os cachos de acácias da Praça João Pessoa mais parecem uma sentença, uma resistência, como as que fazem os deuses desejarem ser outras seres, para escutar os lampejos de nós mortais.

De todas as riquezas, talvez só as sumptuosas descrições dos velhos casarões no caminho para o Jardim das Acácias, me fizessem tecer um fio de mim luzindo sem ambições. Isto para dizer que não seria nunca a eternidade a tentar, e que, com as emoções, eu reconheceria o privilégio de estar por ali

Morrer não é isso, por isso, mais do que a saudade desse vínculo com o lugar, com o amor pelas acácias não saem da minha cabeça, desde a primeira vez que botei meus pés naquele Jardim sem Acácias.

Kapetadas

1 – A vitalidade só tem um defeito: não é vitalícia.

2 – Não sei se todo mundo sabe: o prazo pra ficar de bem com a vida é só durante a vida.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB