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Kubitschek Pinheiro
“Este é o meu segundo CD, o primeiro foi um tributo a Aloysio de Oliveira. A parceria com Tom Jobim e Aloysio foi marcante, pois Aloysio foi produtor e diretor musical do Quarteto em Cy por muitos anos”, diz Sonya no início da entrevista
Durante décadas Sonya que fez parte do Quarteto em Cy está lançando o álbum “Da saudade boa”, o segundo de sua carreira, com músicas inéditas, regravações, mas, sobretudo, canções que fazem parte de sua memória, suas lembranças. O resultado está em todas às plataformas.
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O repertório tem mesmo tudo a ver com a saudade, dos lugares, épocas, de pessoas – amigos, colegas da música, mestres. ´Saudade Boa´ é de João Donato que participou tocando dois pianos na faixa ´Gaiolas Abertas´, música dele em parceria com Martinho da Vila que o próprio Donato fez o arranjo. Das 13 faixas11 traz arranjos do maestro e violonista Luiz Claudio Ramos. Dele e de Chico Buarque, Sonya gravou ´Outra noite´ e conseguiu a façanha de convencê-lo a cantar com ela.
Entre as músicas inéditas, estão ´Dois Tons´, de Fernando Leporace, que também fez o arranjo, e Celia Vaz; ´Abertura dos Porto´ (Zé da Lata/Espigão), que abre o álbum; e, justamente, a música que dá título ao trabalho, ´Da saudade Boa´, de Miltinho e do saudoso Magro Waghabi, do MPB, amigos da vida toda Sonya. Estão lá Bebeto Castilho, Celia Vaz e Fernando Leporace. Jorghe Helder, Gilson Piranzzeta.
Sonya gravou ´Vida de artista´, de Sueli Costa com letra do poeta Abel Silva E, como saudade boa tem a ver com paixões, Sonya também resolveu homenagear o compositor e pianista francês Michel Legrand, gravando dele ´Valse des Lilá, que, na versão de Ronaldo Bastos, virou ´A minha valsa´, canção gravada anteriormente por Nana Caymmi pelo casal Francis e Olivia Hime. Legrand
Artista estrangeiro de quem ela é fã, o compositor George Gershwin, também está no repertório do álbum com ´Someone To Watch Over Me´, dele e o irmão Ira Gershwin. É um disco que já nasceu clássico.
Ao MaisPB – Sonya fala do lançamento do álbum, da vida, do tempo e conta fatos importantes na sua vida de artista.
MaisPB – Esse álbum ´Saudade Boa´, tem muito da saudade de todos nós, a saudade do Quarteto em Cy, mas tudo passa né?
Sonya – “Da Saudade Boa”, de todos nós, saudades do Quarteto em Cy, saudades de todos os meus amigos que seguiram suas carreiras. Paulo Thiago foi para o cinema, fez vários filmes. O Sá, eu continuo em contato, e foi uma pessoa com quem conversei quando pensei em gravar “Da Saudade Boa”. Pedi músicas aos compositores, e o Miltinho, do MPB4, estava começando no Teatro Opinião. Ele estava compondo muito e me disse que tinha uma música inédita feita com o Magro. Ambos estavam desde o início com o grupo, e nós sempre fizemos muitos shows com o MPB4. Miltinho me mandou várias músicas, e eu escolhi ´Da Saudade Boa´, pois queria englobar toda essa ideia de estar com meus amigos, como João Donato e o Quarteto, quando fomos para Los Angeles.
MaisPB – Vamos voltar no tempo – 1965, no Teatro Opinião?
Sonya – A Saudade Boa remete a um tempo que começou em 1965, no Teatro Opinião. Naquela época, eu era estudante de piano e me formei aos 14 anos. Dava aulas particulares e estudei diversos clássicos no conservatório, na Academia Lorenzo Fernandez, onde também concluí minha formação. Mas, além dos clássicos, eu gostava de tocar bossa-nova e acompanhava os amigos que cantavam. Ainda assim, nunca pensei em ser cantora profissional. Desde criança, gostava de cantar. Meu pai me levava a programas infantis aqui no Rio, e lembro que cantei pela primeira vez no Clube do Vasco da Gama, quando tinha apenas quatro anos de idade.
MaisPB – Desde criança, você gostava de cantar?
Sonya – Sim. No Clube do Vasco da Gama, apresentei uma música de Ângela Maria. Meu avô costumava ouvir os programas musicais da Rádio Nacional, e quando eu estava em sua casa, em São Cristóvão – onde nasci e fui criada –, acompanhava tudo com ele. Foi assim que me encantei com a voz da Ângela Maria, a ´Sapoti”, como era chamada na época. Aprendi diversas músicas ouvindo os programas infantis que passavam à tarde, e foi em um desses, realizado no Clube do Vasco da Gama, bem perto da casa dos meus avós, que me apresentei pela primeira vez.
MaisPB – Vamos falar do Quarteto em Cy – à primeira vista?
Sonya – A primeira vez que vi o Quarteto em Cy, fiquei fascinada. Nunca imaginei que um dia faria parte do grupo. Em uma roda de amigos músicos, um rapaz com um violão me inscreveu em um concurso para estudantes. O tema era ´Liberdade´ e fazia parte de uma peça de Millôr Fernandes que estava em cartaz no Teatro Opinião, em Copacabana, um teatro muito famoso na época. Nara Leão era a musa do teatro, seguida por Maria Bethânia. Para o concurso, aprendi a música “Manhã de Liberdade” e fui a vencedora. Um dia, as meninas do Quarteto em Cy, que frequentavam muito o teatro, me convidaram para integrar o grupo, pois Cybele e Cynara haviam saído. Assumi o lugar de Cybele, fazendo a primeira voz. Foi assim que, em 1967, ingressei no Quarteto em Cy.
MaisPB – ´Você Vai Ver´ de Tom Jobim e Ana Lontra Jobim – que você canta com Bebeto Castilho e que bom trazer essa canção de volta, né?
Sonya – Meu grande maestro soberano! Primeiramente, eu ia gravar com Danilo Caymmi, mas ficou um pouco difícil porque ele havia se mudado para outro estado e não tivemos oportunidade. Então, tentei Bebeto Castilho. Sempre fui fã do Tamba Trio e, principalmente, da voz do Bebeto linda, tranquila e maravilhosa. Bebeto estava afastado e um pouco triste, mas quando fiz o convite, ele ficou muito alegre. Foi um dia de pura alegria no estúdio, um momento maravilhoso.
MaisPB – Abre o disco com Abertura dos Portos de Zé da Lata/Espigão uma canção que tem a letra mais certeira – Brasil, se não caiu, não cairá jamais – Vamos falar dessa canção que você canta com Miltinho?
Sonya – “Abertura dos Portos” foi uma música inédita composta por Zé da Lata, que Luiz Claudio me indicou. Quando ouvi, fiquei encantada. É realmente uma exaltação, um incentivo à vitória, ao progresso. Achei o arranjo alegre, além de que Zé canta muito bem e toca violão de forma primorosa. Gosto muito dessa música porque transmite um espírito muito positivo.
MaisPB – Na verdade esse disco é saudosista, mas é moderno, nesses tempos que a tecnologia nos roubou o sonho, né?
Sonya – É verdade, as músicas hoje estão tão frias. Eu acompanho muito o que ouço, e sou fã de Gershwin e Michel Legrand. São dois ídolos meus na música. Quando Legrand veio ao Brasil pela primeira vez, eu o recepcionei na minha casa, e a música brasileira inteira estava lá. O piano antigo que ganhei aos sete anos ainda estava lá, mas acabei comprando um novo porque pensei: Michel Legrand não pode tocar nesse piano tão antigo…
MaisPB – Que maravilha a participação de João Donato na canção Gaiolas Abertas e hoje ele já não está com conosco – saudade, né?
Sonya – Uma grande perda irreparável. Tanto Donato quanto Bebeto… Acho que as coisas têm que acontecer no tempo certo. As gravações foram uma delícia, feitas de forma linda e com muita emoção.
MaisPB – Vamos lembrar do primeiro álbum que você gravou com o Quarteto em Cy?
Sonya – O primeiro álbum que gravei com o Quarteto foi O Quarteto em Cy em Cy Maior´, sob a direção de Oscar Castro Neves, que era o arranjador do grupo. Ele fez os arranjos instrumentais e vocais. Esse disco marcou o lançamento do ´Samba do Crioulo Doido´, que foi um grande sucesso no Carnaval de 1968.
MaisPB – E O Samba do Crioulo Doido?
Sonya – Gravamos o ´Samba do Crioulo Doido´, que foi um dos maiores sucessos do Carnaval, nos shows, e precisávamos adiar nossa ida para Los Angeles por causa desse grande sucesso.
MaisPB – A faixa ´Outra noite´ de Luiz Claudio Ramos e Chico Buarque, tão linda essa canção – está tudo aí – todas as estações e a voz do maestro e violonista Luiz Claudio Ramos. Vamos falar dessa canção, dessa junção de vozes?
Sonya – Uma canção linda, outra noite, outro sonho… Luiz foi uma das pessoas que me trouxe de volta para cantar. Quando começou a pandemia, todo mundo parou de fazer shows. Eu me lembro que fizemos um show de samba no Rival e depois gravamos uma live, mas com muito receio de ir ao Rio. Morando em Araras, eu não saía de casa. Estava aquele sufoco geral, todo mundo de máscara, um clima triste.
MaisPB – A faixa´Vida de Artista´ de Sualy Costa, uma maravilha que Simone gravou e você canta com uma calma bem peculiar?
Sonya – Sualy Costa é minha amiga há anos e anos, desde quando eu estava no Rio. Vi o começo da carreira dela. Uma pessoa fantástica, com uma voz e uma sensibilidade únicas. Eu a considero uma das maiores compositoras do Brasil, entre tantas maravilhosas que temos. Ela tem uma emoção única. Fomos muito próximas. Ela estava sempre na minha casa nos finais de semana, quando eu fazia saraus. Tenho lembranças maravilhosas dessa época. Nos anos 70, Sualy estava sempre comigo. Tenho todos os discos dela e pensei: “Vai ser essa compositora!”. Conheço outras incríveis, mas Sualy fez parte maior desse “Da Saudade Boa”.
MaisPB – Por que Sonya se desligou do Quarteto em Cy depois de 4 décadas? O grupo já estava se desfazendo…
Sonya – O desligamento do Quarteto… Foram 53 anos, muitos anos né? (risos). O grupo já estava se desfazendo. Cheguei a comentar isso na live que fizemos durante a pandemia. Nossa idade, tantos anos de trabalho, sucessos, shows, participações, viagens… Não parávamos de trabalhar, com Vinícius de Moraes, Toquinho, Edu Lobo, Milton Nascimento e tantos outros. Além disso, construímos toda a nossa discografia.
MaisPB – Bela a interpretação de ´Someone To Watch Over Me´, dos irmãos Gershwin, a única cantora brasileira a gravar os Gershwin. Conta aí pra gente dessa felicidade?
Sonya – Gershwin é uma grande paixão minha. Estive no centenário de George Gershwin, na Biblioteca do Congresso em Washington, onde passei um ano estudando sua vida. Fiz uma pesquisa muito grande. Pretendo, se Deus quiser, lançar um livro sobre ele. Consegui muitos dados com o departamento de música. Pensei que jamais poderia deixar de gravar ´Someone to Watch Over Me´, de George Gershwin, foi uma escolha feita com o coração.
CONVENÇÕES PARTIDÁRIAS - 29/03/2025