João Pessoa, 24 de abril de 2011 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Uma lágrima banhou o Ghatsemani. As tentações do demônio lhe perturbavam Ao seu redor, seguidores testemunhas dos prodígios mais impactantes que se tem notícia. Os mesmos que mais tarde trairiam e negariam a mínima vinculação.
O espinho perfurou sua fronte, o sangue inocente escorreu pela face santa. Olhares entre compadecidos e escarnecedores se cruzaram diante da cena. Com várias chances de abrir a boca em sua particular defesa, silenciou contemplando a própria humilhação diante dos homens.
Nessa hora de dor e angústia, Ele sabia o que viria pela frente além do Gólgota. Enquanto ouvia risos histéricos, provocações e chacotas, certamente o poder divino intrínseco a sua existência projetava numa tela imaginária a completa indiferença de homens e mulheres dois mil anos depois da mansa entrega.
As vestes rasgadas, a tortura e os achincalhes o acompanhavam na dura caminhada ao matadouro. Entre uma chibatada e um açoite, flashes disparavam imagens dos seus “salvos” séculos à frente duvidando da sua existência e criando teorias e teses para fundamentar que tudo não passou de invenção de fanáticos judeus.
O peso da cruz sobre seus ombros, as carnes perfuradas pelas estocadas da rejeição, comprimia o peito de quem veio ao mundo trazer mensagem de perdão e amor ao próximo e estava prestes a ser eliminado com assombroso desprezo. Ao descer as escadarias e iniciar o percurso final avistava no horizonte nublado a perseguição que seria deflagrada contra seus seguidores por todos os recantos do planeta.
Ele sabia que muitos dos seus discípulos seriam decapitados, ridicularizados, simplesmente por testemunhar sua passagem pela terra. Outros se perderiam no caminho do medo e da acomodação. Seria mais fácil e menos doloroso a ter que enfrentar as atribulações dos que ousariam a publicamente apresentá-lo como redentor.
Foram dois quilômetros. Trinta quilos nas costas. Poucos choravam ao assistir a passagem do Nazareno. Muitos cuspiam, riam e se realizavam pela certeza de que Ele era mais um pecador entre tantos. Quiçá um fanático ou no máximo pretensioso profeta. Ao olhar o chão úmido e avermelhado, Ele sabia que mais tarde haveria quem aproveitasse o dia desta memória para usufruir de todos os prazeres da carne.
O cansaço e o esgotamento físico derrubaram àquele que dissera ser capaz de reconstruir um templo em três dias. Por que agora lhe faltava forças para sustentar o próprio corpo ferido e machucado, se interrogavam os curiosos na “platéia”. Por que o autor da ressurreição de Lázaro agora sucumbia perante soldados romanos? Por que tal qual resistiu ao diabo no deserto não se libertava das algemas impostas pelo jugo do povo, que preferiu o malfeitor Barrabás?
Como compreender que o transformador de água em vinho não tinha mais poderes para modificar o quadro de terror e padecimento ao qual estava sendo submetido e morrendo a cada passo na direção da crucificação. Os que presenciaram tantos milagres não conseguiam compreender. Acostumaram-se com as maravilhas das bem aventuranças, mas não atentaram para os presságios da morte do filho de Deus.
E aquele corpo de estatura mediana que percorreu a pé léguas para difundir a Boa Nova desmorona no chão batido. Simão Cirineu entra na história e toma por instantes a cruz ensangüentada. Enquanto descansava por poucos metros, Cristo via que séculos adiante seria comparado ou trocado por Maomé, Buda, Alan Kardec…
Amor constrangedor – A cada queda, as memórias dos ensinamentos, das parábolas contadas, dos leprosos curados, dos errantes arrependidos, das prostitutas convertidas, dos cegos que passaram a ver… Entre olhares incrédulos e estarrecidos, imagens das ovelhas que viram o nascimento do pobre filho do carpinteiro José e da doce e fiel Maria. A serva que acompanhara os passos do menino, agora assistia seu rapaz com rosto desfigurado, como uma ovelha mansa pronta para o sacrifício.
Os que se esconderam no meio da multidão para ocultar as ligações com seu Mestre não conseguiam segurar a lágrima do pranto contido. Era uma cena dolorida de se ver. Aquele que por tantas vezes escutaram em lições de humildade, amor e obediência aos mandamentos do Pai, se despedia como um marginal condenado em praça pública prestes a ser crucificado ao lado de dois bandidos desordeiros.
Cravos medindo de 15 a 20 centímetros, com ponta de aproximadamente seis centímetros cravaram o pulso que tantas vezes afagou com ternura crianças, doentes, velhos e desgarrados de uma sociedade excludente e preconceituosa. Ele sabia que um dia alguém optaria pelo ateísmo pela falta de “evidências” da divindade, mas resistiu.
Com os cravos o tendão se rompeu. Ele era obrigado a forçar os músculos das costas para impedir que os pulsos se rasgassem. Ao tempo em que se esforçava para não perder todo o ar dos pulmões, Ele sabia que um dia este sacrifício seria usado para locupletação de aproveitadores e falsos religiosos. Foram três horas de suplício. Os 35 litros de sangue armazenados nas veias e carnes estraçalhadas sumiram. Antes de dar os últimos suspiros, já não sangrava mais.
Ele já antevia uma época em que coelho e ovos de chocolate seriam bem mais lembrados do que a memória dessa dor no madeiro. Antes de olhar para o céu e pedir clemência ao pai, diante do “abandono”, Ele sabia que 2011 anos depois haveria homens e mulheres embriagados pelo total distanciamento do seu inesgotável amor, justamente na hora exata da lança transpassando suas costelas.
Quando olhou para os ladrões que o ladeavam e de um ouviu provocação e de outro o pedido de salvação, Ele sabia que o ser humano teria dificuldades de compreender a necessidade do perdão e o valor daquele sangue derramado até o desfalecimento na cruz. Ele também já sabia que 2011 anos, quatro meses e 24 dias depois, haveria quem censurasse o colunista político que ousasse gastar tinta e papel de jornal para lembrar essa paixão. Apesar de já saber de tudo isso, Ele foi até o fim.
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OPINIÃO - 22/11/2024