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Entrevista MaisPB

Flávio Tavares se reinventa durante a pandemia

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publicado em 26/08/2020 ás 09h31
atualizado em 26/08/2020 ás 11h06

Kubitschek Pinheiro – MaisPB

O pintor Flávio Tavares não parou nessa pandemia. Ele vive no espaço da criação de seu desenho, que faz sua arte movimentar-se entre o ontem, o agora e o amanhã. De repente, Tavares se enfiou no miolo das redes sociais, postando aulas para crianças, um aprendizado que nunca estanca – ensinar para aprender. Mas isso ele já fazia nas escolas, no saguão de sua casa no Altiplano, no mundo.

Vamos imaginar o artista isolado, preparando uma nova exposição. Nada disso. Ele está pintando e os quadros estão embarcando para outras paredes. Estilo nesse tempo de estio.

Se reinventou ao transpor o regionalismo, a Pureza do escritor José Lins do Rego para as telas. Com esse trabalho artesanal, no que diz respeito à concepção da imagem, na relação com a figuração da época, em cores que vamos encontrar nas fazendas: seja algo no retângulo, quadrado, com seus tons primitivos e iniciais. A arte de cada canto, de vários lugares habitados no conjunto de imagens nesse voo em que estamos precisamos aterrissar. A arte liberta.

Em entrevista ao MaisPB, Flávio Tavares fala dessa fase, do avanço de um artista que tem 70 anos com seu nome escrito na história da pintura brasileira, do centenário de Hermano José e outras telas.

MaisPB – Como foi esse processo inicial pelas sociais de mostrar a construção de uma tela?
Flávio Tavares – Eu sempre achei que precisamos ensinar, o que já aprendemos e estamos aprendendo ao ensinar. Numa pandemia dessa, estamos todos trancados. Os pintores mais do que nunca. Achei que deveria abrir esse aprendizado particular, mostrar como é que fez faz, a produção e o dia a dia de um ateliê.

MaisPB – Tudo vem do desenho, né?
Flávio Tavares – Exato. Eu mostrei algumas técnicas, desde onde começa e brota a pintura e estou mostrando técnicas. que eu aprendi muito Raul Córdula, Archidy Picado e Hermano José. Eu estou botando para fora o que eu aprendi. O pintor é muito individualista. O musico passa sua mensagem, você assiste a shows, o teatro, os atores mostram suas performances e a gente tem uma intimidade com as cenas, mas com pintura, escultura, se torna muito difícil. Isso tem em filmes e não é nenhuma novidade. Vivemos numa terra sem museus. Então, eu resolvi abrir o ateliê, como se abre uma janela.

MaisPB – Como começou a produção em que você explora a obra de Zé Lins do Rego?
Flávio Tavares – Zé Lins é um resgate ao meu passado. Quando eu tinha 15 anos, convivemos muito com Walter Lima Junior, Paulo Melo, Geraldo Dey Rei, Antônio Pitanga e Anecy Rocha entre outros. Quando eles vinham de Pilar, ficavam lá em nossa casa. Era uma festa. Paulo Melo quem fazia esse elo, junto a Martinho Moreira Franco. Daí eu comecei a sentir o mundo de Zé Lins, vendo as filmagens de “Menino de Engenho” (de Walter Lima Jr. ,1966). Eu passava férias no Engenho São Paulo. Minha mãe (Dona Otaviana). aparece como figurante no filme, ela de preto recebendo Elpidio Navarro, Zezita Mattos. Muita gente estava como figurante. Fui me lembrando desse tempo e comecei a pintar o universo de Zé Lins.

MaisPB – Quantas obras você produziu envolvendo o universo de Zélins?
Flávio Tavares – Quase 50 obras, algumas grandes. outras menores. Essa produção abriu muitas portas para o público que não conhecia minha obra. Você tem toda razão, o Instagram é uma coisa fabulosa. Muita gente apaixonada por arte, procurando saber quem é Bento de Sumé. O universo da arte, uma contribuição pequena do público, mas como tenho amigos fora do Brasil, estamos todos conectados.

MaisPB – Focou em alguma obra de Zé Lins, ou só espaço geográfico?
Flávio Tavares – Eu vi muitas fotos do Engenho Corredor, o Engenho Santa Roza, alguma coisa que eu pesquisei. Quando eu quis fazer Zé Lins, foi explorar seu mundo. Quando a gente está em Pernambuco ou em qualquer outro estado e vemos um engenho, lembramos do mundo de Zé Lins. Também da Bagaceira de José Américo. Isso está no imaginário da gente. O engenho faz parte de um arquétipo.

Centenário de Hermano José

Em julho passado o artista Hermano José, teria completado cem anos. A data passou em branco por conta da pandemia. O discurso de Hermano está nas telas. Hermano era o cidadão do mar.

A mãe de Hermano, dona Maria Alice Espínola Guedes era dona do Engenho Baixa Verde, um lugar encantado próximo de Serraria e foi lá que nasceu Hermano, depois trazido para Serraria e registrado noutra cidade chamada Caiçara.

Foi o primeiro a pintar a ponta do Cabo Branco. Hermano era o solitário do Bessa, aquele que saia de casa para brigar pela natureza, um artista de envergadura, erudito, sem clichês, sem bobagens. Se não fosse artista, seria salva-vidas.

Como artista plástico, ele iniciou seus trabalhos a partir da década de 1940, e gostava de retratar a falésia do Cabo Branco, paisagem fascinante desde o dia em que a viu pela primeira vez e uma característica central de sua obra; só parou de retratá-la no ano de 1956, quando se mudou para o Rio de Janeiro.

No Rio, Hermano acolheu artistas que carregam seus ensinamentos, a exemplo de Miguel dos Santos e Flavio Tavares. Viu o Museu de Arte Moderna (MAM) nascendo, em 1948, e se envolveu em um novo ofício: as gravuras em metal, por meio do qual conquistou o mundo. Uma dessas obras faz parte do acervo do Museu Metropolitano de Nova Iorque, nos Estados Unidos.

MaisPB – Em plena pandemia. o centenário de Hermano José passou batido…
Flávio Tavares – Em julho ele fez cem anos, mas não deu para fazer comemoração, porque estamos vivendo uma época, um eclipse total e a cultura do Brasil é sem incentivo. Agora temos a lei Aldir Blanc, mas vamos ver. Hermano merece num futuro próximo uma grande homenagem do Governo da Paraíba, da UFPB, que a Prefeitura também mostre seu interesse. Até a Casa Hermano José, que ele deixou para a universidade, está abandonada

MaisPB – Qual a importância de Hermano José em sua vida?
Flávio Tavares – Não é só na minha vida. Na de Miguel dos Santos e de muitos outros. Começa no Rio de Janeiro, em 1969, com Hermano abrindo as portas das galerias, como a Bonino, um grande espaço daquela época. Hermano fez isso para João Câmara (artista paraibano radicado em Recife) Hermano ajudou muita gente. Na época da ditadura, ele hospedou em sua casa, o teatrólogo Paulo Pontes. Era amigo dos irmãos Valter e Vladimir de Carvalho. Assim como o maestro Pedro Santos, que veio do Amazonas e fez a cabeça de muita gente na Paraíba. Na parte de vanguarda, eu acredito que foi Raul Córdula, que abriu outras as portas.

MaisPB – E o novo projeto trabalhar com natureza morta de uma forma surreal?
Flávio Tavares – Eu fiz Saltimbancos, que era a maneira fazer flutuar as figuras. Botei o nome Saltimbancos, para fazer um elo entre o salto, do equilibrista, do bailarino, e apenas com isso eu solto o desenho. Eu estou dentro de um campo solto do desenho, flutuante. Quando comecei a ver quadros antigos meus, virei as fotos de cabeça para cima e senti, que os objetos estavam caindo. Então, resolvi fazer a natureza morta sem gravidade. Tudo isso em pintura a óleo. Fica muito bonita a coisa flutuante. Evidentemente eu sei que a ideia é muitos surrealistas, a exemplo de Salvador Dali e outros.

MaisPB– No seu Instagram tem uma postagem de um quadro seu da década de 60. Está com você para ser restaurado?
Flávio Tavares – Ah, isso foi justamente por conta da pandemia, uma arquiteta Maria Helena Pedroso deixou a obra aqui em casa, para eu fazer uma limpeza. Está em bom estado, dei apenas um verniz. Eu fiquei muito emocionado, a obra é de 1963, eu tinha treze anos. Eu pintei quando morava no Miramar. Eu lembro até da tinta que usei nesse quadro, que papai (Arnaldo Tavares) trouxe para mim, é a tinta Lefranc e as telas ele comprava no Foto Lira Serrano. Faz tempo.

MaisPB – Mais alguma novidade?

Flávio Tavares – Eu estou pintando o engenho da família de Alda Castro Pinto ( esposa do poeta Sergio Castro Pinto), em Guarabira. Ela queria matar a saudade e trouxe a fotografia. Também estou trabalhando em Talha, que deixa a madeira em baixo relevo. De tudo fica um pouco. Nessa pandemia fiz trabalhos com portas antigas, portas de baraúna do sertão. Eu sempre fui um artista de pintar em casa, um artista da garagem.

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