João Pessoa, 09 de dezembro de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Kubitschek Pinheiro, assim você me enlouquece!
Clarice não é uma rua, uma avenida, uma esquina, uma praça, um bairro nem uma cidade. Nem um país nem um planeta. Clarice é meu mundo.
Começa pela fluidez da letra “L”. Não existe no alfabeto da língua portuguesa uma letra com tanta luz, liquidez e melodia. O “L” de Clarice está no “L” de Cecília, no “L” de Adélia, no “L” de Laura, a de Petrarca, e no “L” de Luciene, de Figueiredo Agra, como no “L” de Luciana, de Augusto Frederico Schimidt. “L” de Larinha, que, a depender de mim, vai conhecer e amar Clarice vida afora.
Tremo de temor e espanto quando leio Clarice. Cada frase que Clarice escreve ataranta minha maneira de ser e me chama para repousar à beira do abismo. Há tanto fervor e tanto Deus nas palavras de Clarice.
Kubitschek, você também é filho de Clarice!
A maternagem criadora de Clarice ultrapassa o sabor comum das metáforas e nos leva para a poesia secreta e aniquilada da rotina das coisas e dos bichos.
Ontem passei a madrugada nas páginas de Clarice (foto). Tenho passado minha vida nas páginas de Clarice. Para Clarice, a vida é sobrenatural. Ora, sobrenatural é Clarice. Clarice é cósmica, é magica, é alquímica, é diabolicamente humana na sua divindade hospitaleira.
Perto de meu coração selvagem, construí uma doce tenda para receber e abrigar Clarice. Meus versos foi Clarice que me deu. A mulher que amo respira nos parágrafos finais da prosa de Clarice.
Kubitschek, veja você mesmo: certos substantivos que você usa vêm de Clarice. Adjetivos, nem falar. Só Clarice sabe usar a dor dos atributos. O qualificativo como explosão de sentidos silenciados.
Vamos prosear um dia sobre o que Clarice escreveu e não escreveu. Principalmente, sobre o que Clarice poderia ter escrito. Clarice se parece mais com Mineirinho ou Macabéa? Com o búfalo ou com o cego? Com a barata ou com as maçãs, naturezas mortas, no escuro? Não sei. Ninguém sabe. Se você sabe, Kubitschek, me diga.
Só sei que Clarice é a minha felicidade clandestina, minha cidade sitiada pelos gnomos do paraíso. Todas as impurezas do branco me invadem quando leio Clarice. Tenho pavor. Vivo assombros. A poesia me devora na primeira palavra de Clarice.
A água foi uma falta constante. A chuva era rara. Clarice se me chegou como a água viva que se esconde na beleza dos cactcos, na santidade do que é feio e no milagre invisível da vida ordinária.
Os ratos têm brilho. O verme está em êxtase. A aranha se desdobra pelas teias sinestésicas da linguagem de Clarice. O molusco vibra na pulsação do verbo de Clarice. Os deuses e os bruxos brincam na descoberta do mundo. E eu, aqui estou, meu caro Kubitschek, como você. Lendo e amando Clarice.
Dá para viver sem Clarice?
Não. Não. Não.
Clarice não existe. Clarice é a eternidade!
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OPINIÃO - 22/11/2024