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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Eu e Clarice, cem anos depois

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publicado em 10/12/2020 ás 06h10
atualizado em 10/12/2020 ás 09h26

Abri o Instagram e vi uma imagem da cantora Maria Rita, numa postagem de meu amigo @peu29, lá da Bahia de todos as santos. Axe! A voz de Maria Rita cantando “Nem um dia” de Djavan e eu desejando mil dias. Desejei cantar, desejei estar no Rio para me agarrar com Clarice Lispector (foto) de bronze, sua estátua, cem anos hoje e que ela renasça e tudo pare de tanto morrer.

Dando uma cambalhota no ar, prestes a cair nos meus abraços, Clarice nunca foi tímida. Eu devoraria Clarice, Diva´s, Salomés & Cleopatra’s até quem mais vier, com seu salto ornamental, sensacional. Aliás, Clarice Lispector detestaria saber que hoje é seu centenário.

Depois, pensei naquele batidão do seu coração selvagem, cruel, quando algo está para acontecer – na superfície da vida, água viva, água cristalina, algo ali, paradinha com seu cachorro na praia do Leme, e, num segundo, tudo em movimento, Clarice tem a coragem de Apolo ou seu pai Zeus, e se levantaria do batente para sobrevoar o Rio Lindo de Janeiro.

Faz mais de cem anos que sonho com Clarice, uma sensação fora do padrão, viagem minha, poderia até fazer a escritora tremer no vestido de cambraia de linho. Toda hora é a hora da estrela e parece que algo vai acontecer, já aconteceu.

Estou na varanda, ouvindo Maria Rita cantar que não te esquecerei um dia, nenhum dia e tudo nascerá mais verde, todos os tons de Clarice, que nunca teve mistério; estão veio a força do pensamento. Sol, mar, calor, um drinque (nunca mais), e o nome dela cravado no meu coração materno.

Clarice me anima nesses tempos gris, me leva para o computador e me inspira com a dor de quem não sabe esquecer ou viver a vida que me resta. Clarice pega na minha mão, cuida do meu coração, please.

Todos os dias são cem anos sem e com Clarice. Não precisa alongar a vida dessa mulher, sua obra se encarrega disso, da sua estada por aqui. Isso me parece uma das vantagens de ser Clarice – a possibilidade de gostar ou não de nada, num lugar comum e ir ficando, onde ela ficou.

Eu imagino o encontro de Clarice com o Cidadão Kane, ou melhor, o cidadão K, e no ar o cheiro do sexo junto ao barulhinho do mar, um labirinto espelhado em Clarice, latente, jamais lânguida, à espreita, para me devorar, me engravidar.
Até entendo o empenho de muitos de escrever textos longos (que ninguém lê). para conservar a tradição da homenagem a essa dama, mas a coisa não pode ser um Fla-Flu assim.

É isso, eu apenas pensei, pensei, pensei… em Clarice. Todas as mulheres são Clarice.

Kapetadas
1 – Segundo o G.H Clarice nunca existiu
2 – Clarice tinha a sede do outro. Eu da outra.
3 – Clarice sempre teve a imediata constatação com as coisas do mundo – e “o prazer é o máximo da veracidade de um ser. É a única luta contra a morte”, reivindica a personagem Ângela, de “Um sopro de vida” (1978).
4 – Som na caixa: “Clarice era morena/ Como as manhãs são morenas/Era pequena no jeito/De não ser quase ninguém”, Caetano Veloso

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