João Pessoa, 12 de fevereiro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Tempo para escrever… que tempo? Pois vocês não sabem que os riscos e rabiscos já estavam guardados no âmago da humanidade, como se fosse pressuposto ao animal se tornar humano? Aquela essência da semente esperando a circunstância certa, para estourar sua potência em movimento?
Que tempo? Pois vocês não sabem que o tempo é filho do homem, rio fluindo dentro do homem, o escoar da vida dentro do homem, medida do homem, limite da felicidade ou da infelicidade humana?
Vocês falam em tempo como se ele pudesse ser medido e contado. Ledo engano! Esse bicho comprido que, para existir, precisa de um início, paradoxalmente, não o tem, também precisa de um fim, e todos sabem, o fim de um tempo se chama morte para alguém, ou será que existe um tempo na História que extrapola as individualidades, continuando sua existência fluida, não sentida, mas experimentada coletivamente? Sei lá!
Talvez o tempo seja um paradoxo em si mesmo, um ponto cego que se dobra sobre si mesmo, como a morte que, para existir, alimenta-se da vida, até consumi-la por inteiro, como o fogo, a vela. Sim, talvez, a morte seja o encontro do início do tempo com o fim dele, como uma cobra que começa a engolir o rabo até o inexorável limite em que, para continuar vivendo, tenha que morrer engolindo a si mesma, um paradoxo em si, um ponto cego, o fim dos tempos.
Então, não me venham falar em tempo para escrever. Partam do pressuposto de que o tempo é apenas um estado mental, uma necessidade de organização da existência e nada mais. Eu não preciso de tempo para escrever, como não preciso de tempo para respirar. A respiração apenas é; não precisa estar. Só os estados medem o escoar da vida por essa linha imaginária chamada tempo. O ser, não. E a escrita, como o falar, é a essência de tudo quanto se fez em humanidade.
Nem tempo nem ritual para escrever. Aliás, escrevo em uma das posições menos recomendadas para o exercício desse mister, deitado na cama, usando o meu notebook. Sem chá, sem café, sem cachaça, sem maconha, sem cocaína, apenas com levantadas esporádicas, para invadir a geladeira, estirar as pernas, diminuir as protrusões hirsutas da coluna. Ah! E burilar um dengo na cabeça do meu cachorro, um poodle pretinho sem vergonha, chamado “Barão”, que tem certeza de que eu sou um cachorro, e eu, a certeza de que ele é gente.
E, quanto à música a ser ouvida durante a escrita, eu até gostaria de escolher uma. São nove horas da manhã. Moro em apartamento que dá para a piscina de um edifício maledicente. Um filho da puta está com seu paredão de caixas de som em toda a altura no prédio vizinho:
“A partir de hoje você não é mais rapariga/Você vai ser a mulher da minha vida…/…A partir de hoje você vai ser minha mulher/Eu vou tirar você do cabaré…(…)”
E, logo em seguida, coloca mais um desses forrós plastificados no melhor estilo de quem não tem outra coisa para ouvir: “E os amigos falam/Não é bem assim/Ela me dá carinho/Não me deixa sozinho…Ela é meu amorzão/Eu amo ela de montão/Não quero mais ninguém… (…)”
É, meus amigos, vida de escritor é fogo!
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