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Marcos Pires é advogado, contador de causos e criador do Bloco Baratona. E-mail: [email protected]

Jupira

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publicado em 10/04/2021 ás 07h35

Finalmente consegui comprar a bicicleta da minha infância. Num tempo em que bicicleta virou bike e pode custar até cem mil reais, comprei a minha Monark barra circular (vermelha, uma Ferrari) por novecentos reais. Modelo de luxo, porque já veio com descanso, campainha e espelho retrovisor redondo. Batizei-a Jupira.
Mas isso foi só o começo da minha aventura. É que eu estava sequioso por equipar a bicicleta com todos aqueles adereços que os pedreiros de antigamente tão mimosamente usavam em seu transporte predileto.
Consegui comprar um conjunto de farol e dínamo (daqueles que imprensam o pneu traseiro e fornecem energia- e muito peso- para acender a luz). Como não tenho quem tome conta de mim, fui à loja sem saber que estava usando uma camisa rasgada atrás. O vendedor disse que o preço era 150 reais, mas olhou o rasgão na camiseta, deu um suspiro e emendou: “- Mas pague só 120 reais”.
Prometeram-me umas borrachas que são colocadas atrás dos para-lamas com o dístico “Vai com Deus marcopires”, conhecidas como lameiros. Já instalei uma corneta tipo sorveteiro que o amigo Manoel Moreira teve a gentileza de me presentear.
Mas meu sonho é conseguir uma capa para a sela, daquelas que tem franjas ao redor e geralmente um escudo de time de futebol no meio, bem assim uma almofada para colocar no bagageiro de modo a permitir que mãe Leca possa andar mais confortavelmente com as pernas juntas do mesmo lado, evitando dar lance.
Depois de muito perguntar onde poderia encontrar tão importantes itens, indicaram-me uma loja em Oitizeiro. Difícil de achar, mas finalmente entrei na portinha que dava acesso a uma sala escura. O proprietário encontrava-se sentado numa cadeira de balanço daquelas feitas de fios de plástico. Eu disse que queria comprar alguns acessórios para a minha bicicleta e ele, sem levantar, perguntou a marca dela. Quando falei com muito orgulho que era uma barra circular ele foi curto e grosso: “- Grande bosta!”. Não, não tinha nada porque ninguém usa mais essa porcaria de bicicleta. Saí desolado, porém ao passar pelo mercado público de Oitizeiro vi uma barraquinha meio sebenta onde vendiam caldo de cana. Sabor da infância, né? Pedi um e me serviram com um pão doce, que fazia parte do combo. Quando retirei a máscara para tomar o caldo, alguém me reconheceu e gritou de longe: “- Dr. Marcos Pires, o senhor faliu, foi?”.
Ah, Jupira, as coisas que faço por você… .

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