João Pessoa, 12 de abril de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Ah, a vaidade! Apesar de condenada no Eclesiastes e de ter atingido o status de pecado capital, a vaidade jamais esteve em baixa. Como somos vaidosos, uns mais, outros menos; uns aqui, outros acolá, nós ajudamos a deixá-la bem cotada, na bolsa das veleidades humanas. A priori, não acho que um pouco de vaidade seja ruim. Ruim, muito ruim, é quando nos dedicamos cegamente ao seu culto.
Além do já citado Eclesiastes, há para mim duas referências que considero muito boas a respeito do tema. A primeira é o excelente conto A Igreja do Diabo, de Machado de Assis, incomparável tratado sobre a vaidade humana, em forma de ficção. A outra referência é o filme O Advogado do Diabo (1997, direção de Taylor Hackford), com elenco de peso, de que participam Al Pacino, Keanu Reeves, Charlize Theron, destacando-se a magnífica interpretação do primeiro, como o diabo, para quem o melhor e o maior dos pecados é a vaidade. O Tinhoso está certo. A vaidade joga o seu cultor no inferno, segundo a doutrina que dela fez um pecado capital, por nada. Por fumaça, pura fumaça.
Uma das grandes vaidades que tenho visto ultimamente é a de ser escritor. Muitos matam e morrem para serem assim reconhecidos. Tenho visto, inclusive, muito lamento e muito ressentimento da parte de alguns, que se julgando grandes escritores – e talvez sejam… – não conseguem ser lidos ou reconhecidos nem dentro de casa. Gosto de escrever, sigo à risca o conselho de um dos grandes escritores que conheço, Émile Zola, de não passar um dia sequer sem escrever, ao menos, uma página. Mas não me considero escritor, pois não vivo disso.
No tocante aos escritores, contudo, lembro sempre da frase marcante de Mário de Andrade: “Todo escritor acredita na valia do que escreve. Se publica é por vaidade, se não publica é por vaidade também”. O escritor, ou quem assim se julga, vive sempre entre o martelo e a bigorna: a vaidade de ser lido e a vaidade de não ser criticado. Como já disse, escrevo. Digo mais: gosto de ser lido, gosto do retorno. Não sendo escritor, no entanto, não me sinto confortável em pedir que me leiam ou se me lerem, em pedir que deem opinião sobre o que escrevi. O retorno nem sempre aparece, mas não me incomoda. Como sou professor – esta, a minha vaidade e escrevo como consequência natural de minha profissão – tenho sempre, no momento de minhas aulas, o retorno do que digo, ainda que ninguém fale. Mesmo com o silêncio e no silêncio, dialogamos, diz Drummond. O retorno se dá no rosto, na expressão facial e corporal que capto dos meus alunos. A partir daí percebo o que está acontecendo e se há ou não repercussão com relação ao que digo. É o suficiente.
Não me considero, portanto, vaidoso, no sentido de cultor da vaidade, embora aos olhos dos outros isto também seja uma vaidade. Mas não ser lido ou não ser notado não é algo que me tira o sono ou que me incomoda. Tenho procurado exercer um pouco a invisibilidade, que aprendi com o meu querido amigo William Costa, um mestre no assunto.
Faço isto porque a vaidade é traiçoeira e parece punir aqueles que lhe prestam culto. Vejamos o exemplo do Papa Júlio II (1443-1513). Apesar de Franciscano, ele não resistiu e sucumbiu à vaidade, ao incumbir Michelângelo da construção de seu mausoléu, na Basílica de San Pietro in Vincoli, em Roma, localizada no Monte Ópio, bem próxima à descida para o Coliseu. O artista projetou 47 estátuas, para ornar o suntuoso túmulo de Júlio II (foto), dentre elas o famoso Moisés. O resultado disso é que as pessoas procuram a Basílica de San Pietro in Vincoli, para ver a relíquia que ali se encontra, as correntes que prenderam São Pedro, quando ele esteve preso em Jerusalém e, claro, interessadas no Moisés, cuja visão estonteante e magnífica só é fruída, depois de se pagar um euro, para que se acendam as luzes sobre ele.
E o papa Júlio II? Ninguém sabe quem é, nem tem interesse de saber. Ah, a vaidade!
* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB
TURISMO - 19/12/2024