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Kubitschek Pinheiro MaisPB
Fotos – Candé Salles
A cantora e compositora Marina Lima não para. Ela acaba de lançar o songbook da sua obra “Marina Lima: Música e Letra”, livro digital, que pode ser baixado gratuitamente no site da artista (marinalima.com.br), que soma mais de 40 anos de carreira. De “Simples como Fogo”, (1979), até seu álbum mais recente, “Novas Famílias” (2018), está tudo lá: partituras, cifras e letras das 175 canções – todas elas transcritas pelo músico e parceiro Giovanni Bizzotto – presentes nos 21 discos da artista. Marina conta que recebeu propostas de lançar o songbook diversas vezes durante a carreira, mas avaliou que agora chegou o momento.
Com o livro, mais um presente para o publico, o lançamento o EP “Motim”, produzido por Marina e Alex Fonseca, com quem a cantora divide a autoria em uma das canções, “Motim” traz parcerias com Alvin L., que também faz vocais em “Kilimanjaro”, e Giovanni Bizzotto. As canções EP também estão no songbook.
A eletrônica “Nóis” (segunda faixa) é uma canção politica, um protesto de Marina diante dos hecatombes que passa o nosso país e traz a participação de Mano Brown. Marina e o rapper se conheceram ainda no fim dos anos 90. Ela sempre quis trabalhar com o vocalista dos Racionais. Brown e Marina se reencontraram nessa pandemia.
A letra de Nóis” fala da “onda de horror chegou por aqui/ De todos os lados e sem prevenir/ E nóis nesse trem/ Com um vírus mais matador que vi/ Mas, sabe, uma notícia boa/ Quando chega faz tudo luzir/ O homenzinho do norte caiu/ E já já junto essezinho daqui vai ruir”, Marina canta nesta canção de poucos mais de quatro minutos. A voz de Brown vem ao fundo, num contracanto.
Os versos fazem referência ao ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump e a Jair Bolsonaro, a quem ela diz que a história reservará “o pior papel possível, uma vergonha”.
Em conversa com o MaisPB, pelo Zoom, Marina fala do esperado songbook, da construção das canções do EP, das parcerias, da vida dela em Ipanema, dos pais, do tempo que morou nos EUA e muito mais;
MaisPB – Marina, vamos começar pelo songbook?
Marina Lima – Eu considero os meus discos, a minha obra. Como eu sou uma autora, tudo que escrevi, gravei está nesse songbook. Quando eu vi que 2109 tinha 21 discos, mais dezenas de musicas, ai eu pensei: eu tenho que fazer esse livro, deixar esse legado para todo mundo tocar, aprender, as músicas que eu gravei. Eu fiz o songbook com essa intenção.
MaisPB – É muito importante um songbook…
Marina Lima – Sim, porque estou com 65 amos, sou uma mulher, tenho uma obra e por mais que eu não ligue muito para o passado, não olho para o que passou e tenho mais interesse em coisas mais recentes. Eu sou muito curiosa, queria e fiz o songbook. Sei o quanto é importante esse legado pronto, entregue a quem quiser aprender, alunos, quem mal sabe tocar, está tudo aí – a letra, cifra e partitura.
MaisPB – Um songbook de sua obra gratuito para o grande público?
Marina Lima – Por exemplo, o pianista Antônio Adolfo, ele vai se interessar. Contratei um grande musico, José Giovanni Bizzotto. Pega esses discos e reescreve tudo. Eu resolvi mesmo fazer em 2019. Mas veja bem, o Almir Chediak, me procurou na época que fez os songbooks de Caetano (Veloso) e Gilberto Gil, para fazer o meu, mas eu achei que ainda não tinha uma obra para isso. Agora sim, um songbook para todos.
MaisPB – Então, esse trabalho vem de 2019?
Marina Lima – Sim, mas veio a pandemia… Nós mulheres costumamos não deixar nada como obra pronta. Os homens sempre se preocupam com isso.
MaisPB – Aliás, como Marina está nessa pandemia?
Marina Lima – Presa em casa, sem ter saída, sem encontrar ninguém e sem trabalhar nos palcos. Bom, já estou com songbook, ai eu pensei na música. A música é um caminho, é como o mar. Não tem fim, ninguém conhece o fim da música e tive a desculpa para me cobrar, porque as pessoas me indagam: “você ainda está estudando música?” Sim, nunca paro de estudar música.
MaisPB – Mas esse é o papel do artista, produzir….
Marina Lima – Mas eu não tinha tempo disponível, e com a pandemia e também não precisa ninguém me cobrar nada. O que restou foi a minha música e voltei a estudar partitura, cifra, fazer exercícios de violão. Me vi com arsenal de possibilidades. Comecei a compor feito uma louca, eu não consegui segurar. Era muita ideia na cabeça. Com o songbook, eu vi tudo aquilo e pensei, não é justo eu entregar o livro, sem algumas canções novas.
MaisPB – Como você vê esses novos formatos de se ouvir musica?
Marina Lima – Eu acho bacana, tanto é que fiz um EP, para as plataformas. São 4 músicas, mas não é um disco. Um disco para quem o faz é como se fosse um livro. Um disco de dez, 12 musicas, é um romance. Você começa cantando, contando, no inicio, no meio, perto do fim, é uma história. Nada está ali aleatoriamente. Um EP é como se fosse um conto.
MaisPB -Vamos falar na canção Motim?
Mariona Lima – Olha nesse EP com quatro musicas, sintetizam o que eu penso, o que sou e que faço hoje em dia. Isso é o que tenho para agora. Eu acho que estou no princípio do inverno da minha existência, o inverno começa aos 60. A partir dos trinta a gente aprende muito, dos 60 aos 90 (penso em viver até os 90), é o apogeu da minha existência, o final da minha vida. Aí eu vou embora.
MaisPB – E a canção que abre o EP, “Pelos apogeus”?
Marina Lima – Olha eu nasci de frente pro mar. Meus pais são do Piaui. Os três filhos nasceram do encontro deles, que se conheceram numa pensão no Rio de Janeiro. Eu tenho razies sertanejas. Moramos no exterior. Essa canção fala da praia, do sol, o mar, areia. Tudo isso está canção. A letra fala do começo de tudo. Essa letra mostra o tempo em que fomos morar nos Estados Unidos.
MaisPB – Com que idade você voltou para o Brasil?
Marina Lima – Com 12 anos. E nesse tempo em que estava fora, começava a ditadura. Meus pais ficaram apavorados. Cícero (Antônio), entrou para o curso de Filosofia, o Beto, fez Economia e eu Música. Meus pais viram que a gente ia se lascar. Mandou o Cícero para Londres. E voltamos para os Estados Unidos. Eu fui obrigada e fiquei com ódio. Eu adorava a minha adolescência no Rio. Eu tinha acabado de conhecer minha sexualidade e a ditadura estava acabando… Eu queria voltar ao calor, minhas paixões, o Rio, já tinha aprendido a dirigir…
MaisPB – Então, foi na volta para os Estados Unidos que você começou a pensar em música?
Marina Lima – Sim, mas meu pai queria que eu estudasse informática. Nesse tempo ele mandou buscar o Cícero em Londres, ele já estudava Lógica, Matemática e eu Música.
MaisPB – Como é aquela história da descoberta de um soneto de seu irmão, Antonio Cícero?
Marina Lima – Eu achei o soneto, musiquei e mostrei para ele. Nós começamos os dois a compor juntos. Eu tinha 16 anos. A música era uma maneira que nós dois tínhamos de esquecer tudo, de conversar. A música nos uniu profundamente. Eu contava a ele meus casos de amor e ele fazia o mesmo. A gente se descobriu nessa história da música.
MaisPB – E a canção Motim, que dá nome ao EP?
Marina Lima – É uma musica minha e de Alvin L e de Giovanne. Eu gostei de três posições do violão, a partir dai fiz um acorde. Essa musica começou com dois acordes, criei um dedilhado e mais onze acordes. Fizemos o Motim. Essa canção vai pegar. Eu achei a melhor do EP.
MaisPB – O Giovanni Bizzoto você conhece há muito tempo?
Marina Lima – Estudamos na Escola do pianista António Adolfo. Isso tem uns trinta anos. Eu sempre soube que estudando eu saberia mais do que muitos. E o Giovanni Bizzotto calhou de ser meu professor de música e depois virou musico da minha banda.
MaisPB – E sua amizade com Alvin L?
Marina Lima – Eu gravei um disco com o Alvin L, que a gente começa com “Ela e Eu” de Caetano Veloso, seguida das canções “Grávida” e “Criança”. Eu estava compondo esse disco e chegou em minhas mãos uma fita cassete do Alvin L com a canção “Não sei dançar”, gravei nesse disco, é uma obra prima. Eu conheci Alvin na fita, viramos parceiros.
MaisPB – Vamos falar da canção “Nóis”, a quarta faixa do EP, que é uma parceria com Mano Brown.?
Marina Lima – “Nóis” é o que que restou do Brasil, Nóis todos. É uma canção provocativa. Eu tinha vontade de compor alguma coisa com Brown. Começamos a mandar mensagens pelo WhatsApp um para o outro. Mandei a musica pra ele. Eu tenho um estúdio pequeno aqui em casa. Eu fiz essa pensando no Brasil, em nós, a letra é minha, eu achei que ele ia fazer um rap, mas ele fez outra coisa, uma som lindo.
Mais PB – Linda a canção “Kilimanjaro”, que é nome do Monte da Tanzânia, é a maior montanha da África…
Marina Lima – Quando eu comecei a fazer com Alvin, com Alex, achei que era a melhor coisa. Como só eu que toco, faço muita coisa sozinha. Alex Fonseca, é um musico reincidente, maravilhoso. Eu amo essa canção.
MaisPB – Foi pra São Paulo há anos e vai ficar por aí?
Marina Lima – Não sei sobre isso, essa coisa da pandemia fez todos nós vermos, como a vida pode mudar de repente. Uma questão foi a descoberta da tecnologia e cada um faz seu trabalho, bem mais global. Isso vai ser assim sempre. Eu não sei se vou estar morando em São Paulo ou no Rio, quero um lugar onde exista mais natureza, minha vida, meu desejo.
MaisPB – Tem falado com seu irmão Cícero?
Marina Lima – Muito, a gente se fala sempre, conversamos por vídeo. O ano passado estivemos juntos.
MaisPB – Alguma lembrança da Paraíba?
Marina Lima – Tenho sim, adoro aquele Hotel Tambaú, que entra no mar. Eu conheci o hotel, tinha 17, 18 anos. O Brasil inteiro falava que existia esse hotel . Fiz muitos shows ai em João Pessoa. Gosto de cantar aí e do meu público.
MaisPB – Como aconteceu a canção “Nosso Estranho Amor”, que Caetano fez para você cantar?
Marina Lima – Isso foi uma ideia de meu produtor, na época, Mazolla. Está no meu segundo disco. Ele sugeriu que eu pedisse a Caetano, que era um grande amigo, convivi muito com ele. Tinha a Tia Léa no meio disso. Eu pedi. A música não é sobre mim, é sobre Dedé, que era casada com ele, eles estavam se separado. Ele me deu, ele gravou. Eu adorei. Eu peguei para mim a musica
MaisPB – E as redes sociais?
Marina Lima – Eu gosto, é uma maneira de como saber das pessoas, a gente interage sem intimidades, de quem gosta de mim e quer saber do meu trabalho.
MaisPB – Você gosta das canções de de Chico César?
Marina Lima – Eu gosto, ele é um grande musico, grande artista. Tem uma canção que Daniela Mercury gravou, ( À Primeira Vista) – essa canção é uma obra prima. Ele é muito forte.
MaisPB – Tem ouvido esses artistas jovens?
Marina Lima – Se eu tivesse que escolher uma artista de agora, escolheria Letrux (atriz, escritora, cantora, compositora e instrumentista brasileira). Uma cantora nova, que tem uma voz linda, é Alice Caymmi.
OPINIÃO - 22/11/2024