João Pessoa, 21 de julho de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Ninguém escapa à utilidade de uma lista. A lista alimenta o desejo de impormos alguma ordem ao caos da vida e as oferendas existenciais que a realidade nos proporciona no seu vai e vem sem fim. Com sentido ou sem sentido, quem sabe?
Listas, há de todas as espécies. Shaun Usher cataloga, no seu delicioso volume “Listas extraordinárias, nada menos que 125, elaboradas por personalidades notáveis da comunidade científica, artística, cultural, religiosa, política, esportiva e literária do mundo inteiro.
De ìtalo Calvino, por exemplo, pinça, logo no primeiro capítulo de “Se um viajante numa noite de inverno”, uma lista dos “Livros que você não leu”, e não leu, é claro, por diversas razões.
Livros cuja leitura é absolutamente dispensável. Quais seriam mesmo esses livros? Livros que poderiam ter outros usos que não a leitura propriamente dita. Quem sabe: aquela bela edição a servir unicamente de ornamento estético no centro da sala de visitas em função de seu requinte gráfico-visual, da doçura do papel e da beleza insólita das ilustrações, assim como dos predicados artísticos do alinhamento e da diagramação. Penso que possuo um destes raros exemplares: a “Divina comédia”, de Dante Alighieri, com desenhos de Sandro Boticelli, tradução e notas de João Trentino Ziller e apresentação de João Adolfo Hansen, numa edição especial da editora Ateliê.
Livros que desejamos ler, mas sempre adiamos, pela necessidade de ler outros. Ora, no meu caso, são tantos, que me dariam uma lista imensa e variada. De Tolstói, por exemplo, li “Ana Karenina”, “Ressurreição”, “A sonata a Kreutzer”, mas sempre estou adiando a leitura de “Guerra e paz”, desconsiderando, assim, o conselho de Ernest Hemingway ao jovem Arnold Samuelson, alertando-lhe para indispensabilidade deste romance. O “Apocalipse”, de São João; “O diálogo dos mortos”, de Luciano de Samosata; “A origem das espécies”, de Charles Darwin; “Os enigmas do universo”, de Ernest Haeckel, e “Prosopopeia”, de Bento Teixeira, com notas dos professores Milton Marques Júnior, Fabrício Possebon e Juvino Alves Maia Júnior, são alguns que me espiam da estante sem que eu tenha a coragem de tocar-lhe as páginas num primeiro afago de leitura.
Calvino ainda fala, entre outras possibilidades, dos livros que você leu há muito tempo e que seria hora de reler. Este item da lista é um dos que mais me atrai. Li tantas coisas e gostaria de relê-las. Reler é como reencontrar uma velha paixão e saborear de seus segredos paradisíacos num misto de cognição e surpresa, de imaginação e memória, de beleza e verdade.
Vamos voltar a Gustav Flaubert e reler “Madame Bovary”, o mais completo dos romances, segundo Dinah Silveira de Queiroz. É preciso recuperar as idiossincrasias nervosas de Peter Kien, na releitura do “Auto-de-fé”, de Elias Canetti, um romance sobre livros e sobre o amor que a eles deve ser devotado. Escalar de novo, e sempre, capítulo a capítulo, as escarpas fertilizantes de “A montanha mágica”, de Thomas Mann, e, se for inverno, nas tardes chuvosas, percorrer, uma vez mais, as margens do rio Neva, confabulando com os personagens de Dostoiévski, em “Os Irmãos karámozovi”, “Os demônios” e “Crime castigo”.
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OPINIÃO - 22/11/2024