João Pessoa, 04 de agosto de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Não, não sou Tomás de Aquino, a quem Deus deu o dom de compreender cada página que lia. Leio muito, é verdade, e desde a primeira infância, já mergulhado nas aventuras das histórias em quadrinhos que me fizeram cúmplice de Pimentinha, Mandrake, Cavaleiro Negro, Zorro, Tarzan, Batman e outros heróis. Leio muito e leio à maneira dispersa dos leitores vorazes e curiosos, com seus temas e autores preferidos, mas sempre aberto à sedução de outras áreas e assuntos na variedade do conhecimento.
Ler muito, no entanto, não quer dizer necessariamente ler bem. Tomás de Aquino, sim, lia bem e muito bem, porque compreendia tudo. Pelo menos é o que revela o testemunho de muitos de seus biógrafos e estudiosos. Mas Tomás era Tomás. Eu sou apena eu mesmo, com todos os limites que Deus me deu.
O próprio Tomás de Aquino, quando o leio, sinto que não o compreendo bem. A precisão geométrica de sua lógica bebida em Aristóteles, assim como seus argumentos transcendentais na tentativa de explicar a existência de Deus – este mesmo Deus que lhe deu o dom de tudo compreender – parecem-me complexos demais para a simplicidade de meu humano entendimento.
É claro que nem tudo me soa obscuro nas palavras do grande sábio medieval. Leitor de poesia, com ele aprendi, por exemplo, os chamados quesitos da beleza, sobretudo ao dividir as coisas em úteis e inúteis, e captar, nas inúteis, isto é, nas coisas poéticas, a integridade, a simetria e a claridade. Posso não saber formular, mas creio que há uma estética embutida na teologia deste magno leitor.
Fiquemos no campo da filosofia.
Venho lendo e relendo a Ética, de Spinoza, e confesso que este monumento de reflexão moral não é para meu bico. Aprecio, no entanto, suas considerações acerca dos afetos e das afecções que nos tocam e mobilizam na vida cotidiana, chamando-nos a atenção para a natureza relacional e afetiva de nosso ethos. Também para rastrear certas concepções sobre o poético, uma ou outra passagem do ourives/filósofo tem me ajudado no grande vício da leitura. A Spinoza não interessava somente a virtude, mas também as experiências da estesia.
Kant é outra leitura que me põe os nervos à flor da pele. Quando imagino que o compreendi, aqui e ali, logo percebo, mais à frente, que estava enganado. Sua dialética cognitiva é simplesmente esmagadora na arquitetura dos dispositivos que presidem as três críticas (a pura, a prática e a do juízo), assim como o formalismo de sua deontologia ética, na universalidade do imperativo categórico, ultrapassa os circuitos históricos de minha inteligência. Mas sem Kant, não teria chegado a compreender a gratuidade e o desinteresse da apreciação estética e, sobretudo, a especificidade da poesia.
Não, não sou Tomás de Aquino, repito. Não compreendo tudo que leio. Mas leio, e da leitura colho, não raro, algum ensinamento. Pelo menos a utilidade de um conceito, o valor de um pensamento, a beleza de uma palavra passam a compor a esfera renovável da memória e da sensibilidade. E isto é quase tudo!
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OPINIÃO - 22/11/2024