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A série é de mediana para ruim, mas como entretenimento serve. Nem tanto pelo assunto, mas porque me divirto mudando os diálogos e fazendo troça com as piadas prontas ou ainda identificando os clichês. Ferindo o próprio pacto ficcional, a série é inverossímil internamente, cheia de furos e com os clichês se multiplicando de episódio a episódio – mocinho que apanha muito, mas acaba por vencer; bandido que fala demais, antes de matar o mocinho; murros, chutes, pancadas diversas e tiros de matar godzilla, mas o agredido mostra-se rapidamente lépido e fagueiro.
Não sei o que é mais difícil de suportar, se é uma temporada inteira estender-se no foco de um vilão da pior espécie, sem uma resposta catártica ao espectador, ou se a platitude psicológica dos personagens.
Estou falando de The Walking Dead (EUA, 2010), que já vai para a décima primeira temporada. Baseada em uma série homônima dos quadrinhos de Robert Kirkman, Tony Moore e Charlie Adlard, a série foi adaptada para a televisão por Frank Darabont. Apesar de todas as falhas e furos possíveis e imagináveis, a série nos deixa dois pontos de reflexão. O primeiro deles é que o problema não são os zumbis, que dominam um mundo pós-apocalíptico, mortos-vivos cuja sede de sangue e carne é insaciável. O problema são os seres humanos que, aos poucos, vão deixando cair sua pele de civilizados e se mostram ainda mais irracionais que os zumbis.
No mundo da série, é fácil combater os zumbis. Eles são atraídos pelo cheiro do sangue, podem ser desviados por barulhos orquestrados e basta uma organização, sem pânico e sem muita exposição, para matá-los, perfurando ou esmigalhando seus cérebros. Já o ser humano é incorrigível, na sua ânsia de tirar vantagem da situação pandêmica, aproveitando a oportunidade para oprimir seus semelhantes.
É daí que decorre a segunda lição. Maniqueísta, a série mostra um grupo do bem, liderado pelo ex-xerife Rick Grimes lutando contra as adversidades do momento e contra vários vilões, que vão aparecendo ao longo das temporadas. Nenhum deles se compara ao vilão Negan, que usa da intimidação e alta violência como punição, a que todos devem assistir, para alcançar os seus objetivos: alimentos e submissão das comunidades que ainda persistem, tentando a reconstrução da sociedade.
O grupo liderado por Negan é enorme e mais do que submissão ao chefe, eles se encontram despersonalizados. Diante da doutrina e da conversa sempre cheia de ironia e motejos, mas que nunca hesita na aplicação de corretivos cruéis – esmigalhar a cabeça de alguém com Lucille, um taco de beisebol, enrolado com arame farpado; enforcamento, ferro de engomar quente no rosto de quem se subleva ou execução sumária com um tiro… – os capangas que defendem Negan perderam completamente a sua identidade, denominando-se todos de Negan. “Eu sou Negan” é a resposta padrão, quando um dos bandidos é capturado e é questionado sobre a identidade do chefe.
O interessante é que o grupo de bandidos cínicos e violentos liderados por Negan é chamado de “Salvadores”, sendo ele, claro, o grande salvador, diante de quem todos têm de se ajoelhar.
São estes dois pontos que salvam a série, para quem tiver de aguentar a pachorra inicial de Rick Grimes, a descontextualizada humanidade de Morgan, praticante de aikido e defensor intransigente da vida, e as besteiradas sucessivas de personagens, criando problemas sem necessidade, ao se meterem em situações que até um cego saberia estar fadada ao insucesso: a massa é realmente fácil de modelar, basta que encontre alguém que se autodenomine salvador, que a doutrine, pela violência ou pelo discurso – Negan usa os dois – e ela acreditará estar sendo salva, ao ponto de perder a sua própria identidade, identificando-se com quem lhe faz o mal, dizendo-lhe estar fazendo um bem.
Os zumbis, neste aspecto, por só obedecerem aos instintos e não fazerem diferença entre quem faz o bem e quem faz o mal, são mais espertos do que a massa modelável às necessidades do salvador de plantão ou do próximo que há de vir. Os zumbis, ao menos, têm cérebro ou o que restou dele.
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TURISMO - 19/12/2024