João Pessoa, 27 de outubro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
“O homem com uma dor ∕ se veste mais elegante”, diz Paulo Leminski (foto) , num de seus poemas. Quem gostava muito destes versos era o poeta Lúcio Lins, detentor de uma sabedoria lírica em que intuição e sensibilidade predominavam sobre a força da lógica racional. Por dá cá aquela palha, vivia me repetindo, em voz cadenciada, o som e o sentido deste dístico memorável.
Qual a verdade destes versos? A poesia precisa conter a verdade ou a beleza? A beleza não seria uma forma de verdade? A verdade não seria uma forma de beleza? O que, precisamente, estes versos dizem ou sugerem? A poesia pode dizer precisamente? Por que versos tão claros, tão diretos, tão precisos como estes encerram tanta força e guardam tanto mistério? Como ler estes versos? Como senti-los? Como amá-los?
Quero crer que a dor, a dor de agora e a de depois, também “a dor das coisas que passaram”, para lembrar o poeta maior, é matéria essencial na pauta da vida de qualquer um.
A dor imprime gravidade ao ethos individual e coletivo, e, mais que o remorso, para lembrar um outro poeta maior – o de Itabira de Mato Dentro -, é história, e como história, estratifica-se nos movimentos imponderáveis da máquina do mundo. Que seria de nós, pobres mortais ou tolos imortais, sem a carnadura da dor e suas derivações certeiras e pontuais?
“Quem passou pela vida em brancas nuvens ∕ e em plácido repouso, adormeceu. ∕ Quem não sentiu o frio da desgraça, ∕ quem passou pela vida e não sofreu, ∕ foi espectro de homem, não foi homem; ∕ só passou pela vida, não viveu”, assinala um poeta menor, também, no entanto, atento aos sortilégios da dor.
Vida e dor, dor e vida, faces concretas da mesma moeda!
É preciso, pois, não se iludir com a afirmativa dos versos de Leminski. Penso que eles não querem dizer que o homem sofre e, por isto, procura uma roupa melhor e mais fina, de grife credenciada, talvez para compensar, com o brilho fugaz das aparências, o universo sombrio que carrega na alma.
Não, não é nada disso. Isso é prosa menor!
Entendo, isto, sim, que a dor, quando veste o homem, concede-lhe uma elegância singular. Digo melhor: uma elegância nobre. Por que? Ora, porque a dor é nobre e, paradoxalmente, faz um bem enorme ao homem, pois aprimora o seu caráter, amadurece a sua sensibilidade, alarga a sua visão de mundo e o enraiza nele mesmo, o bicho homem, completo ou incompleto, enfim, tornando-o mais plenamente humano.
No fundo, os versos parecem sugerir que há verdade e beleza na dor, ou quem sabe, uma ética na estética e uma estética na ética.
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OPINIÃO - 22/11/2024