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Anat Cohen e Marcello Gonçalves: encontro do clarinete e do violão 7 cordas

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publicado em 06/11/2021 às 10h58
atualizado em 06/11/2021 às 16h12

Kubitschek Pinheiro MaisPB

A clarinetista israelense Anat Cohen e o violonista de 7 cordas, brasileiro Marcello Gonçalves, (ele do Trio Madeira Brasil) gravaram um disco inspirado na beleza da música brasileira e no espírito de nosso povo. O nome do disco é “Reconvexo”, que tem o selo Anzic Records. As versões em CD e vinil estão à venda em todo país e no site do selo Anzic Records – também está nas plataformas digitais.

Em quarentena no Rio de Janeiro, a dupla fez um trabalho todo dedicado ao cancioneiro da música popular brasileira. “Reconvexo”, a canção de Caetano Veloso, que abre o disco e dá nome ao trabalho dos artistas, é um samba de roda, de harmonia simples e ritmo complexo. Na versão do duo, o contraponto rítmico é ainda mais desafiador, sem um instrumento de percussão, apenas com o casamento do clarinete com o violão 7 cordas.

Marcello Gonçalves sonhava em ver Anat Cohen cantando as canções brasileiras através de seus clarinete e o sonho aconteceu, já que a clarinetista e saxofonista Anat Cohen, que reside em Nova Iorque, está no Brasil desde o início da pandemia.

As nove canções escolhidas para “Reconvexo” vêm de alguns dos maiores compositores do Brasil, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Gilberto Gil, e também de Dorival Caymmi, Antonio Carlos Jobim e Luiz Bonfá. Eles fecham o álbum, “Never Dreamed You’d Leave in Summer”, de Stevie Wonder.

A versão instrumental em duo com a clarinetista e professor Marcello Gonçalves, que também integra o Trio Madeira Brasil, com Zé Paulo Becker e Ronaldo do Bandolim, é um disco que a gente gosta de cara.

Antes, a dupla havia lançado o álbum “Outra Coisa”, em homenagem ao maestro Moacir Santos.

A obra do artista plástico brasileiro Ernesto Neto estampa a capa de “Reconvexo”. Assim como os compositores do álbum, a arte de Neto se aprofunda na cultura brasileira e está conectada ao mundo ao mesmo tempo. É a representação visual que a dupla desejava para o trabalho – que chega cinco anos após o lançamento de “Outra Coisa: The Music of Moacir Santos”, o primeiro do duo, que foi indicado ao Grammy na categoria “Best Latin Jazz Album”, em 2017.

“Reconvexo”, o álbum, é ao mesmo tempo íntimo e virtuoso, triste e esperançoso, cheio de amabilidades, escutando a gente sente que estamos a enxergar a luz no final desse tempo tortuoso.

Os artistas conversaram com o MaisPB e mostraram a expansão desse trabalho, a força que vem da música, o amor que os uniu em clássicos brasileiros.

MaisPB – Por que Reconvexo?

Marcello Gonçalves – Olha, eu sempre gostei muito dessa música. Na verdade esse é um disco de canções, que tem letras. E foi um disco feito nessa quarentena. Esses artistas, que são cantores, intérpretes, nesse período fizeram algumas lives de suas casas, como Caetano, Gil, Milton Nascimento. Cada um desses shows, na emoção daquele momento. me deu vontade de tocar algumas dessas músicas que a gente já conhecia tanto. Quando aprontamos o repertório, eu achei que essa canção do Caetano, deveria abrir nosso disco.

MaisPB – Reconvexo é uma canção que vai além, né?

Marcello Gonçalves – Sim, tem vários assuntos nessa letra e tem uma certa resposta ao jornalista Paulo Francis, a um certo jornalismo, feito por jornalistas brasileiros que falavam mal do Brasil, uma coisa da valorização da cultura brasileira. E ficou legal gravar com a Anat (Cohen), que não é brasileira e veio para cá, completamente apaixonada pela música do Brasil, pela cultura e está dando sua contribuição e acabou virando um tema e o nome do disco

MaisPB – A Anat ficou toda essa temporada da pandemia aqui no Brasil?

Anat Cohen – Sim, eu moro em New York. Há vinte anos venho para o Brasil, porque eu amo esse país, tenho amigos aqui e colegas. Quando vi tudo estava cancelado, não tinha shows, nada. Peguei um voo, acho que foi um dos últimos. Eu não sabia. ninguém sabia que ia demorar tanto Vim para o Brasil e fiquei. A vida parou, mas a vida musical nunca para. Ficamos procurando inspiração e tocar com Marcello é um prazer imenso.

MaisPB – Vocês tocam até Caymmi, Milton Nascimento…

Anat Cohen – Eu vou deixar Marcello falar sobre isso, mas esses caras são geniais. Cada um representa a cultura brasileira. A música e a poesia, o jeito que eles olham o Brasil, a imagem antiga desse país, que nas letras, os compositores procuram a beleza.

Marcello Gonçalves – Imagina, Dorival Caymmi está sempre presente. Essa música existe uma gravação do Caymmi com a Carmen Miranda. É uma canção construída com perguntas e respostas, um canta uma frase e outro responde. Para essa formação de duo assim, quando eu ouvi pensei, esse diálogo posso fazer com a Anat, as perguntas e respostas entre os dois instrumentos.

MaisPB – E assim foi sendo construído o repertório?

Marcello Gonçalves – Sim. Um pouco ao acaso, de ouvir. A música é a melhor companhia. Ouvindo as músicas a gente foi imaginando que daria certo. O pontapé inicial desse projeto foi “Maria, Maria” de Milton Nascimento.

MaisPB – “Maria, Maria” é uma canção pra ser cantada e tocada a vida inteira…

Marcello Gonçalves – Claro que sim. Essa Maria da canção de Milton existiu mesmo, uma mãe que teve filhos, ela lutava muito para cuidar, mas acabou virando um símbolo da força da mulher. No dia 8 de março de 2020, eu vi um clipe dessa música, peguei o violão e foi mais forte ainda. E acabou sendo o primeiro arranjo do disco. E foi nesse período que decretada a quarentena

MaisPB – A nona faixa Never Dreamed You’d Leave in Summer de Stevie Wonder/Syreeta Wright foi uma ideia da Anat?

Anat Cohen – Eu tinha a melodia dessa canção, durante minha vida em momentos diferentes e me encontrei chorando com as canções dele. Na verdade, tem duas coisas sobre essa canção. A primeira vez que fomos visitar o amigo João Mário Linhares, nove meses depois, ele botou o vinil de Stevie Wonder e começou a chorar. Foi muita emoção. Essa música é como uma comida, um cheiro, uma música que prende você e fica marcante. Marcello fez o arranjo e gravamos.

MaisPB – Não podia faltar Gilberto Gil nesse disco e Andar com Fé, já diz tudo, né?

Anat Cohen – Claro, essas duas canções combinam, a de Gil e a de Stevie Wonder. No aniversário do Gil, em 2020, eles fizeram uma vídeo com os artistas parabenizando e cantando essa canção Andar com Fé, foi muita emoção. A última pessoa que apareceu no vídeo foi o Stevie Wonder cantando happy birthday. Daí a gente já pensou em homenagear o Gil nesse disco e resolveu incluir o Stevei Wonder

MaisPB – Marcello, de quem foi a sacada de gravar a canção Correnteza de Jobim?

Marcello Gonçalves –Na verdade eu já tenho tocado essa música há um tempo, solo. Quando fechamos o projeto, pensei, vou testar essa canção com a Anat e ficou essa maravilha. O disco é praticamente inteiro violão de sete cordas e clarinete, mas nessa música ela dobrou, botou um clarone, mais um clarinete. Essa música tem uma leveza, mas ao mesmo tempo tem as gravações do têm Tom arranjos de orquestra, então, ficou interessante com uma sonoridade diferente.

MaisPB – Nesse disco quem sai ganhando é Milton, que aparece em três faixas, inclusive “Paula e Bebeto”, que Gal Costa gravou e também gravou.

Marcello Gonçalves – Essa música é linda, é a história de um casal que se separou. A inspiração da música vem daí, Paula e Bebeto que estavam se separando e Milton nunca imaginou isso. A letra é de Caetano e Milton fez a melodia.

MaisPB – E a inclusão da canção El Diablo Suelto de Hernandez Fernández?

Marcello Gonçalves – Foi de nós dois. Participamos de um festival em homenagem ao Bar Semente aqui na Lapa, e aí nessa época em que a Anat tinha vindo para cá pela primeira vez, estava começando o Bar Semente, mesma época de Hamilton de Holanda, Yamandu vieram morar no Rio e os cariocas que estavam começando a tocar essa música, aí resolvemos incluir.  Além da música brasileira, o Bar Semente tinha também uma noite latina.

MaisPB – O primeiro disco de vocês homenageia o grande Moacir Santos. Vamos falar sobre ele?

Anat Cohen – o álbum “Outra Coisa: The Music of Moacir Santos”, o primeiro do duo, que foi indicado ao Grammy na categoria “Best Latin Jazz Album”, em 2017. Saiu pelo meu selo americano, Anzic Records. Todas as minhas gravações saem por esse selo. É um disco lindo. Moacir é eterno.

MaisPB – Anat tem discos autorais?

Anat Cohen – Tenho vários discos, projetos de duo, de orquestras, com meus irmãos.

MaisPB – Como você aprendeu tão facilmente a falar português?

Anat Cohen – Fácil não é, mas ainda estou aprendendo, Marcello é um ótimo professor. Estou nessa há vinte anos, essa língua é bem difícil.

MaisPB – E o Trio Madeira, como vai Marcello?

Marcello Gonçalves – o Trio está parado nessa pandemia, acabou não se encontrando muito não.

Confira o clipe: