João Pessoa, 23 de novembro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
(Por Givaldo Medeiros e Matheus Medeiros)
A tarde de domingo estava tranquila. Apenas o sol insistia na sua visita à cidade. A pressão arterial foi caindo. Como vinha fazendo há três dias. O ritmo cardíaco mais lento. Sem aparelhos nem UTI. No apartamento do hospital, com os cuidados médicos possíveis. Até que parou de bater. Ele acalmou e dormiu. Severino Mendes de Medeiros, homem do campo, poeta repentista, sertão.
Seu neto Matheus, externando sentimentos que vinham das suas reflexões, na Igreja de São Francisco, da rua Borges Lagoa, em São Paulo; e lembrando a origem do nome Severino, fala que era um homem austero, severo. E explica o porquê. “Como pequeno produtor rural do sertão Paraibano, precisava de uma couraça que o protegesse da severidade do tempo que viveu. Assolado pelo calor que racha a terra e deixa tudo que é vivo seco, precisou se tornar rígido para cuidar de sua família.”
E continua: […] Assim como o mandacaru, Seu Severino era cheio de espinhos por fora, se defendia devido a todo sofrimento vivido ao longo da vida, mas por dentro era cheio de água, cheio de vida e resistência”.
De fato, o foi. Primeiro cuidou do próprio pai, e com ele ficou até seus últimos dias, numa sacada de serra do município de Pombal. Nascido em 1922, viu a seca de 1932, e sobre ela repetia: a maior seca que existiu. Sem dúvida. Quanto desolamento, e ameaça à própria subsistência, não teria assustado a visão de uma criança de 10 anos. Depois, veio a seca de 1958, já cuidando dos seus próprios filhos com a minha mãe. E as outras todas que também vivemos.
Para além de sertanejo e produtor rural, lembra ainda Matheus, “quando jovem, ainda foi vaqueiro, como seus heróis dos versos que cantava. Era um homem forte, um tanto agitado, e cheio de energia. Foi também um herói, personagem que encarnou para superar todas as circunstâncias adversas e viveu incríveis 99 anos.”
Sua maior marca, para mim, é o mundo dos repentistas, da literatura de cordel. Lembro de uma maletinha de madeira cheia de “versos”, como chamávamos aqueles livretos de histórias. O pavão misterioso, o valente Zé Garcia, Lourival. Todos cantados em tom de toada, à noitinha, enquanto os trechos eram repetidos em vários momentos do dia, alternados com repentes que narravam tudo que acontecia naquele universo rural e, depois, urbano. Conheci, de nome, todos os grandes cantadores de quem ele não deixava de falar. A poesia foi sua música, sua dança, sua arte
“Espero que aí no outro plano o senhor tenha encontrado um clima mais ameno, com muita vida e muitas cantorias. Aí não precisa mais ser severo seu Severino, apenas aproveite a paz e a calma da eternidade.” Finaliza seu neto.
Como homenagem mais justa; e, certamente, a que calaria mais profunda em seu coração, que cansou de tantas pelejas, tem que ser na linguagem que falou; e organizado em versos como fazia. Mando aí duas sextilhas, Severino Medeiros, para abrilhantar alguma cantoria ou festival de cantadores repentistas que, porventura, possa haver, “pras” bandas do céu nascente.
Eu pedi a Deus que me ajudasse
A escrever um poema de saudade,
Que falasse de tantas cenas vividas
Desde os pequenos anos de idade,
E trouxesse de volta meu pai de menino.
O que partiu, eu sei: foi Severino.
Que ele encontre o outro Severino,
O seu pai, que era homem de luz,
Também poeta analfabeto,
De alegria e de fé perante a cruz,
Que eu guarde além do nome Medeiros
A saudade dos seus lindos olhos azuis.
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