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ENTREVISTA MAISPB

Ana Canãs lança disco com canções de Belchior e quer vir em JP

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publicado em 11/12/2021 ás 12h57
atualizado em 12/12/2021 ás 07h51

Kubitschek Pinheiro MaisPB

Fotos Marcus Steinmeyer

Ana Cañas é uma artista brasileira. Ela não conheceu Belchior (1946-2017), mas já ouvia na adolescência “Como Nossos Pais”, na voz de Elis Regina (1945-1982). No palco e na estrada, ela voltou a se interessar pelo trabalho do cantor e compositor cearense.

A canção “Alucinação” passou a fazer parte do repertório de seus shows. Mas foi em 2020, em plena pandemia da Covid-19, que a obra de Belchior passou a ocupar boa parte do tempo da cantora e compositora paulistana.

A artista está lançando nas plataformas digitais “Ana Cañas canta Belchior” que sairá em CD e vinil em 2022. O single “Coração selvagem” foi o primeiro a ser lançado, depois ela lançou um EP com quatro faixas: “Alucinação”, “Velha roupa colorida”, “Galos, noites e quintais” e “Na hora do almoço”.

Em julho do ano passado, Ana realizou algumas lives focadas e dedicadas ao repertório de Belchior. O show teve mais de duas horas de duração e gerou pedidos dos fãs para que Ana Cañas registrasse em disco suas versões das músicas daquele rapaz latino-americano, sem parentes importantes e vindo do interior, o Belchior, que se apresentou várias vezes em João Pessoa. E assim nasceu “Ana Cañas canta Belchior”, produzido via financiamento coletivo.

Na ativa bem antes de estrear em disco, Ana Cañas lançou seu primeiro álbum, “Amor e caos”, em 2007. Em 2009, ficou mais conhecida ao gravar com Nando Reis “Pra você guardei o amor”. Depois disso vieram “Hein?” (2010), “Tô na vida” (2015) e “Todxs” (2018). “Ana Cañas canta Belchior” é seu primeiro trabalho como intérprete.

Segundo a artista, a principal característica das músicas de Belchior é a mensagem, e não a melodia. “Ele escolhe privilegiar as ideias, por isso vários versos se transformam em poemas que as pessoas carregam em suas vidas”

Ana Cañas abre o disco com “Coração Selvagem”, e segue cantando “Sujeito de Sorte”, “Fotografia 3×4”, “A Palo Seco”, “Medo de Avião”, “Alucinação”, “Apenas um Rapaz Latino Americano”, “Paralelas”, “Divina Comédia Humana”, “Velha Roupa Colorida”, “Comentário a Respeito de John”, “Na Hora do Almoço”, “Galos, Noites e Quintais” e fecha com o clássico “Como Nossos Pais”.

Ana Canãs conversou com o MaisPB e ampliou a grandeza desse disco, falou da vida, da perda do irmão Leandro com 24 anos e manifestou a vontade de cantar em João Pessoa e conhecer seus fãs. Vamos aguardar.

MaisPB – Como aconteceu cantar os clássicos Belchior? Você já cantava em shows?

Ana Cañas – Durante uns três anos eu cantava Alucinação, em shows. Eu já tinha uma relação com a obra dele, como compositor, pensador, poeta e filósofo, mas isso se aprofundou quando fizemos a live durante a pandemia. Fiz uma pesquisa gigante no YouTube, na discografia e li as biografias. Ai eu fiz a lição de casa.

MaisPB – Este ano entrevistamos Sandra Pêra, ( ex-Frenéticas) que também gravou um disco cantando Belchior, mas ela falou que não teve coragem de gravar “Como Nossos Pais”, por causa da versão de Elis…

Ana Cañas – Eu entendo a Sandra Pêra. Essa canção exige muito e é sempre delicado. Em relação às cantoras que nos precedem, que fizeram interpretações bonitas e muito próprias do cancioneiro Belchior, a Elis, assim como a versão de “Paralelas” da Elba Ramalho, eu gosto muito. Eu olho para elas com muito respeito, reverencio, mas especificamente a canção Como Nossos Pais, que conversa muito com situações pessoais minhas, da minha vida, da minha relação com os meus pais, que foi sempre conturbada. Então, era uma canção que eu poderia regravar, mas de uma outra maneira, apresentando nova leitura, que é uma letra muito profunda, que fala sobre a filosofia da vida, do sentido das coisas. Tem uma coisa metafísica na obra de Belchior. Ele é um diamante que possibilita diversos prismas.

MaisPB – Você conheceu ele?

Ana Cañas – Infelizmente não, gostaria muito de ficar perto dele, ter passado uma madrugada tomando cachaça e conversando sobre as coisas da vida.

MaisPB – Eu sempre achei você uma cantora muito avançada, mas nesse disco você está calma… Senti falta dos seus gritos.,,

Ana Cañas – Que bom, fico feliz em ouvir isso. Na verdade foi uma coisa pensada. Esse canto do Belchior é sempre muito cortante, muito visceral, muito aguerrido. Eu quis apresentar outro lugar, de me reencontrar com meu próprio canto, mas sem deixar de ter a profundidade necessária. Não tem como cantar esse repertório sem sentir, as frases e os versos do compositor. Eu escolhi não gritar, não cantar de outra forma.

MaisPB – Em todas as canções, você colocou a marca de Ana Cañas, né?

Ana Cañas – Quando eu mergulhei nesse universo eu já entendi que não daria para fazer um cover de Belchior e culminou de ser um momento de pandemia, quando esse projeto nasceu. A gente já estava tão machucado, tão difícil e ainda é, muito mais lá atrás. Já estamos vacinados. Esse recolhimento do canto tem a ver até com a do canto pandemia. Talvez se eu tivesse gravado esse disco noutro momento, teria feito de uma forma diferente e ainda temos a negação do próprio Governo, a não valorização da vida. Belchior fala da valorização e dos afetos, o tempo todo. Um jeito que eu encontrei de me encontrar com ele.

MaisPB – Você tem medo de avião, Ana?

Ana Cañas – A canção “Medo de avião” é uma música que tem uma história conturbada. Ela tem duas versões, essa que eu gravei que é conhecida, e tem a versão da melodia de Gilberto Gil. Ele tem uma versão que é Medo de Avião 2, que é uma melodia linda, do começo da carreira.

MaisPB – Na canção “Na Hora do Almoço”, tem uma homenagem a Nossa Senhora Aparecida. Vamos falar sobre isso?

Ana Cañas – Essa é a indicação que já vem na canção. Sim, essa canção nos convida para uma reflexão de que devemos estar atentos ao presente, já que as coisas são muito fugazes, inclusive a vida, “que não chega a morte ou coisa parecida, e nos arrasta moço sem ter visto a vida”. Essa é uma música que eu lembro muito do meu irmão, que morreu cedo, com 24 anos, e foi uma morte muito trágica. Toda vez que eu canto na Hora do Almoço eu lembro dele, meu irmão Leandro, é quase como se tivesse fazendo uma oração para ele.

MaisPB – Como você perdeu seu irmão?

Ana Cañas – Ele morreu afogado no mar.

MaisPB – Belchior é muito especial, não é? As letras parecem literárias?

Ana Cañas – Eu concordo, a relação dele com a música passava muito pela literatura, do que pela melodia e harmonia. Belchior falava cinco idiomas, era um cara muito interessado, ele queria traduzir Dante Alighieri para o português. Eu sou uma cantora que começou cantando jazz e blues, quando fui cantar as canções dele, vi que eu estava diante uma cancioneiro, senti uma energia que nunca tive, as letras dele são fortes, com narrativas surrealistas, às vezes.

MaisPB – Você falou com alguém da família, que ia gravar esse disco?

Ana Cañas – Sim, falei com os filhos Micael e Camila, eles foram super receptivos a essa ideia. Às vezes converso com Vanick que é outra filha dele pelo inbox.

MaisPB – Você pretende trazer esse show para João Pessoa?

Ana Cañas – Olha, nunca fui aí, tenho maior vontade de cantar no Teatro Pedra do Reino, quem sabe irei no ano que vem. E pode ser agora em Janeiro, que vamos fazer Natal, Recife, Maceió e Fortaleza. Quero muito ir aí.

MaisPB – Como foi gravar com Nando Reis?

Ana Cañas – Foi bom demais. Cantamos “Pra Você Guardei o Amor”. Eu gosto muito dele, toca super bem. É um grande artista

MaisPB – O disco está nas plataformas, mas vai sair físico?

Ana Cañas –Vai sair físico e em vinil também, no ano que vem.

MaisPB – E sua banda, ela se sustenta perto de Ana Cañas?

Ana Cañas – São músicos incríveis, super conhecidos, meninos ótimos e amigos queridos.

MaisPB – Eu vi você falando no Domingo Espetacular, sobre a dificuldade enfrentada na pandemia, poderia falar aqui algo mais?

Ana Cañas – Pois é, a verdade é o que temos, a ilusão do amor e a verdade da vida.