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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Não somos todos Narcisos

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publicado em 21/12/2021 ás 07h55
atualizado em 21/12/2021 ás 13h22

Desativamos coisas, desativamos sentimentos.

Não desativamos o sonho, porque não vamos deixar que acabem com nossa pinta, como está na canção “Não vou deixar, do disco novo de Caetano Veloso.

Sonhar de novo até o tempo arrefecer.

Ando pelo meu bairro de bicicleta e não vejo Narciso, só a solidão das casas espelhadas com placas:  aluga-se ou vende-se. Outros sonhos. Narciso não mora mais aqui.

Penso na solidão dos apartamentos, arranhando céus e lembro das varandas.  Um diálogo real não existe, e não existe mais nesse tempo, só filmes e roteiros.

Narciso falava com eco achando que falava consigo mesmo, talvez por isso ele não achasse feio o espelho d´água de Caravaggio. Somos todos Narcisos.

Falo com muita gente que não me conhece, ou ao contrário, mas só tem eu. É minha passagem pelo tempo.

Meditamos.

Madrugada acendo a luz da cozinha num gesto automático que mexe na trilha da memória. Primeiro escorre a água da torneira, lavo os pratos e não me vejo na água que escorre.

Tudo é tão banal. Canibal. Não somos todos Narcisos.

Água quente, água gelada, pedras rolando.

Me sento ao lado da cadela, companhia térmica para esses dias, ela me rodeia e beija minha canela.

Habituado a meus dias de velho, o espelho, dono da imagem, seca-me as lágrimas. Dói a perna, percebo que alongo até o ponto em que não me lembro da dor. Depois passa. Tudo passa.

Às vezes tenho esse sentimento de querer sintetizar. De querer me apressar. Lembrei agora que Hefesto era coxo.

Nós estamos no caminho de volta. Às vezes é como se as terminações nervosas ficassem do lado de fora da pele, quem sente sabe. Ilusão tão boa.

Quero me lembrar dos desejos e não dos objetos. Quero me lembrar do tempo em que não existia memória, só sensações.

Minha alma tenta entender o que as palavras comunicam. As palavras é que não sabem de nada. Somos todos Narcisos, eu você e Leila Diniz.

Retrospectiva

“Bem me quer, mal me quer” (2021)

 

Kapetadas

1 – Não perca seu tempo explicando coisas que as pessoas fingem não saber

2 – Nem Saramago seria capaz de descrever tanta cegueira.

3 – Som na caixa: “E um Saveiro pronto pra partir”, Milton Nascimento e Ronaldo Bastos

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB