João Pessoa, 29 de dezembro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Título é qualquer coisa de fundamental!
Não me refiro a títulos honoríficos, acadêmicos, institucionais, eclesiásticos militares ou de natureza outra que acariciam e cristalizam a vaidade alheia. Refiro-me a títulos de livros, jornais, revistas, filmes, quadros, peças, espetáculos, enfim, de qualquer expressão, artística ou científica, que respeite a inteligência e a sensibilidade do leitor.
Sinal semântico indispensável, porta de entrada, provocação, desafio, chamada, o título, quando bom e criativo, já é meio caminho andado no que concerne ao jogo atrativo da leitura e às expectativas nascentes do receptor.
Seja nominal, verbal, atributivo, adverbial, interjeitivo, conjuntivo, prepositivo, pronominal ou fraseológico, não dá para passar sem título, na convivência mais doméstica com os limites geográficos e simbólicos das obras e monumentos que apreciamos.
Há os títulos absurdos, os escandalosos, os tímidos, os despachados, os inconvenientes, os estúpidos, os escrachados, os poéticos, os enigmáticos, os simplesmente anódinos, na sua fixa e irredutível palidez no meio ou no alto da página, ou os títulos que não dizem nada, e quando dizem, contrariam inesperadamente o teor e o conteúdo da obra a que pertencem.
Não importa. Até mesmo estes cumprem função retórica e radical na orografia espessa das manifestações da fantasia e do pensamento humanos, em sua dispersa e heterogênica alquimia.
Os fraseológicos, principalmente, chamam-me a atenção, e, não raro, mais me agradam. Veja, por exemplo, caro leitor, este, do nosso Políbio Alves: “Os cavaleiros barrocos guardam a cidade”.
Que belo! Que sugestivo! Que misterioso!
Sempre que lembro deste título, e quase sempre deste título me lembro, detenho-me sobre o verbo guardar, com todas as suas possíveis ressonâncias significativas.
O guardar aí me diz do vigiar, do preservar, do observar, do zelar, enfim, do cuidar, cuidar ecológica e filosoficamente, de uma suposta cidade antiga e desurbanizada.
A expressão “cavaleiros barrocos”, por sua vez, parece contemplar a fauna maldita e marginal dos poetas e artistas que transitam pelas “veias e artérias” de uma, quem sabe, Philipeia de Nossa Senhora das Neves fantasmática e imaginária.
Gosto tanto de títulos que escrevi um poema, intitulado “Sumário”, cujos versos nada mais são do que títulos inventados para livros hipotéticos ou reais. Ei-lo:
Do catálogo de lembranças inviáveis.
Da réstia e da luz.
Do arvoredo e seus idiomas malditos.
Do duelo e do beijo.
Há um pingo de sangue em cada estrela.
A vertigem e o desamparo.
A nomenclatura do caos.
Da flora estúpida da noite.
Alguém me espera em Amsterdã. (foto)
Tudo é para sempre.
Escrever é lutar contra a morte.
De quase nada se faz um poema.
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OPINIÃO - 22/11/2024