João Pessoa, 23 de fevereiro de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Detesto certo tipo de gente. Principalmente o tipo “certinho”, refinado, completo, organizado. Aquele que não falha nunca, que não erra, que não tem culpa nem remorso. Aquele tipo, por exemplo, que, satisfeito, sempre enfrenta a vida; que comprou, pagou; que prometeu, cumpriu, e que sempre chega na hora certa ao encontro marcado. Tipo sabe tudo, dono da verdade. Há também os que fazem ginástica e curtem o corpo como se o corpo, o seu corpo, fosse um raro diamante. O tipo narciso por excelência. O mundo está cheio deles!
Existe um tipo especial que, deveras, detesto. O que se diz realizado, bem casado, pai perfeito e marido feliz. A propósito, esta estranha entidade chamada “marido”, feliz ou infeliz, não importa, carece de uma profunda investigação metafísica que lhe distinga a fratura essencial, ou, como diria o professor Wellington Pereira, de saudosa memória, sua “falha ontológica”, perante entidades outras, tais como o enamorado e o amante, ou, quando, em certas circunstâncias, certas mulheres suspiram: “meu homem!”, “meu macho!”.
Não confundir estes tipos simplórios e mesquinhos, verdadeiros sevandijas, com aquele homem “casado, fútil, cotidiano e tributável”, do poema “Lisboa revisitada”, de Fernando Pessoa, pois ele, no seu deslocamento existencial, possui certa rebeldia e alguma dignidade, assumindo, sem temor, a intranquilidade e a angústia de uma consciência honesta. Aliás, um homem de verdade, não um tipinho daqueles, não teme a intranquilidade e tem, na angústia, o sal da vida.
Detesto visceralmente, e mais que qualquer outro, aquele tipo que não consegue viver sem o conforto de um cargo qualquer, sem a comodidade de uma sinecura. O tipo que só se reconhece por trás do birô, como presidente, diretor, conselheiro, secretário e outros assentamentos institucionais que lhes deem a ilusão de alguma solidez e estabilidade sociais. Estes são os Jacobinas da vida, diria Machado de Assis, no seu conto “O espelho”, constituindo imensa matilha nesse modelo social onde o poder não se distribui, apenas se concentra.
Grosso modo, estes tipos são sorridentes, afáveis, pegajosos, aduladores, autênticos “Esteves sem metafísica”, para me referir a um outro poema do bardo português, “Tabacaria”.
Estes e outros, que não me ocorrem à memória, não são apenas detestáveis. São intoleráveis. E sendo intoleráveis, são intolerantes. Por isto mesmo, sugiro que adotemos a lição de Voltaire, exarada nestes termos: “Nunca devemos tolerar, em hipótese alguma, os intolerantes”.
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