Hei de concordar com Jorge Luis Borges, que imaginava o paraíso como uma espécie de biblioteca. No lugar de nuvens brancas, subiriam aos céus estantes altíssimas, abarrotadas de títulos literários. Entre edições raras e best-sellers, eu passaria a eternidade bastante confortável.

Por isso, ao mudar de casa e deixar minha estante para trás, perdi um pouco do paraíso. O escritor angolano José Eduardo Agualusa, no conto Borges no Inferno, imagina o pós-morte de Jorge Luis. E se ele fosse para um lugar repleto de bananeiras, mas sem um só livro? Não haveria potássio, magnésio ou cálcio que revitalizasse seu espírito. Seria um inferno particular.

Mesmo longe dos meus livros, não sou atormentada pelas bananeiras, porque sigo lendo. Amparada pelo Kindle, posso desbravar outros universos literários. O leitor digital é amigo da arquitetura e de quem tem pouco espaço: comporta uma biblioteca digna de Borges em um objeto de pouca espessura. Permite ler obras em idiomas diversos, que geralmente não estão disponíveis em livrarias locais. Ainda assim, parece insuficiente sozinho. Já utilizava o Kindle há alguns anos, mas para livros que não desejava guardar ou cuja edição física estava esgotada.

Lendo Éramos Seis, de Maria José Dupré, no Kindle, fui tomada pelas mesmas emoções que teria se a leitura fosse feita com um livro de papel. A família de dona Lola, a protagonista, é a mesma, bem como a São Paulo do século XX. Entretanto, sinto por não poder folhear a obra e encontrar mais facilmente trechos que me interessaram. Sinto-me mais cansada após pasar um mês lendo apenas no Kindle. Resta aceitar que, assim como há um gênero para cada leitor, há também um formato de livro para cada leitor. Hoje, o formato que me cabe é digital. Ai, que saudade da minha estante.

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