João Pessoa, 26 de abril de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Em conversa descontraída, por ocasião de um lançamento de livro na Livraria do Luiz, o meu amigo Fred Svendsen disse, com a ironia que lhe é peculiar: “Marques, veja só o que inventaram. Além de a gente comprar o livro, ainda querem que a gente leia”. Ri e entendi o que Fred me dizia como aquela pressão do autor para seu livro ser lido. Há quem escreva esperando que o mundo inteiro o leia e o reverencie. Não penso desse jeito. Nem os meus livros para a sala de aula são lidos, como eu poderia esperar, pelos meus alunos ou por outros professores. Isto não me incomoda. Escrever e publicar, para mim, é o suficiente. Se vou ser lido agora ou mais tarde ou nunca, não cabe a mim decidir, nem tampouco me cabe ficar angustiado querendo ser reconhecido.
Adiciono mais uma invenção, meu caro Fred: agora querem impor que escrevamos sobre o livro. Não basta comprar e ler. Conto o fato por causa do recente texto do poeta e jornalista Linaldo Guedes, passando um pito, ainda que com a elegância e a educação, que lhe são próprias, em um novo autor que queria lhe impor uma resenha, com tempo marcado e ainda decidindo onde ela seria publicada. Só faltou determinar o que Linaldo Guedes deveria escrever. Se ele não tivesse imposto um limite, o próximo passo seria este: você vai escrever assim e assado.
Onde estamos? A quem vem a falta de respeito? Por que tamanha insolência? Quem escreve com regularidade sobre literatura sempre passa por isto, enfrentando insistências, com imposição de prazos, inclusive, como se escrever fosse um processo automática e não um hábito criado pela prática da reflexão sobre o lido. Ora, nem o besteirol propalado do Dadaísmo, que entendo como pura provocação, conseguiu escrita automática. Alguns pensam que o ato de escrever é como ligar um eletrodoméstico e colocá-lo para funcionar. Outros pensam que estamos à disposição deles, que não temos mais nada a fazer, esperando apenas que eles nos enviem as suas obras-primas. É hora de dar um basta e fugir à escravização dos que se acham muito merecedores. Basta que estou dando nas redes sociais. Decidi pouco interagir e passar dias sem ler nada do que ali se publica, embora seja assinalado em várias publicações de outras pessoas.
Como professor, recebo muitos livros e compro muitos livros. Minha carga de leitura, ditada pela profissão é grande. Sempre que recebo um livro, ele vai para uma pilha, esperando a sua vez de ser lido, que pode ser nunca, pois tenho muitos outros pela frente, sendo prioritários os inerentes à minha atividade de professor. E não significa que lendo o livro, eu escreva sobre ele. Adotei a prática saudável de só escrever sobre o que me interessa ou o que me agrada. Assim como o poeta Linaldo Guedes, não escrevo sob encomenda, nem escrevo cerceado por prazos, a não ser que seja alguma obrigação da minha profissão de professor, que sempre coloco em primeiro lugar. Por outro lado, não sou escritor, sou professor. Vivo disso, não de escrever. Escrever, para mim, é uma consequência da minha vida de 45 anos como professor.
Finalizando, há livros que nos chamam e nos impõem a sua leitura, leituras seguidas e prazerosas, de modo que quanto mais lemos mais queremos lê-los. E às leituras sempre se segue o prazer da escritura. Estou numa fase de redescobrir os grandes livros, que nos provocam. Os novos autores que me perdoem. Eles terão muito tempo pela frente, eu nem tanto. Por isto mesmo, aprendi, sobretudo nesta pandemia, a dizer não, motivado pelas obrigações que tenho e pelo pleno direito de ler e escrever sobre o que me dá prazer. Com o pouco tempo de que disponho, dou-me o direito da escolha.
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