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Novas edições de Carlos Drummond de Andrade são lançadas pela Editora Record

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publicado em 06/08/2022 ás 12h01
atualizado em 06/08/2022 ás 19h05

Kubitschek Pinheiro – MaisPB

Com um projeto gráfico arrojado e renovado, a Editora Record está lançando a obra do maior poeta brasileiro do século XX, Carlos Drummond de Andrade, que completaria 120 anos neste 2022.

O trabalho de definição do texto foi feito por dois grandes conhecedores da obra de Drummond, Edmílson Caminha e Alexei Bueno. Os quatro primeiros lançamentos são: “Alguma Poesia”, “Sentimento do Mundo”, “Claro Enigma” e “Antologia Poética” já foram lançados, com cronologia, índices de primeiros versos e bibliografias.

O objetivo principal é aproximar Drummond de novas gerações de leitores, cujos livros trazem posfácios do escritor Mia Couto que assina Claro Enigma; a cantora Zélia Duncan, a Antologia Poética; o ativista e escritor Ailton Krenak, Sentimento do mundo; e o estilista Ronaldo Fraga, “Alguma Poesia”.

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As edições trazem conteúdos a mais: um índice de primeiros versos, bibliografias sobre Carlos Drummond de Andrade e uma cronologia que abarca os três anos imediatamente anteriores e posteriores à primeira publicação de cada um dos livros, pequena amostra dos contextos político, social e cultural em que foram lançados.

“As novas edições de Drummond têm um simbolismo especial para a Record. Juntos estaremos comemorando 200 anos neste 2022, 120 anos de nascimento do nosso poeta somados aos 80 anos de fundação da Editora. Drummond faz parte de nossa história, desde seus primeiros livros na José Olympio até a vinda de sua obra na década de 80 para a Record, são quase 70 anos de ligação e amizade atravessando gerações”, lembra a presidente do Grupo Editorial Record, Sonia Jardim.

A previsão é que a Record e a José Olympio lançarão as 63 obras de Drummond ao longo dos próximos anos. A José Olympio ficará responsável por edições especiais que vão resgatar projetos que marcaram época. Os títulos e a ordem de suas publicações são definidos pelo Conselho Editorial CDA, formado por representantes da editora, da família do poeta e por especialistas em sua obra.

O novo projeto gráfico é assinado pelo premiado designer Leonardo Iaccarino, que idealizou uma identidade polivalente e capaz de manter uma unidade num universo de ao menos 63 livros.

Outra novidade é que a Editora Record lançou novas edições de coletâneas de Drummond para crianças: “A Cor de Cada u” e “Criança Dagora É Fogo” têm ilustrações inéditas de Mayara Lista.

Carlos Drummond de Andrade estreou em 1930, com “Alguma Poesia”, um clássico da literatura brasileira. O poeta morreu no Rio de Janeiro em 1987, aos 84 anos.

Em entrevista ao MaisPB, Edmílson Caminha e Rodrigo Lacerda, editor-executivo da Record, contam mais da importância desses livros chegarem às mãos dos leitores brasileiros, os que já conhecem a obra de Drummond e os que estão chegando perto.

MaisPB – Que beleza esses livros relançados pela Record, chegando a antigos e novos leitores, não é?

Edmílson Caminha – Sim. Os livros de Carlos Drummond de Andrade, que começam a voltar às livrarias com o selo da Editora Record, são mais do que apenas republicações: são edições realmente novas, a partir do projeto gráfico, das capas, dos escritores e artistas convidados para escrever os posfácios, do código QR, na contracapa, que permite o acesso a textos, documentos e imagens de Drummond disponíveis no mundo virtual da internet. A intenção é chegar não só ao público “drummondiano”, que já conhece a obra do autor, mas sobretudo aos leitores jovens, tão carentes de boa literatura, para que descubram um dos mais importantes escritores da língua portuguesa, em todos os tempos. Tudo com o padrão de qualidade do Grupo Record, que o levou a formar um Conselho Editorial, do qual tenho a honra de fazer parte, para proceder, entre outras coisas, a uma cuidadosa revisão dos textos, tarefa a que me dedico juntamente com o poeta e crítico literário Alexei Bueno.

Encontro com o Autor, entrevistado: Edmílson Caminha

MaisPB – Os livros fininhos têm posfácio de Ronaldo Fraga, Mia Couto e Ailton Krenak. Foi sugestão sua?

Edmílson Caminha – Não. Os posfaciadores são escolhidos e convidados pelo Conselho Editorial, independentemente do número de páginas dos livros. A intenção é que deem um depoimento pessoal sobre a obra, sobretudo para os jovens leitores, sensíveis à espontaneidade e à leveza do que digam.

MaisPB – O posfácio da nova edição da Antologia Poética quem escreve é a cantora Zélia Duncan, que diz que a poesia não se repete, ela se reencarna. Você concorda?

Edmílson Caminha – Concordo plenamente. Temas como o amor, o desejo, o sofrimento, a morte, a esperança percorrem a história da poesia mundial desde os gregos, sem que se repitam, pois cada poeta os sente de maneira única. A ideia do poema “A máquina do mundo”, de Drummond, já se encontra em Os Lusíadas, de Camões, e nem por isso pode-se acusar o brasileiro de repetir, de copiar o português: são duas sensibilidades, duas criações poéticas, duas visões de mundo.

MaisPB – Há quanto tempo você estuda a obra do poeta mineiro?

Edmílson Caminha – Há quase 50 anos, desde que me tornei professor de literatura em Fortaleza, onde nasci. Tive a honra de conhecer e, como jornalista, o privilégio de entrevistar Drummond. Minha mulher Ana Maria e eu tornamo-nos amigos dele e da esposa, Dona Dolores, relação de afeto que se estendeu à filha Maria Julieta, ao intelectual argentino Manuel Graña Etcheverry, com que foi casada, e aos filhos Carlos Manuel, Luis Mauricio e Pedro Augusto Graña Drummond.

MaisPB – Na contra capa da Antologia aparece o poema “Canção Amiga”, que Milton Nascimento musicou. Há também outro poema de Drummond musicado, “José”, por Paulo Diniz. Na canção “Flor da Idade”, Chico Buarque altera os versos de Quadrilha. Muitos outros belos poemas poderiam ganhar melodia, não é?

Edmílson Caminha — Sim, sem dúvida. Se bem que nem todo bom poema se transforma em boa letra, pela necessidade de que verso e melodia se casem de maneira harmônica, agradável ao ouvido. O ideal é que poeta e musicista se encontrem na mesma pessoa, como foi o caso de Vinicius de Moraes, grande amigo de Drummond.

MaisPB – Sem pensar muito, quais os poemas da sua predileção?

Edmílson Caminha — “Sentimento do mundo”, “Lutar com palavras”, “A máquina do mundo”, “A mesa”… A legenda do meu WhatsApp é “tenho apenas duas mãos / e o sentimento do mundo”.

Rodrigo Lacerda

MaisPB – Com tantos lançamentos da Record e do Grupo, não tem como a gente pensar que o tempo livresco passou, não é?

Rodrigo Lacerda – Claro que não passou, nem passará! Novas expressões da arte não fazem desaparecer outras: o cinema não matou o teatro, a televisão não matou o rádio, o e-book não matará o livro impresso. Há lugar para todos, debaixo do sol… Já li romances no Kindle, mas confesso preferi-los no papel: gosto de virar as folhas, de sentir o cheiro da tinta, a textura da capa… São prazeres táteis, como os que trocam pessoas que se desejam, que se querem. Por maior que venha a ser o avanço da ciência, nada será melhor do que o amor que fazemos desde o tempo de Adão e Eva…

MaisPB – 60 anos da antologia poética de Drummond – a Record relança com outros livros do poeta mineiro. São livros para o público que conhece a obra e para quê novas gerações conheçam a obra do escritor?

Rodrigo Lacerda – Claro que não queremos perder o público que já conhece a obra de Drummond, e mesmo que já tenha outras edições destes primeiros quatro livros lançados – “Alguma poesia”, “Sentimento do mundo”, “Claro enigma” e “Antologia poética” -, daí termos feito uma nova e definitiva fixação de texto, incluído materiais originais, como posfácios, bibliografias e cronologia. Mas em última instância o grande desafio é mesmo conquistar novos públicos para Drummond e para a poesia brasileira. Drummond é um poeta cuja obra apresenta muitas vertentes, e portanto pode agradar aos públicos mais diversos, e esse potencial merece ser explorado.

MaisPB – Os dois livros com temas infantis são bem oportunos. São obras que não ficaram na memória do leitor?

Rodrigo Lacerda – A cor de cada um” e “Criança Dagora é fogo” são compilações de crônicas, poemas e contos, muitas vezes com temas atualíssimos, que vão desde questões políticas a questões de comportamento. Então, quem já leu no passado certamente se lembrará desses textos. Mas os novos leitores poderão lê-los com sabor de novidade, porque parece que foram escritos ontem.

MaisPB – Sabemos que temos grandes poetas, como Augusto dos Anjos, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira, mas a sensação é que Drummond é o maior poeta brasileiro?

Rodrigo Lacerda – Essas hierarquias são sempre duvidosas e subjetivas, pois todos são poetas extraordinários. Mas talvez essas várias vertentes da obra de Drummond que mencionei dêem à sua obra um caráter mais abrangente, mais alargado, que possivelmente pode dar esta sensação, sim. Mas o bom mesmo é ler todos e ter um Drummond alguém que dilata a nossa sensibilidade para vários tipos de prosa e de poesia.

MaisPB – Ainda vamos ter outras publicações da obra de Drummond?

Rodrigo Lacerda – Sim, ao longo dos próximos anos iremos lançar outros 63 livros de Drummond, entre clássicos, antologias e inéditos. Em outubro deste ano, quando serão comemorados os 120 anos de nascimento do poeta, lançaremos mais quatro: “Quando é dia de futebol”, uma antologia com textos e poemas sobre as Copas do Mundo ocorridas durante a vida do poeta; “A rosa do povo”, um clássico da poesia mais política de Drummond, publicado no ano em que terminaram a II Guerra Mundial e a ditadura do Estado Novo; “As impurezas do branco”, um livros de 1973, com temas e formas poéticas típicos do período; e “O gato solteiro e outros bichos”, uma antologia inédita de textos e poemas de Drummond sobre animais e meio-ambiente, voltado ao público juvenil.

MaisPB – Esses livros foram lançados na Bienal, teve repercussão?

Rodrigo Lacerda – A Bienal foi um tremendo sucesso, e ficamos muito felizes com a resposta que os livros tiveram até agora. Mas o projeto das novas edições da obra de Drummond é de longo prazo. Nosso intuito é estabelecer com os titulares da obra uma parceria estável, que se prolongue e frutifique por muitos anos.

MaisPB – Está bem enganado quem pensa que o tempo livresco passou, nada melhor do que se deitar na rede ( aqui no Nordeste) e ler Drummond pegando no livro, não é?

Rodrigo Lacerda – Eu concordo! A leitura é um momento de pausa e de introspecção que eu acho precioso. quem não conhece ainda este prazer precisa conhecê-lo rapidamente, pois a vida é curta e os livros são muitos!