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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Irene jogou chuva nos meus olhos

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publicado em 24/09/2022 às 08h53
atualizado em 24/09/2022 às 06h05

Na quinta-feira de noite, o telefone tocou: era a poetisa Irene Dias, tantos dias da minha vida com Irene, desde seus poemas eróticos, até seus romances e gargalhadas sem fim.

Irene vinha nos visitar sempre e ficávamos embriagados de alegria, eu, ela, Francis e Lua Almeida. Tenho muita saudade de Lua. Irene falava coisas encantadoras e Lua, da arte por toda parte e eu ficava a escutar. Depois jantávamos na nossa casa, uma espécie de hospedaria que virou uma varanda, noite e dia evocada sempre de festas e conhecimentos.

Sem contrariar um itinerário pessoal, feito de cenas amorosas, sobretudo apaixonadas, chorei falando com Irene, ela com a voz fraquinha, dizendo que queria ir para a minha festa e foi – lá Oceana Atlantico Hotel,  beira mar do Bessa.

Irene é  como aquela moça do brinco de pérola do artista do neerlandês Vermeer de 1665, nas expressões e, na forma como conduz o diálogo. Lembro que contei a ela, umas coisas minhas. ”Que gesto de grandeza”, disse Irene. Mas não posso revelar aqui – coisas outras.

Por necessidade de sobrevivência, eu trabalho muito e, no entanto, alguns me chamam de doutor, mestre, irmão, campeõa, nunca de escritor, que eu não sou. Escritora é Irene.

Tenho qualidades. Tão poucas.

Logo fiquei pensando no tempo de antes de eu nascer. Não sei por que isso acontece comigo, Mário de Andrade?  Andei pensando no que meu pai dizia “tudo passa, meu filho”, – as pancadas e os afetos”. Já não sei mais, pai!

Até há bem pouco tempo ainda sonhava com meu pai. Só lembro dele como o melhor amigo. O pretexto do assentado romance entre minha mãe e ele não me traz recordações afetuosas. Minha mãe nunca me beijou. Eu tive outras mães.

A vida é breve, o sonho perdura.

 

Seguramente, mais do que quaisquer outras palavras, sonhar ainda faz sentido. Estou velho e já não sou de reclamar.

 

Lembrar de Irene Dias, da  necessidade de explorar essa cena e as vontades desse impressionante momento, com a certeza que sempre fomos amigos,  esse amor continuará desafiando cumprimentos, anunciados no olhar.

Depois de perder-se na improvável geografia do Cabo Branco, moramos na mesma rua e nunca mais havia nos encontrado, voltarmos a esse esse território ilusionista à semelhança de Macondo, de García Márquez, ou da Comala, de Rulfo – tipo “entre-lugar”, andamento, precisão rigososa de um delirio meu.

Eu aprecio línguas mais chegadas à beleza, ao espanto original de estar vivo. Parabéns Irene, por me telefonar, por me amar, por ido à festa do meu aniversário.

Kapetadas

1 – Tinha uma Idade da Pedra no meio do caminho.

2 – Mas meu pai estava errado, nem tudo passa.

3 – Som na caixa: “Quero ver Irene dar sua risada”, CV

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB