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Ana Karla Lucena  é bacharela em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Servidora Pública no Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba. Mãe. Mulher. Observadora da vida.

Meu querido diário

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publicado em 26/09/2022 às 07h00
atualizado em 25/09/2022 às 14h22

Dizem por aí que não devemos falar muito sobre nós mesmos. Não nos expor. Não falar sobre situações pelas quais passamos. Não sei bem o motivo. Acho que já ouvi que é para não atrair olhares invejosos, energias negativas de pessoas que não querem te ver bem. Enfim… não falar sobre conquistas, sobre penúrias, sobre amores. Particularmente, não entendo muito, já que as mídias expõem tanto ou mais do que deveriam. Mas, se eu não puder falar sobre mim mesma, sobre quem ou o quê, então, falarei? Ora, sou minha maior fonte de inspiração, seja ela boa ou má. Minha vida me atraiu para as palavras. Meus sentimentos, minhas contemplações, minhas percepções, minhas ações e decepções.

Início da pandemia da COVID-19. Março de 2020. Minha terapeuta “deu um tempo”, talvez precisando de terapia, como a maioria de nós. Me vi sozinha. Calada, vazia e ao mesmo tempo cheia de tanta coisa para ser dita. Alguns quiseram me ouvir, mas o que eu não suportava era ouvir as mesmas soluções, as mesmas receitas, as mesmas ladainhas de tantos, tão ou mais doentes emocionalmente do que eu. Mas eu precisava falar.

Recorri então a algo que tinha ficado no meu passado. Na minha adolescência, quando ganhei da minha mãe meu primeiro diário. Capa cor de rosa, decorada com flores e um cadeado dourado, acompanhado de uma pequena chave para guardar o que eu diria somente àquele pequeno caderno. Assim comecei. E agora, escrevendo este texto, acreditem ou não, lembro da primeira frase que escrevi. Não foi “meu querido diário”, afinal, a situação já era clichê demais para o meu gosto, um tanto quanto já subversivo para uma adolescente. Comecei com “estou aqui”. Como se dizendo: pode me ver, sou assim, estou assim, penso assim, me sinto assim.

Recorri às palavras. Escrevia e guardava. Soltava as palavras em uma caixa onde ninguém as encontraria e, assim, evitaria as tão indesejadas opiniões não pedidas. Até que a caixa ficou pequena e elas foram caindo pelo chão. Uma a uma. Alguns recolheram, e leram, e gostaram, e se identificaram. Aquela mesma pessoa que me deu meu primeiro diário disse: escreva, é muito bom te ouvir! E eu vi almas como a minha se abrindo. Entendendo que não precisavam sentir sozinhas. Que podiam expor mais que suas vidas sociais. Podiam expor seus prazeres, seus lamentos, seus amores, suas culpas.

Então, em nome de todas essas pessoas e, principalmente, daquela que me disse pela primeira vez: “escreva!”, estou aqui. Sem culpa, sem pudor, agora já sem me importar se concordam ou não, se comentam ou não. Apenas escrevo. Solto minha alma e ela retorna cheia de outras experiências. Então, sim, falo sobre mim, canto sobre mim, penso sobre mim. Joguei fora a caixinha de palavras. Agora estão soltas pelo chão, pelas ruas, pelas mãos, pelos corações afora. Escrevo.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB