João Pessoa, 06 de janeiro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Minha mãe era de lá. Sítio Casas velhas, do município de São João do Rio do Peixe (foto) (Que nome lindo!) depois, por desmembramento, ficou com Poço José de Moura.
Viúva com dois filhos, arrumaram, como era do costume, um noivo, um rapaz velho de 49 anos. Pedro Leite, morador do Sítio Saco Senhorinha, hoje pertencente à Joca Claudino (Outrora Santarém), mas que já pertencera à vila Belém do Arrojado, Canaã, Vila de Belém, por fim, Uiraúna, que já pertencera também a São João do Rio do Peixe. Uma necessidade de mudar os nomes dos lugares, sei lá por quais razões…
Com meu pai, Dona Neném teve sete filhos, mas pelas agruras daqueles tempos, morreram quatro, ainda novinhos. A lógica assassina dos anos sessenta no alto sertão da Paraíba era essa: nascer e morrer, sem crescer. Eu sou um dos três sobreviventes, o mais novo deles.
De Casas Velhas as minhas lembranças são muito doces. Remontam à minha primeira infância. Mãe era de uma família grande e sempre era convidada para as festas de casamento da parentada.
Puxando pela memória, o que me acorre como primeva lembrança foi a festa de casamento de Cezinha de Tio Cirilo ( ou foi de Biu). Deixamos nossa casa de madrugada. Eu era muito pequeno e morria de medo de cair da garupa do cavalo. Os adultos e as meninas, por serem maiores, iam a pé.
Do caminho, afora as ramagens coloridas do inverno, o cheiro das flores de pau d’arco e mussambê e o coaxar dos sapos nos barreiros d’agua barrenta, o que me causou mais impacto foi cruzar o leito do Rio do peixe, uma banca de areia alva, branca de doer nos olhos, larga, tão diferente da magreza do Riacho Pé de serra que ficava aos pés das sapatas da minha casa.
Chegamos nas Casas velhas por volta das dez horas. O Sol era pura preguiça, sequer bocejava. Nos hospedamos na casa de tio Cirilo, o pai da noiva. Tudo ali era novidade e eu estava completamente embriagado pelo que via.
Casas velhas sempre foi um povoado singular. Suas casas, sempre foram muito limpas; sua gente sempre acolhedora; as mulheres, quase todas muito falantes, homens trabalhadores, suas festas, as maiores; o chouriço inigualável de Tia Honorina; o capote torrado de Maria de tio Joãozinho; a rede que armaram para eu dormir era tão branca e limpa que eu tive medo de dormir nela; os passeios inigualáveis pelas casas dos parentes; o riso farto de madrinha Loura e de madrinha Ivanete, o banho frio na cacimba debaixo de um pequizeiro; os almoços com galinha caipira e muitos ovos estrelados. E arroz! Uma festança para quem só comia esse cereal na semana santa. A felicidade era isso: farta, esplêndida!
A outra lembrança data dos meus quinze anos. Sítio Saco versus Casas Velhas. Um campo grandão, traves aparadas, torneadas, nem pareciam com os terreiros íngremes, os palcos dos meus jogos cotidianos. Jogo suado, eu era arisco como uma piaba e todos queriam me pescar. Colocaram um primo (Acho que Maurílio de Liou) para me marcar. Ele era duas vezes maior e mais forte do que eu. “Um a zero” para Casas velhas. O tempo corria mais veloz do que a piaba, mas todas as reticências do jogo estavam assanhadas naquele dia.
E assim se fez. Em um bate rebate-rebate no meio do campo a bola espirrou e colou no meu pé direito. Maurílio avançou, mas a piaba pulou por debaixo das pernas do gigante; um corró dos menorzinhos rosnou, mas a piaba fingiu que ia, mas não foi; um cascudo do lombo grosso gritou “Derruba ele”, mas já era tarde. O vento era redemoinho e vontade a um só tempo.
A bola era pesada e a piaba era magrinha, ainda assim o chute rasteiro ziguezagueou e se desviou de todo mundo, entrando, imprensado, entre a necessidade da suprema alegria e a justiça do resultado. Nem Pelé fez um gol desses. Eu juro!
@Professorchicoleite
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- 12/11/2024