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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

A morte de Geraldim

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publicado em 16/07/2023 ás 08h59
Senti-me puxado para escrever sobre Geraldim, tantos anos depois, eu, uma simples consoante a época, com as imagens dentro de mim, 50 anos depois ou mais. Tais lembraças geram em si sensações estranhas.
Geraldim era um primo do coração, que foi adotado por Tia Jael (irmã de meu pai) e seu marido, o prefeito de Jatobá, Malaquias Barbosa. Dizem que Geraldim era doidinho…
Imagens batucam envelhecidas de uma tragédia que provoca em mim, outra sensação – de miséria, indiferença, abandono e, claro, a força do poder, que ainda exercem tais pessoas sobre as outras, como se a fome dos poderosos crescesse dos poros, porões e nunca saciasse.
Se não me falha a memória, a morte de Geraldim aconteceu exatamente naquele meio dia quente, no Bar de Mocinha, (centro de Jatobá) acho que era uma segunda-feira, quando ele pegou uma faca de mesa e furou o bucho do doutor Osório. A facada logo se espalhou do centro ao Bairro Rabo da Gata, onde nasceu o jornalista Edson Verber.
Geraldim logo foi preso e condenado à revelia – e o médico Osório foi para o Hospital de Cajazeiras, teve alta, e voltou a vida normal.
Geraldim não teria noção do que fez e do que iria passar. Não teve tempo de fugir, ele jamais fugiria. Nesse tempo, meu tio Malaquias, o então prefeito, não existia mais, ou seja, quem morre, é quem se acaba.
Eu sentia por Geraldim (eu era menino) seu desejo de esperança, de liberdade, mesmo que toda esperança tardia me fizesse chorar, como choro até hoje quando vejo injustiças.
Naquelas ruas amplas e cheias de paralelepípedos, permiti-me viver até a adolescência, depois, dei no pé. Ainda assim, com saudades dos meus e do belo Jatobá Clube, uma vivência marcante. Quando havia festa, o conjunto começava a tocar, o doutor Osório e sua mulher dançavam e brilhavam na sociedade local. O sertão é o pedaço mais hospitaleiro do mundo.
A vida pacata precisava continuar, mesmo que fosse uma prisão. Uma prisão de onde Geraldim não lutaria para sair, se quer para se sentir mais preso a seguir, era essa a sensação que eu tinha quando pensava em Geraldim nos pavilhões podres e assustadores da Colônia Juliana Moreira.
O médico Osório era amigo de Antenor Tofollis. casado com minha prima Cadorinha (filha de Tia Jael e tio Malaquias), que ordenou que levassem Geraldim para a escuridão da colônia penal.
Geraldim era singelo, se era “doidim”, eu também sou, Zé Lins do Rego também era, a puta Naninha, Tigido e dona Severina, esta, falava coisas do outro mundo. Dela sim, eu tinha medo.
Lembro que naquela noite “faltou luz” e o comerciante Titico acendeu o lampião, o maior do mundo, que iluminava o centro de Jatobá. A luz difusa escondeu a retirada de Geraldim do cenário.
Eu perguntava a meu pai: quando Geraldim vai chegar? Ele dizia palavras engolidas com uma dor maior que a minha.
Depois das refeições, meu pai dava voltas no quarteirão. Ele dizia que era para fazer a digestão. Um dia, o segui para ver se ele ia a casa de alguma amante, mas não, era a mesma caminhada que faço hoje no mar do Cabo Branco.
Meu pai não  queria falar comigo do “Caso Geraldim” até o dia em que finalmente entendeu, que o que ele tinha para me dizer, já não fazia sentido.
Geraldim nunca mais.
Kapetadas
1 –É isso, agora, a escuridão envolve a todos, uma redundância ao redor das pessoas obscuras.
2 – Pois bem, enquanto os dentes da motosserra mastigam as árvores, a gente palita a boca nas refeições.

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