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Jornalista, cronista, diácono na Arquidiocese da Paraíba, integra o IHGP, a Academia Cabedelense de Letras e Artes Litorânea, API e União Brasileira de Escritores-Paraíba, tem vários publicados.

A mística dos   antigos templos    

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publicado em 16/08/2023 às 07h00
atualizado em 15/08/2023 às 15h09

         Entro na Igreja da Misericórdia como quem busca o recolhimento em um templo antigo para a renovação da alma que busca arrependimento e perdão.  

         Os velhos templos religiosos, mais do que os de edificação recente, que são amparados na visão da modernidade, recolhem a mística da igreja reunida para a vivência da fé.  

         A Misericórdia é uma das quatro igrejas mais antigas da Paraíba. Construída em pedra calcárea esculpida pela mão dos tabajaras e potiguaras, sob a inspiração de jesuítas que trouxeram a visão da fé para o mundo novo que se descortinava, ajuda a observar o Deus invisível, que se revela na alma e transforma a rudeza do homem e da mulher.  

         Desde antes, como hoje, a presença do Divino no mundo povoado de gestos que transformam pessoas em fera, como canta o poeta, fera cada vez mais violenta em atitudes, chega como sinal fundamental de transformação dos corações. Então a pessoa, mesmo entupida pelas vozes agourentas e carnívoras circulantes ao redor, modelada pela brutalidade de bichos-do-mato, quando chega a um templo religioso, ainda mais nos antigos, pode ser transformada pela paisagem do seu ambiente.  

         Eu sinto essa transformação interior quando entrou em uma igreja, sobretudo nas mais antigas, de grossas paredes esculpidas por mãos puras, como são as que foram erguidas pelos nossos irmãos indígenas e caboclos.  

         Se Jesus falou de que o templo invisível de nossa alma seria edificado em três dias, antecipando a sua ressureição após a crucificação no madeiro, com o passar dos tempos a Igreja, iluminada pela força do Espírito Santo, percebeu que a imponência do visível aos olhos muito ajudaria na construção do templo da alma.  

         Suponho que na antiguidade a construção de belas igrejas teve como intuito se tornar o lugar onde o povo pudesse se reunir para renovação espiritual de forma coletiva e, assim, aprender a conviver em sociedade baseada na caridade.  

         Quando flutuamos pelas veredas da vida, semelhantes a barcos que flutuam em águas agitadas por ventos incertos, nas catedrais antigas encontramos ancoradouro para reflexão.  

         Nas pedras calcáreas da Misericórdia está a presença do homem criado a semelhança de Deus. Lugar para onde convergem todos os necessitados, os que buscam um recanto para seu recolhimento, quando outras portas se fecham. Neste lugar santo se acalmam todas tempestades da alma. O Deus invisível apazigua as tormentas.  

Os conjuntos arquitetônicos, sobretudo os mais antigos, comovem com seus esplendores, e silenciosos, nos falam de Deus.  

Se foram construídos para ostentar o poder econômico-social, transformaram-se em lugares reservados para acolhida dos cansados e angustiados.  É quando o belo da Arte se manifesta como alimento espiritual.  

         Imagino quanto fervor sente o homem ou a mulher ao contemplar as abadias medievais e os mosteiros antigos onde há uma relação próxima destes lugares com Deus, terra e céu se unindo no mesmo olhar. Ambiente de silêncio, onde se busca e se encontra a unidade na oração.  

         Estas Igrejas cristãs primitivas, bizantinas e medievais, foram construídas como verdadeiras obras de Arte, de doutrinação dos fiéis.  

         Como não sou de muitas andanças, ao contrário do poeta Germano Romero que percorreu os mais destacados lugares do Velho Mundo para captar suas belezas e sua energia, caminho pelos arredores da paisagem que os europeus trouxeram há quinhentos anos, observo com irrevelável sentimento os conjuntos arquitetônicos São Francisco, São Bento e Igreja do Carmo, mas é na Misericórdia, a igreja mais humanizada da Paraíba, onde permaneço calado durante horas. Lugar de acolhimento dos degredados, dos esquecidos e dos esfomeados que a cidade abandonou, onde todos se aquecem na chama invisível que nunca se apaga.  

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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