João Pessoa, 20 de setembro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Quando perguntaram a José Lins do Rego qual o alimento de seus romances, na época no auge do sucesso, com seus livros tendo seguidas edições, o autor de Banguê apontou muitos caminhos para atender a curiosidade do repórter. Ressaltou que nutria sua vocação de romancista como quem ouvia dos cantadores de feira da Paraíba e Pernambuco, por onde costumava andar. Pois sabia que estes tinham muito o que dizer.
Mesmo que os cegos tenham desaparecido das feiras com suas rabecas, ou cantadores em prolongados desafios e galopes martelados durante intermináveis noitadas, a literatura brasileira do Nordeste continua sendo alimentada por anônimos elementos que passeiam pelas feiras e calçadas das fazendas, ainda que modificadas em seus gestos e costumes.
José Lins sempre voltava ao Nordeste como temas de seus livros. Esta região alimentou toda a sua literatura. A cana, a garapa e os banguês deram sumo ao que escreveu em quase três décadas de produção literária. Parece-me que ele queria mostrar que arte não tem tema esgotado, o que há são escritores esgotados.
No livro Poesia e vida, José Lins comenta que tinha conversado com o poeta Manoel Bandeira sobre seu projeto de escrever Fogo Morto, livro que viria ser sua obra-prima, que teria escrito em três meses, o poeta pernambucano, com seu jeito bonachão, afirmou, depois de uma gargalhada: “Você não deve sair do Nordeste. Você é motor que só funciona bem queimando bagaço de cana”.
Certa vez ele escreveu que “não há método para fazer-se romance, como não existiu método para a criação do mundo”, assim como Tolstoi não teve para compor Guerra e Paz porque, ambos, trabalharam como “agentes fecundadores, pela força do grande instinto criador”.
Realmente, é da paisagem dos engenhos, mesmo estando estes de fogo morto, nosso conterrâneo de Pilar produziu os mais humanos romances da literatura brasileira. Na minha opinião de leitor, ele será ainda mais reconhecido no próximo século como grande romancista porque suas histórias são profundamente humanas.
Como confessaria sem muito arrodeio, Fogo Morto foi escrito de um ímpeto, com os personagens dominando seu espírito, a história sendo colocada no papel com sofreguidão, com a alma e corpo entregues a tudo que saia da terra para ganhar forma. Tudo estava sobrepujado na sua memória de menino criado na bagaceira, vendo e ouvindo as mais estranhas histórias do povo residente nos engenhos com o qual que repartia o mesmo amor à terra, por isso de sua enxó saiu Vitorino Carneiro da Cunha, personagem simples e mais humano da literatura brasileira.
“De todos os meus personagens, eu ficaria com o valoroso capitão Vitorino Carneiro da Cunha”, respondeu o escritor paraibano quando indagado para falar sobre os personagens que ganharam vida em seus livros.
Mas a literatura de José Lins do Rego não se resume a Fogo Morto, nem ao seu maior personagem é Papa-rabo, mas outros de dimensões indiscutíveis. Carlinhos, de Menino de Engenho é emblemático, ganha dimensão no conjunto da obra dele, como o coronel José Paulino, como o moleque Ricardo, como Bentinho.
Não tenhamos dúvidas de que nosso conterrâneo será muito estudado, porque sua literatura tem as raízes e o cheiro do povo brasileiro, do povo do Nordeste.
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