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Sérgio Lucena abre exposição, neste sábado, com 72 obras em São Paulo

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publicado em 30/09/2023 ás 11h50
atualizado em 30/09/2023 ás 12h10
O pintor Sérgio Lucena

Kubitschek Pinheiro

Fotos – Marcio Fischer

O pintor Sérgio Lucena, há vinte anos morando em São Paulo, cidade que deu maior visibilidade ao seu trabalho, abre, neste sábado, a exposição “Na Raiz do Tempo, a Matriz da Cor” no  Museu Afro Brasil Emanoel Araujo. São 60 anos de vida do artista e 40 anos de pintura. Não se tem notícia de que um artista paraibano tenha chegado a esse patamar. O curador é Claudinei Roberto da Silva.

Antes de tudo, Sérgio Lucena já chegou em São Paulo artista feito, apenas foi mais visto e a maiorcidade do país levou sua obra para o mundo. A arte alémfronteiras. É um artista completo, é popular, éerudito, eé voraz.

O Museu Afro Brasil Emanoel Araujo, instituição da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo, acertouem cheio ao inaugurar uma Mostra gigante de um artista como Sérgio Lucena.

Sua arte serve de espelho do mar para as cores que ele usa, as cores que Sérgio, já usava bem antes de ser acolhido em São Paulo pelo mestre pintor Aldemir Martins, artista cearense, que compartilha com Lucena o interesse por suas raízes – matriz original, nosso território “independente” onde ser solar é transmutado em experiência para o sensível e nada convencional, Sérgio Lucena. Sua pintura o traduz.

Mostra de Sérgio Lucena

Serão 72 pinturas das várias fases do artista alegórico e lírico, estampadas nas paredes do MAB Emanoel Araujo, onde paulistas e paulistanos, gente todos os cantos, possam apreciar o conjunto da obra que ficará aberta até fevereiro de 2024.  – a arte profana e sacra, a religiosidade de matriz africana, o sincretismo caboclo, a sagacidade de um artista jovem com seu retrato quando jovem.

O curador Claudinei Roberto da Silva afirma que “a síntese de sua obra, apresentada nas pinturas, sugere, sutilmente, uma narrativa em que convivem harmoniosa e poderosamente aquilo que convencionalmente chamamos de “arte erudita” e “arte popular”. A falsa dicotomia que opõe o “popular” ao “erudito” é corroída pela proposição de Sérgio Lucena, já que o artista não reconhece a preponderância de uma escola sobre outra.”

Em conversa com o MaisPB, Sérgio Lucena faz dessa arte acender a alegria, das sutilezas da sua obra, dos 60 anos de vida, 40 de pintura e vinte anos na São Paulo das canções, das manchetes populares, do turbilhão de inspirações, da poesia de Mario de Andrade.

MaisPB – Vamos começar por aqui –  tanto tempo em São Paulo, já soma muitas vidas do artista. Ter ido morar aí foi muito importante para seu trabalho, né?

Sérgio Lucena – Esse ano completo 60 anos de vida e 40 de estrada, sendo 20 anos em São Paulo. Sem dúvida São Paulo é um divisor de águas na minha vida e na minha carreira.  Especialmente pelo fato de que aqui pude encontrar a interlocução necessária ao avanço da minha pintura.

MaisPB – São Paulo é sempre um desafio, exatamente por ser uma cidade cosmopolita, né?

Sérgio Lucena – Sim, umacidade cosmopolita, lugar ideal para situar o que estamos realizando na medida que, constantemente, ela nos oferece parâmetros. É fundamental para artista saber se o que ele está realizando está à altura do seu tempo e da demanda espiritual da sua época. O artista deve se colocar diante o mundo com honestidade sendo leal a sua consciência, ele deve se testar a partir dos referenciais mais elevados para, enfim, saber se o que ele realiza tem ou não alguma importância para além do seu ego. São Paulo segue cumprindo esse papel.

Mostra de Sérgio Lucena

MaisPB  – “Na Raiz do Tempo, a Matriz da Cor”,  é um  nome forte para  acolher suas obras – tem imagens dos tempos sombrios que passamos, na pandemia?

Sérgio Lucena  – Essa mostra traz um panorama do meu percurso, temos pinturas de 1986 até 2023 e, dentre elas, a exposição apresenta a série Teatro do Meu Fascínio que realizei entre 2017 a 2021, o período que antecede e adentra a catástrofe política e sanitária pela qual passamos. Essa série realizada nesse estranho momento do país é muito importante no meu percurso, especialmente porque ela se coloca num polo oposto à tristeza, não se trata de um relato do momento perverso, mas do anúncio de outra possibilidade de mundo que não se pauta na estupidez nem na falta de empatia.

MaisPB – Aí entra a espiritualidade…

Sérgio Lucena – Busquei na minha espiritualidade os elementos de poder, alegria, saúde e fé na vida para me posicionar como resistência ao horror. Estou muito feliz que vou poder mostrar essa série agora. Ela, inclusive, é responsável pelo meu retorno a figuração.  

MaisPB  – Como veio a novidade dessa  Mostra que já chega anunciando  a simbologia das cores. Vamos falar sobre isso, dessa raiz, do tempo e das suas cores que são do seu universo?

Sérgio Lucena  – Essa mostra é fruto de anos de diálogo com o curador Claudinei Roberto Silva, com quem compartilho muitas afinidades no plano da arte, da ética e da política. Refletimos muito sobre nosso povo e nosso país, as raízes constitutivas desse fenômeno mágico que é o Brasil. Eu sou fruto desse contexto místico que no sertão nordestino tem uma potência única. A cultura nordestina foi moldada pela adversidade climática, as secas prolongadas e sua história de miséria e abandono, em contraposição à riqueza da faixa litorânea onde floresceu a cultura da cana-de-açúcar baseada na escravidão, primeiro dos indígenas e, em seguida, de escravizados vindos da África.

Mostra de Sérgio Lucena

MaisPB – Essas cores, belezas e tragédias, sacodem muito a gente, né?

Sérgio Lucena  – Essa é uma matriz formativa inescapável, presente até os dias de hoje. As influências desse contexto geográfico e cultural me conduziram a viver em um nexo entre mito e realidade, onde um peculiar amálgama de tristeza, humilhação, honra, lealdade, coragem, magia, alegria e abnegação se desenrola num cenário de vastidão e beleza natural abundante.  Esse ambiente contraditório aponta para uma encruzilhada. E foi justo esse lugar de decisão, a encruzilhada, que moldou a minha natureza, tornando-se o ponto de inflexão que orienta o meu pensamento e substância minha noção de realidade. O tempo, portanto, se estende a um passado longínquo, passado que são minhas raízes.

MaisPB  –  E seu encontro inicial com pintor Aldemir Martins?

Sérgio Lucena – Encontrei o meu pai espiritual, aquele que me mostrou o que é ser um artista.

MaisPB  – Meu, são 72 pinturas. Que maravilha – então, vai ser uma amplidão, né?

Sérgio Lucena  – Sim, a maior exposição que já fiz, tanto em número de obras quanto na abrangência de tempo e variedade temática. A mostra diz de uma trajetória muito brasileira em relação a imprevisibilidade do percurso, não a toa será apresentada no mais brasileiro dos museus, o Museu AfroBrasil. Eu como migrante nordestino me sinto muito acolhido nesse espaço.

Mostra de Sérgio Lucena

MaisPB –  Vamos ter tudo, os quadros dos bichos, dos peixes, dos monstros sagrados, além das telas multicoloridas e sombrias?

Sérgio Lucena  – Sim, um pouco de tudo com ênfase na produção mais recente, de 2018 para cá.

MaisPB  – O curador Claudinei Roberto afirma que essa mostra “ é a síntese de sua obra, apresentada nas pinturas, que sugere, sutilmente, uma narrativa em que convivem harmoniosa e poderosamente aquilo que convencionalmente chamamos de “arte erudita” e “arte popular” – Uma visão mais ampliada de sua arte, não é?

Sergio Lucena  – Sim, como artista pintor não tive formação acadêmica, fui iniciado no mundo da arte ainda muito jovem pelo pintor paraibano Flavio Tavares e, desde então, venho me aprofundando na linguagem da pintura tendo o óleo como o meio desse aprofundamento. Hoje tenho uma técnica muito elaborada e nada ingênua, porém, meu assunto diz da nossa origem, nossa matriz espiritual, seja a terra, a paisagem, seja o povo, sua cultura. O que eu e o Claudinei refletimos diz do preconceito a produção de arte brasileira, tradicionalmente malbaratada por conceitos colonialistas. Tais conceitos visam fortalecer os valores ocidentais brancos em detrimento da excelência da produção de origem preta, indígena e mestiça, classificando-a como naïf ou primitiva. Essa narrativa traz no seu bojo um preconceito latente, o qual se impõe a mais importante parcela da produção da arte brasileira, justamente aquela que se recusa a obedecer aos cânones europeus ou americanos de arte erudita. Convenhamos que o contrário de erudito não é naïf (ingênuo) o contrário de erudito é ignorante. E aqui é onde a porca torce o rabo, ignorância, para não dizer má-fé, é o que se vê na imposição de uma cultura sobre outra. Não aceito, portanto, a lógica que subalterniza a produção de arte do Brasil, cujo intuito final é destituir de valor nossas origens, nosso povo e, consequentemente, desqualificar uma outra forma de civilização.

MaisPB  – Vamos falar do Museu Afro Brasil Emanoel Araújo, que em 2024 chega aos vinte anos de trabalhos com a arte de um modo geral?

Sérgio Lucena  – Chega aos 20 anos como um marco de afirmação do que há de mais representativo da produção de arte brasileira. Resistência e dignidade são as marcas profundas da expressão da alma brasileira.

Mostra de Sérgio Lucena

MaisPB –  Você acredita que essa Mostra é o grande reconhecimento de sua arte em solo paulista?

Sérgio Lucena  – Não só em solo paulista, o reconhecimento do artista se dá no país e no exterior por meio de um trabalho fiel às suas origens e sua natureza. Sou um artista que nunca abdicou da sua missão e que, aos 60 anos anuncia ao mundo que está apenas no início.

MaisPB  – Às vezes vejo postagens suas no Instaram, um homem quase nu diante da solidão do branco, e parece que vem uma fúria que se manifesta na tela. Como é essa sensação?

Sérgio Lucena  – Penso que não há tradução para isso, talvez a analogia mais próxima seja a da criança nua ao nascer, ela nada sabe, nada imagina e, mesmo assim… um mundo está prestes a existir.

SERVIÇO

Exposição “Na Raiz do Tempo, a Matriz da Cor”, de Sergio Lucena

Curadoria: Claudinei Roberto da Silva

A partir de 30 de setembro de 2023, das 11h às 15h

Sobre o Museu Afro Brasil Emanoel Araujo

O Museu Afro Brasil Emanoel Araujo é uma instituição da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo administrada pela Associação Museu Afro Brasil – Organização Social de Cultura. Inaugurado em 2004, a partir da coleção particular do seu diretor curador, Emanoel Araujo (1940-2022), o museu é um espaço de história, memória e arte.

Localizado no Pavilhão Padre Manoel da Nóbrega, dentro do mais famoso parque de São Paulo, o Parque Ibirapuera, o Museu Afro Brasil Emanoel Araujo conserva, em cerca de 12 mil m2, um acervo museológico com mais de 9 mil obras, apresentando diversos aspectos dos universos culturais africanos e afro-brasileiro e abordando temas como religiosidade, arte e história, a partir das contribuições da população negra para a construção da sociedade brasileira e da cultura nacional. O museu exibe parte deste acervo na exposição de longa duração e realiza exposições temporárias, atividades educativas, além de uma ampla programação cultural.

Website: http://www.museuafrobrasil.org.br

Museu Afro Brasil Emanoel Araujo

Endereço: Av. Pedro Alvares Cabral, s/n – Parque Ibirapuera – Portão 10

04094-050 São Paulo/SP – Brasil

Tel: +55 11 3320-8900

Horário de Funcionamento: 3ª feira a domingo –10h às 17h (permanência até 18h).

Entrada Inteira: R$ 15,00 // Meia Entrada: R$ 7,50 Grátis às quartas-feiras

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