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É formado em Direito pela UFPB e exerce funções dedicadas à Cultura desde o ano de 1999. Trabalhou com teatro e produção nas diversas áreas da Cultura, tendo realizado trabalhos importantes com nomes bastante conhecidos, tais como, Dercy Golcalves, Maria Bethania, Bibi Ferreira, Gal Costa, Elisa Lucinda, Nelson Sargento, Beth Carvalho, Beth Goulart, Alcione, Maria Gadu, Marina Lima, Angela Maria, Michel Bercovitch, Domingos de Oliveira e Dzi Croquettes. Dedica-se ao projeto “100 Crônicas” tendo publicado 100 Crônicas de Pandemia, em 2020, e lancará em breve seu mais recente título: 100 Crônicas da Segunda Onda.

Censura não

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publicado em 05/11/2023 às 08h02
atualizado em 05/11/2023 às 05h05

Marcone acordou furioso naquela manhã de quarta-feira, nem era feriado, mas estava atônito e inconformado com as auguras do destino. Ele estava prestes a lançar seu livro e dedicou a semana inteira a seu discurso sem improvisos. O motivo da raiva foi que seu revisor pediu que não usasse a expressão na “crista da onda”, pois afetaria a reputação das galinhas, porque estaria favorecendo a masculinidade, por lembrar mais a crista dos galos e seu livro não poderia ter cheiro de patriarcado.

O revisor pediu também, de última hora, que não usasse a expressão fulano fala pelos cotovelos, por ser capacitista, destoando das pessoas que perderam algum braço ou os dois de uma vez ou nascem sem os membros superiores. Seguidamente o proibiu de citar “alexa” a famosa a assistente que responde a comandos de voz, reproduzindo músicas e interagindo com o usuário. Por meio do dispositivo, é possível pedir um Uber, uma pizza, controlar aparelhos conectados, entre outras funções tanto internas quanto externas, para o revisor, esse aparelho com nome feminino degrada tal universo e coloca a mulher no patamar de submissa e do lar. Contrariado, no dia da noite de autógrafos, pediu ajuda ao ChatGPT. O discurso saiu uma beleza, todo consertado. 

Na hora aprazada, numa sala repleta de convidados, Marcone retira seu discurso do bolso direito da calça e recorre ao outro bolso de onde desprende seus óculos para começar a lê-lo! 

E começa com uma pergunta: Boa noite, vocês sabem por que não vou ler este discurso? 

E de surpresa rasga o papel e responde que não está disposto a ler coisas artificiais, tampouco estaria ali para declamar um texto cortado, censurado, pontuado, sem erros, sem impropriedades, sem clareza, mas com frieza extrema. Que preferia ser um ser natural, errôneo, excêntrico e que se alguma frase ou palavra fizesse mal ou magoasse alguém que tais incomodados o procurasse no final da cerimônia para as referidas explicações e escusas se for o caso. Puxou um outro papel de dentro do seu blazer cinza-claro e leu seu texto original. Foi aplaudido de pé! 

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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