João Pessoa, 17 de janeiro de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Quando escutei as palavras do padre George Batista acerca da Teologia da Libertação, comparando-a a uma criação do demônio, um grande mal para a Igreja, fiquei arrepiado de medo. Senti dor e tristeza porque vinha de um pastor que, supomos, preparado para ensinar os caminhos de libertação. Como sou um homem que não tem medo, somente dos castigos de Deus, a tristeza afugento no meu silêncio e a dor eu curo com o remédio preparado usando os ingredientes do Evangelho de Jesus; por isso, não levei a sério o que disse aquele sacerdote.
As ovelhas seguem o pastor. Mas quando esse pastor as leva pelas veredas com pedregulhos e precipícios, outros pastores chegam para recolher e amparar o rebanho desgarrado. Felizes quando são pastores à semelhança de Samuel, que escutou a voz do Senhor e se transformou em agente transformador da comunidade. Samuel entendeu a proposta libertadora do povo sofredor. O bom pastor percebe e se associa ao sofrimento da ovelha para a libertar. A este devemos ouvir e seguir.
Não desejo entrar no mérito teológico das insinuações do padre, porque são ocas, evasivas e desprezíveis. Há muitos pastores dentro da Igreja, que precisam retornar à leitura crítica da Bíblia, passar por formação constante ou voltar ao seminário para reiniciar e aprofundar os estudos.
A resposta teológica foi dada por um grupo de estudiosos e professores. Desejo externar minha preocupação com palavras evasivas que desconstroem o projeto de salvação apontado por Jesus, incompreendido até hoje.
Desejo a Igreja de pés no chão. A Igreja de Padre Ibiapina, de Dom José Maria Pires, de Dom Helder Câmara, de Dom Marcelo Carvalheira, de padre Comblin, de padre José Coutinho – cito estes porque estiveram tão perto de nós. A Igreja que celebra a vida. Que leva a Palavra onde estão os necessitados, que reza nas choupanas e casebres, debaixo de árvores no sopé da serra, onde moram os desvalidos.
Sonho com a Igreja do Pacto das Catacumbas, servidora e pobre, com seus integrantes desapegados do luxo. Sem pompas. Sem lantejoulas. A Igreja da libertação. A Igreja dos Apóstolos, e semelhante à dos sete Diáconos.
O Concilio Vaticano II buscou o novo para a Igreja, que estava com o rosto enferrujado. Era preciso redescobrir a Igreja dos pobres, a Igreja com a face de Cristo. A Teologia da Libertação aponta esse caminho e o rosto misericordioso de Cristo.
O foco central do Pacto das Catacumbas, de onde se retirou a célula que originou os debates sobre a Teologia da Libertação, “a Igreja dos Pobres”, é a identidade entre Jesus e os pobres. Na ceia com os apóstolos, Jesus consagrou o pão do trigo cultivado pelos pobres. “Isto é meu corpo”. Disso tiramos a liturgia, nossa espiritualidade e identidade.
A Teologia da Libertação nos leva ao horizonte de Cristo, na presença do pobre. A evangelização e a promoção humana têm laços profundos com o plano de redenção desejado por Jesus. Tantas vezes dizemos que “Jesus Cristo é o rosto humano de Deus e o rosto divino do homem”. Mas alguns nem sempre percebem onde estão os pobres, porque cobertos de lantejoulas e vinhos caros.
A Igreja precisa voltar a fazer opção pelos pobres. O Papa Francisco apontou caminhos, mas não consegue arrancar o pano dos olhos de muitos, sobretudo dos que apregoam que a Teologia da Libertação “é produto do demônio”.
Sem os pobres libertos, não há Igreja. A Igreja com o rosto de Cristo. O pastor que não gosta do cheiro das ovelhas, alguma coisa está errada com ele.
Dom José Maria Pires, que foi uma voz firme em favor dos excluídos na Paraíba, afirmou que “Deus não é glorificado se o homem, sua imagem e semelhança, passa fome” (Mensagem de Natal, 25-12-1993). Para ele, “o futuro pertence aos pés descalços e às mãos calosas”. Então, eu acrescentaria: o futuro de nossa Igreja passa por esses “pés descalços e mãos calosas”. Negar isso é negar o próprio Cristo.
Em livrinho primoroso, Quais os desafios dos temas teológicos atuais? (Edição Paulus, 2005), padre José Comblin aborda temas atuais para a Igreja em um mundo cada vez mais conturbado. “Estamos num tempo em que se proclama que a Teologia da Libertação morreu, que as comunidades eclesiais de base agonizam e que a pobreza deixou de interessar à teologia”, afirma ele, para quem, “os pobres voltam a ser receptores de esmolas e objetos de assistencialismo”.
A Igreja que age nessa linha favorece os donatários que se apoderam dos recursos provenientes dos impostos para se locupletar. Jamais podemos dar as costas aos pobres e marginalizados. Como uma pessoa que deixa claro não gostar de pobres, contrariando o que Jesus ordena, que faz crítica velada a luta da libertação dos excluídos, pode administrar uma entidade eminentemente voltada aos pobres?
Em relação a outras religiões, qual é a mensagem do Cristianismo em face das crises prementes no mundo, sob o domínio de um novo império que acondiciona o pensamento, o estilo de viver?
A Teologia da Libertação quer justamente isso: mostrar que o pobre existe. Apontar caminhos, exigir o fim do cativeiro. Apontar caminhos. Ser a voz dos sem voz e vez. Se não agir dessa maneira, deixa de ser uma Igreja para se tornar um aglomerado de pastores com camuflagem. (José Nunes, diácono na Arquidiocese da Paraíba, jornalista, da Academia Paraibana de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e da União Brasileira de Escritores-Paraíba, da Academia Cabedelense de Ciências, Artes e Letras).
TURISMO - 19/12/2024