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Não lido bem com o direito. Sou bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFPB – Universidade Federal da Paraíba, com pós-graduação em direito penal, pela USP – Universidade de São Paulo. Ali, tive um orientador dos melhores. Criminalista de renome, Paulo José da Costa Júnior, e mestres da estirpe de um Miguel Reale Júnior, Odon Ramos Maranhão, Goffredo Telles Júnior, Aloísio Ferraz Pereira e Dalmo de Abreu Dallari.
Do direito, o crime, com seus enigmas, e a filosofia, com sua perplexidade, sempre me atraíram. Ainda hoje leio Aníbal Bruno, Nelson Hungria, Roberto Lyra, Giusepe Bettiol, Giulio Battagline, Pontes de Miranda e Miguel Reale. De Miguel Reale e Pontes de Miranda, não gosto da poesia. Porém, as suas respectivas meditações acerca do direito sempre me ensinam e me dão prazer. Pontes de Miranda me parece um monumento incomparável na sua sabedoria aguda e plural.
Não sei por que o professor e jurista Renato César Carneiro me pediu o prefácio do recém lançado Dicionário de direito eleitoral, organizado por ele e pela Desembargadora Maria de Fátima Bezerra Maranhão, fruto de suas respectivas experiências no vasto universo da ciência jurídica.
Pouco entendo de direito eleitoral. Aprecio, é verdade, os direitos constitucionais de votar e ser votado, embora tenha algumas cismas, algumas indecisões, algumas reservas, no que concerne ao regime democrático, apesar de considerar a verdade deste postulado: “Dos males, o menor”. Ainda jovem, estudante de direito, aprendi com a irreverência de Bernard Shaw, que a democracia nada mais é que “a eleição de uns poucos corruptos por uma gama imensa de medíocres”.
Rômulo Rangel, à época, meu professor de direito constitucional, não gostou quando retomei esta ideia numa de suas provas, mas, Hélio Soares, lente de direito comercial e mais flexível e elástico na seara dos saberes, apreciou, com bom humor, a ironia do dramaturgo irlandês.
Creio que aceitei o convite de Renato César Carneiro porque tudo que é dicionário me interessa. Ao hábito de frequentar curiosamente seus verbetes, cultivo também o hábito de colecioná-los. Por assunto, tema, motivos, cronologia, especialidades e outras categorias mais.
Amo os dicionários. Nos dicionários, encontro o sabor dos idiomas, a diversidade dos conceitos, a classificação do léxico, a possibilidade semântica de cada palavra. Se penso, por exemplo, na poesia, cada vocábulo se abre com seus sinais para o encontro com a paisagem do ser, na instantânea ontologia do espanto e da descoberta. Há, sim, poemas dentro das palavras. “Penetra surdamente no reino das palavras.∕ Lá estão os poemas que esperam ser escritos”, assegura Carlos Drummond de Andrade, num de seus poemas de A rosa do povo.
Analisando o Dicionário analógico da língua, o filólogo Paulo Rónai fala do respeito que dicionários e dicionaristas lhe incutem. “Um respeito”, diz ele, “que não está completamente isento de medo, desde que sei que Dom Casmurro, antes de ser escrito, já estava inteirinho dentro de um dicionário qualquer: bastava arrumar-lhe as palavras de determinado jeito para sair dali o grande livro de Machado de Assis”.
A lógica do direito, sua dogmática, sua filosofia não estariam embutidas dentro dos dicionários jurídicos? Cada verbete não pavimenta uma pista doutrinária, uma proposição normativa, um eco possível das lições jurisprudenciais?
Nada melhor para adentramos o território do mundo do que mergulharmos nas páginas de um dicionário. Linguístico, científico, teológico, filosófico, econômico, jurídico, cada dicionário cataloga e enuncia os segredos da matéria selecionada como objeto formal e estudo.
Penso no esforço dos autores de um dicionário de direito eleitoral. O que é eleição? O que é voto? O que é partido político? O que é ideologia? O que é cidadania? O que é candidato? O que é fraude? O que é apuração? Estas e outras questões devem ser esclarecidas em perspectiva didática e propedêutica. O que é não é fácil nem é para qualquer um.
O dicionário traduz, em conceitos sucintos e eficazes, na clausura da linguagem e na sistemática tipológica, o magma caótico da realidade. O caos do mundo se converte na cosmologia do vocabulário. O dicionário cuida da vida, harmoniza a realidade, dá sentido ao inominável.
Consultar suas ofertas é fazer uma grande viagem por dentro do país das palavras. Nele, os dicionários, está registrado o afã de nomear, o convite ao conhecimento, à primeira e pequenina pedagogia da vida. Nunca diria de um dicionário: “Eis, aqui, o pai dos burros”. Mas, eis, aqui, o irmão dos sábios. Tenho certeza de que Renato César Carneiro e Maria de Fátima Maranhão hão de concordar comigo.
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OPINIÃO - 26/11/2024