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Espaço K

Entrevista: Milton Marques, inteligência sobrando

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publicado em 13/05/2024 às 08h01
atualizado em 13/05/2024 às 07h08

Kubitschek Pinheiro

Professor, escritor, colunista do MaisPB, o cara que tem o manuseio da ideia. Milton Marques sabe indicar caminhos e impulsiona muitas vidas – não tive a sorte de ser seu aluno, mas sabemos que a amizade é superior ao amor.

Milton está em Coimbra, Portugal, conduzindo sua mulher Alcione Lucena, que faz o pós-doutorado sob a supervisão do professor e atual vice-reitor da Universidade de Coimbra, Delfim Ferreira Leão, do Instituo de Letras Clássicas. “Alcione traduz um autor do período Alexandrino grego, de nome Hérondas (século III a. C.), autor de Mimos, que são pequenas peças de teatro cômico, envolvendo personagens populares”.

Lá em Coimbra, Milton não para, estuda, devora livros, se mistura na paisagem. Nunca vi cidadão mais seletivo – “Estou numa idade, K, para lá de seletiva. Aos 67 anos, não posso perder o meu tempo. Tenho muita coisa para aprender antes de morrer, por isso mesmo devo escolher as pessoas, os lugares, as situações que tenham uma sintonia comigo”.

Em entrevista ao Espaço K, ele fala de descobertas, mitologia, o gênero humano e, pela primeira vez, como cidadão, homem justo, fala do episódio que envolveu a escritora Ângela Bezerra, só porque ela usava a bandeira do Brasil, sobre seu corpo.  Leiam e divirtam-se com belas imagens do primeiro mundo.

Milton Marques Junior – Além de professor titular aposentado do Curso de Letras Clássicas da Universidade Federal da Paraíba, ele é Mestre (1990) e Doutor (1995) em Letras, pela UFPB.  Milton é autor de mais de vinte livros publicados, dentre os quais destacam-se cinco volumes do Dicionário da Eneida de Virgílio; sua tese de doutorado sobre Aluísio Azevedo – Da Ilha de São Luís aos refolhos de Botafogo; um livro de poemas satírico-irônicos, Epigrammaton; um estudo e tradução sobre um hino latino do século II d. C., Peruigilium Veneris: uma sagração erótica à primavera, e, mais recentemente, Pandêmia e pandemia: o clássico no cotidiano, e Homero na sala de aula. Seu mais recente livro é Ei-lo pulando de uma casa para outra, nas ruas da capital: um roteiro de Augusto dos Anjos, nas ruas da Paraíba (2023). Assina a coluna Scholia, no Correio das Artes, suplemento literário do jornal A União, é colaborador assíduo do Ambiente de Leitura Carlos Romero, colaborando, ainda, com nosso Portal MaisPB. Membro da Academia Paraibana de Letras, ocupa a cadeira 40, desde o ano de 2020.  – o iméio dele  [email protected]

Espaço K – Milton, que privilégio é esse de passar um ano em Coimbra?

Milton: Não se trata de um privilégio, K, se atentarmos para o primeiro significado do termo, que é “lei privada”, dando a ideia de um favor ou de uma vantagem. Na realidade, trata-se de um direito conquistado pelos professores universitários de realizar um período de estudos extramuros, fora de seus domínios, e assim poder adquirir uma experiência maior, a ser devolvida no exercício diário do magistério e da pesquisa. Se formos para um sentido mais amplo, sim, é um privilégio, poder estar em Coimbra durante esse tempo, tendo em vista que estamos numa cidade com uma história que remonta a dois mil anos, confirmada pela presença dos romanos, em sítios históricos, como o de Conímbriga, de onde vem o nome da cidade, em Condeixa-a-Velha, situada a 17 km, e como o de Aeminium, urbe romana, devidamente preservada, até onde foi possível, sobre a qual a atual Coimbra se encontra edificada. São ruínas a que podemos ter acesso, visitando o subsolo do Museu de Machado de Castro, antigo Palácio Episcopal. Nesse aspecto é, sim, um grande e maravilhoso privilégio. Oportunidade única.

Espaço K – O que andam fazendo você sua mulher na escola acadêmica, ela faz o pós-doutorado e você mexendo nas cartografias literárias?

Milton: Minha esposa, Alcione Lucena, está realizando o seu pós-doutorado, sob a supervisão do professor do Instituo de Letras Clássicas, Delfim Ferreira Leão, atual vice-reitor da Universidade de Coimbra. Alcione traduz um autor do período Alexandrino grego, de nome Hérondas (século III a. C.), autor de Mimos, que são pequenas peças de teatro cômico, envolvendo personagens populares. Além disso, ela faz as notas explicativas ao texto, de modo a orientar os leitores das peças. Enquanto isso, eu termino de revisar a minha tradução do Livro dos Espetáculos (Liber Spectaculis), epigramas de Marco Valério Marcial, poeta latino (século I d. C.), único texto substancial sobre a inauguração do Anfiteatro Flávio, no ano 80, mais conhecido como Coliseu. Juntos, vamos fazendo o reconhecimento da cidade, de sua história e de suas belezas. Evidentemente, ando aproveitando o tempo para pôr em dia várias leituras e para reler, sobretudo reler, enquanto vou descobrindo coisas novas. Apesar de ter me aposentado e encerrado, formalmente, a minha carreira, continuo sendo professor e a leitura me absorve, porque é parte da minha essência.

Espaço K – Eu sei que você é chato e não dá bolas para os otários, mas em Coimbra temos poucos otários, né?

Milton: Estou numa idade, K, para lá de seletiva. Aos 67 anos, não posso perder o meu tempo. Tenho muita coisa para aprender antes de morrer, por isso mesmo devo escolher as pessoas, os lugares, as situações que tenham uma sintonia comigo. Continuo sendo civilizado, cumprimentando, tratando bem… Porém não me interessa mais a companhia dos que se acham o máximo, donos do saber, dogmáticos e outras coisas. O maior chato é o que se acha sempre certo. Sabe aquela pessoa que diz que está do lado certo da História, que usa chavões o tempo todo e que quer ser moderninho defendendo a unhas e dentes a Ciência que lhe é conveniente, mas que não acredita na biologia, na evolução ou na linguística, como Ciências, querendo modificar a ferro e fogo, por exemplo, um sistema linguístico, sem ter a menor ideia de como ele funciona? Pois é… Distância.

MaisPB – E a hospedaria?

Milton: Aqui em Coimbra, estamos hospedados no Seminário Maior da Sagrada Família. Um espaço de paz, tranquilidade, silencioso, seguro, não sujeito ao bulício das ruas, propício para quem vem estudar. Sinto-me como o verso de Bilac, no soneto “A um Poeta”: Longe do estéril turbilhão da rua,/Beneditino, escreve, no aconchego/Do claustro, na paciência e no sossego”. Substitua “turbilhão da rua” por otários, como você chama e temos a minha situação. Fizemos alguns amigos entre as pessoas que aqui trabalham e os padres que aqui residem. Nossos almoços são sempre alegres. O contato que temos com o público de fora é eventual, nos nossos passeios, nas compras do supermercado, nas viagens às cidades vizinhas. Sim, há os otários, como em todos os lugares, mas, até então, a nossa balança de intercâmbio está no lucro. As eventuais perdas com os otários e que se sentem superiores, são deixadas de lado, assim como os que nos olham de cima. Estas coisas já não nos abalam. Temos mais coisas para fazer do que estar perdendo tempo com gente que não merece um segundo sequer de nossa atenção. No geral, temos encontrado boas e simpáticas pessoas.

Espaço K – Às vezes percebo que você, em horas vagas, corre pra ruas, acompanhando as estações. Isso lhe deixa bem feliz, né?

Milton: Chegamos aqui, no dia 03 de dezembro de 2023. O outono se encaminhava para o seu final e já se encontrava bem frio, apesar de o inverno só começar no dia 21 de dezembro. Tempo normalmente nublado e sombrio, carregado, como costumamos dizer. Quando se abre uma nesga de sol é uma festa. Agora, com quase dois meses de primavera, podemos nos livrar das roupas pesadas de inverno e desfrutar mais do sol e de uma temperatura mais amena. Há, no entanto, uma alternância, por vezes, entre dias ainda frios e dias com temperaturas acima de 20 graus. Nestes dias, saudamos o sol, porque como bons nordestinos e bons pessoenses, somos solares, apolíneos. O interessante, K, é que o inverno nos desanima, por conta de um frio penetrante, a que não estamos acostumados, e por causa do tempo sombrio, muita gente sofrendo piques de depressão. O sol nos aquece, causa um certo cansaço, quando está muito quente, mas nos traz de novo o ânimo, nos convidando a sair para a vida. Sol é vida e quem vive no hemisfério norte sabe disso melhor do que qualquer outra pessoa. O que incomoda muito em Coimbra, no entanto, é a chuva. Chove muito, dias seguidos, chuvinha fina, irritante. Nossa primeira providência aqui foi comprar guarda-chuvas, mais um apetrecho para juntar com os sobretudos, casacos, chapéus, echarpes, luvas… Mas nunca deixamos de sair e procurar constatar essas mudanças, comparando com a nossa terra. Quando chegamos ao Seminário, os plátanos estavam só com os galhos nus e retorcidos, agora estão novamente cheios de ramos e folhas. Adoramos sair e constatar esse ciclo se renovando. Como estamos, literalmente, enclausurados – vivemos em um combinado de suíte e de gabinete de estudo, confortável o suficiente para abrigar um casal –, as ruas nos chamam para o exercício diário de perseguir o traçado das ladeiras, dos becos, das vielas, das travessas, das muitas escadarias. A rua nos proporciona uma academia ao ar livre e, o melhor, gratuita. Ficamos felizes, sim, de poder sair e acompanhar a natureza.

Espaço K – Estando em Coimbra, com certeza você sente falta de João Pessoa, mas do Brasil, não, né?

Milton: Sinto muita falta de João Pessoa, de minha cidade querida, que não troco por nenhuma da face da terra. Sinto falta do Brasil hospitaleiro, cheio de gente boa e amiga, de um país que não quer conflito bélico com ninguém. Sinto falta do Brasil de uma diversidade maravilhosa, de uma história e uma cultura ricas, de um povo acolhedor. Sinto falta do país das belezas naturais gigantescas. Do Brasil dos políticos, dos mentirosos, dos enganadores, dos corruptos, dos ignorantes, não, não sinto saudade nenhuma. Falei para você de que a rua oferece, aqui, em Coimbra, além da História e das belezas naturais – estamos na vizinhança do Jardim Botânico, espaço maravilhoso, aberto ao público diariamente, sem burocracia, caminho obrigatório para quem sobe em direção à Universidade de Coimbra, vindo do São José – uma academia gratuita, garantida pela civilidade da faixa de pedestres, na qual todos os motoristas param, sem que seja necessário pedir. Basta o pedestre chegar à faixa. Há segurança, você pode andar sem medo de ser assaltado, consultando o seu celular, para saber o melhor caminho a tomar; pode andar pelas vielas, por vezes, solitárias, sem o perigo de encontrar alguém que o aborde e use de violência. É, então, Coimbra, o paraíso? Não. Os coimbrenses têm as suas reclamações, mas para nós que chegamos de um país, em que o mínimo não foi assegurado a seus cidadãos, é uma diferença gritante. A Cidade se encontra em obras para a implantação do Metrobus, um metrô de superfície, numa cidade acidentada de muitas ladeiras e ruelas. João Pessoa, plana, em sua maior parte, está com um trânsito cada vez mais caótico. Em suma, não sinto falta desse Brasil que vive de crise em crise, sem que as necessidades se resolvam. Vivemos uma polarização insana e não é de ordem política, é de ordem intelectual. O Brasil é prejudicado pela ignorância dos apoiadores de políticos, cada um pior do que o outro. Político não se apoia. A político, no máximo, dá-se o crédito do voto, podendo ser retirado na próxima eleição, caso ele não corresponda. Quem apoia político é quem depende de político, para manter as suas sinecuras. Além de não depender de políticos, não me falta a capacidade de reflexão. Meu mundo não é polarizado. Não preciso me decidir pelo preto ou pelo branco. Há milhares de nuances, entre um polo e outro. Do Brasil assolado pela ignorância não tenho qualquer saudade. Vou lhe dar um exemplo: Você já ouviu algum órgão cultural, oficial ou não, se pronunciar a respeito dos 500 anos de Camões, o maior poeta da Língua Portuguesa, que estão sendo comemorados aqui, em Portugal? Nem ouvirá.

Espaço K – Tem ido a Lisboa conversar com o Fernando, o Bocage, Camões, o Eça?

Milton: Sim. Lisboa é obrigatória. O Chiado e a Baixa são um encanto. Os diálogos frequentes com Pessoa, Camões, Eça, Herculano e Bocage são imprescindíveis. Livrarias não faltam, como a Bertrand no Chiado, a mais antiga livraria do mundo em atividade. Só em Coimbra, contamos 5 Bertrand, 3 Almedina… Ir a Lisboa é fazer um belíssimo passeio literário e histórico. Há poucos dias, estivemos no Rossio, onde o padre Gabriel Malagrida foi garroteado e queimado, por ordem do Marquês de Pombal. Estivemos no Panteão Nacional, onde estão as pessoas ilustres da nação: Camões, Pedro Álvares Cabral, o Infante D. Henrique, Sophia de Mello Brayner Andresen, grande poeta recriadora do Clássico grego; a grande fadista Amália Rodrigues e o herói da nacionalidade Nuno Álvares Pereira. O Museu Calouste Gulbenkian, no Campo Pequeno, é de visita obrigatória. Como este ano se comemoram os 500 anos de nascimento de Camões, Portugal e Lisboa são uma festa só, com muitos eventos, cujo ápice acontecerá no dia 10 de junho – estaremos lá, se Deus quiser –, data da morte do poeta.

Espaço K   –   A Universidade de Coimbra é referência mundial. A cantora e compositora Adriana Calcanhoto fez cursos lá e diversos shows na Universidade. Fala pra gente a importância dessa Casa do Saber?

Milton: A Universidade de Coimbra é uma das mais antigas do mundo, tendo sido fundada em 1290 pelo rei-poeta D. Dinis. Há, portanto, uma grande tradição a ser considerada. A feição monumental que hoje ela tem foi decidida a partir de D. João III, no século XVI, cuja maior representação é a maravilhosa e indescritível Biblioteca Joanina. Respeitada na área do Direito, a Universidade de Coimbra também é referência nos Estudos Clássicos. Por isso a escolhemos. Além do mais, Coimbra é uma cidade pacata, não é das mais caras, tem muita cultura e história – os resquícios de romanos, árabes e judeus estão à vista – e com o número muito bom de livrarias, inclusive uma loja da Imprensa Nacional Casa da Moeda. No tocante à Universidade, chamamos atenção para o seu acervo. Há um acervo considerável e muito bem aparelhado no Instituto de Letras, há a Biblioteca da Faculdade de Letras e, defronte, a Biblioteca Geral. A Universidade de Coimbra é o lugar ideal para desenvolvermos os Estudos Clássicos. Queremos deixar registrado que fomos muito bem recebidos pelos professores e funcionários. Por outro lado, é bom saber que estamos no mesmo espaço que foi frequentado por Camões, Gregório de Matos, Tomás Antônio Gonzaga e Gonçalves Dias.

Espaço K – Você é apaixonado pelos deuses e deusas da mitologia – Borges tem um belo livro sobre esses seres imaginários – tem algum da sua predileção?

Milton: A minha predileção é por Apolo. É um deus de múltiplas faces, convergindo para a harmonia e o equilíbrio: Deus da profecia, da música, da poesia, da luz solar, da razão – não é a toa que é o patrono dos arqueiros, sempre buscando atingir o seu objetivo –, deus da beleza, da medicina e da peste. Apolo não é apenas duplo no aspecto de ser um expert das cordas, seja com a lira, na paz, seja com o arco, na guerra. Ele é também duplo no seu perfil de poder enviar a peste e poder curar, como acontece no Canto I da Ilíada. Na minha concepção é a divindade completa, pela sua complexidade.

Espaço K – Fala a verdade, essa indicação de imortal não cola, né?

Milton: Desconheço algo mais brega, K. Em primeiro lugar, porque somos todos imortais. O que morre é o corpo, o espírito é eterno. Nem estou falando de Cristianismo, para não espaço aos que se jactam de ser ateus. Estou me referindo a Platão. É só ler o Fédon, o Fedro e, claro, a República. Por outro lado, se o corpo morre, ele não se perde. Há uma lei da Física, lei cósmica, chamada de Lei da Permanência da Matéria. O corpo se transforma é absorvido pela terra, pelos animais, pelos vegetais e volta para dentro de nós, naquilo que a Natureza nos oferece como possibilidade de alimento. A imortalidade forjada por academias é uma balela para inflar o ego de quem vive à procura de holofotes. O ser acadêmico exige uma dinâmica de trabalho, de contribuição cultural, na área da Língua Portuguesa, sobretudo, que não condiz com uma imortalidade inócua.

Espaço K – Tem algum livro no prelo?

Milton: Tenho dois. O primeiro é a tradução do latim para o português, do Livro dos Espetáculos, do poeta Marcial, que pretendo publicar no retorno ao Brasil, a partir de agosto. O segundo é um livro sobre a minha temporada aqui, em Coimbra, com o título de Crônicas Conimbrigenses. Tenho escrito muito, motivado pelas novidades, mais ainda motivado pela História e pela Literatura.

Espaço K – Há algum tempo determinados acadêmicos tentaram denegrir a imagem da escritora Ângela Bezerra. O que você diria sobre as traições humanas, “amigos” desumanos?

Milton: Ângela Bezerra de Castro é superior a isso. Mulher sem vitimismos, de caráter, forte, inteligente, professora desde o berço, uma das responsáveis pela nova crítica literária na Paraíba e na Universidade Federal da Paraíba, autora de textos impecáveis. O problema é que Ângela tem capacidade de reflexão e raciocínio, o que muita gente não tem, e não se dobra a servilismos, o que muita gente faz. Você sabe muito bem que ser inteligente e independente, principalmente no Brasil de hoje, onde abundam os papagueadores de chavões, é uma ofensa pessoal. Não falo, necessária e especificamente de ninguém, mas haverá quem ache que a carapuça serviu. Se as traições entre amigos acontecem é porque, na realidade, o que traiu não era amigo. Há uns que se dizem amigos por conveniência, esperando ganhar algo com isso. A Amizade – não é por acaso que tem a mesma raiz de Amor –, deve ser gratuita, sem esperar nada em troca. O maior Amor é o Amor ágape, o da eleição. Ao eleger alguém para amigo não significa que tenho de suportar a sua traição. A pessoa não contará mais com a minha confiança, mas não vou querer-lhe mal, por isso. Se não o repudio completamente também não o acolherei com a mesma intensidade de antes.

Espaço K – Milton acorda cedo, reza uma Ave Maria, tem medo da morte?

Milton: Acordo cedo. Costume antigo. Sempre estudei pela manhã e sempre dei aulas pela manhã, começando às sete horas. Numa terra como a nossa João Pessoa, onde o sol se espalha com facilidade e cedíssimo da manhã, acho um crime não levantar cedo. Sempre acordo por volta das 5 da manhã, embora me levante, no mais tardar, às 6 e 30. Sempre rezo o Pai Nosso, a Ave Maria, o Santo Anjo, hábito de criança, caseiro. Faço minhas preces ao deitar e ao levantar, sobretudo, para agradecer por estar vivo e para fazer uma reflexão sobre o que foi a minha vida e o que ela é a cada dia. Agradecer a Deus é essencial. No que diz respeito à morte, afirmo, K, que não me dá medo. Encaro-a com naturalidade, com a consciência de que não é o fim, mas uma das muitas transições por que a vida passa. Na realidade, não existe morte, só existe vida e a vida não se entrega, porque ela é a essência do universo. Quando a “iniludível” vier que eu esteja preparado como o eu do belíssimo Consoada, poema de Manuel Bandeira: com o campo lavrado, a casa limpa, a mesa posta, com cada coisa em seu lugar. O problema será se ela vier e tudo estiver em desarmonia…

Espaço K – Como é que a gente encerra essa entrevista?  

Milton: Eu gostaria de encerrá-la, agradecendo a oportunidade que você me concedeu de falar da minha experiência aqui, em Coimbra, durante estes 8 meses, e de falar de tantas coisas que me motivam e que estão firmemente arraigadas no meu íntimo. É também uma maneira de agradecer por poder expressar o meu amor pelo Brasil e pela minha bela João Pessoa. Obrigado, K. Grande abraço!