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Paraibano da Capital. Tocador de violão e saxofone, tenta dominar o contrabaixo e mantém, por pura teimosia, longa convivência com a percussão, pandeiro, zabumba e triângulo. Escritor, jornalista e magistrado da área criminal do Tribunal de Justiça da Paraíba.

Tome conversa

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publicado em 20/05/2024 às 07h00
atualizado em 19/05/2024 às 16h01

Nada melhor que uma boa conversa. Esse hábito tem resistido aos sucessivos ataques de concorrentes, que sempre  estouram, daqui e dali . Primeiro foi o rádio, introduzido nas casas das famílias. A hora de ouvir a programação era sagrada, ninguém falava. Depois veio a TV, e foi decretado, pelos mais  apressurados, o fim da conversa. A TV ocupou todos os espaços, inclusive, o horário das refeições. A conversa na hora do almoço ou do jantar foi trocada pelo noticiário, pela novela, pela programa de esportes. Apenas pequenos murmúrios, de anuência ou discordância, eram tolerados na hora da novela.

Mas, a conversa, face a face, resistiu. Deu um jeito, não se deixou esmagar. Continuou a existir, mesmo enfrentando essa poderosa concorrente. Seguiu.

A boa conversa não exige uma refeição para acompanhar. Pode se dar em qualquer lugar. Dâmaso de Mavião, personagem falastrão de Eça de Queiróz (A tragédia da Rua das Flores), frequentava missa em determinada freguesia por ter “muito boa roda” .

Os apreciadores da cervejinha gelada, já descobriram há muito, que nada se compara a uma conversa de mesa de botequim. Ali são debatidas  e resolvidas as grandes questões mundiais, os dilemas que afetam diretamente a humanidade. Economia, Ciências, Avanços Tecnológicos, Política, Medicina, são tratados com expertise e objetividade. As soluções surgem rápidas, entre um gole e outro. Os governantes não as adotam porque não querem.

Um inimigo mais forte surgiu, nos  últimos anos, e passou a combater com tenacidade a conversa: o telefone celular. Não falo das ligações de um usuário para outro. Afinal, também é uma  forma válida de conversar. Falo das tais redes sociais, cujo  dependente fica horas olhando e cutucando a pequena tela. Além dos problemas ergonômicos , decorrente do pescoço encurvado, o inimigo causa danos mais sérios. Já vi várias vezes,  famílias inteiras , na  mesa de um restaurante, sem dizer palavra – além de grunidos eventuais – todos munidos do seu aparelho, e para ele dispensando total atenção.

Em compensação, descobri , depois que tornei-me sexagenário, outro ótimo ponto de conversa: a farmácia. Pessoas de idade mais avançada passam a se encontrar com certa regularidade nos balcões desses estabelecimentos. Algumas drogarias tem , inclusive,  o  requinte de disponibilizar  cadeiras ao público.  E tome conversa. Até novas camaradagens dá para fazer. O senhor que precisa das pílulas de vitamina, a senhorinha que sempre quer o remédio para os nervos, mas, nem sempre tem receita, e fica indignada quando não consegue comprar. O ancião que , com cara de moleque, recomenda comprimidos para disfunção erétil , e na semana seguinte pergunta se funcionou, embora eu não tenha comprado.  Os  velhos conhecidos. A melhor parte. Pessoas que não vemos há  décadas, de repente, reaparecem, e tome conversa. O colega de classe na escola primária, a beldade do ginásio, ainda conservando traços da ancestral elegância, o goleiro quase imbatível do time de futebol de salão, a antiga paquera,  que ajusta óculos grossos para ler a receita,  conta já ter netos no colégio. Tome conversa.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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