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Titular em Letras Clássicas, professor de Língua Latina, Literatura Latina e Literatura Grega da UFPB. Escritor, é membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

E pra Camões, nada?

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publicado em 10/06/2024 ás 07h35

Hoje, dia 10 de junho, é feriado em Portugal. É o Dia de Portugal e também o Dia de Camões. As comemorações prometem ser muito maiores do que as dos anos anteriores, tendo em vista que não só já se comemoraram os 50 anos da Revolução dos Cravos, no último 25 de abril, como neste ano de 2024 completam-se os 500 anos do maior poeta da Língua Portuguesa, Luís Vaz de Camões.

Supostamente nascido em janeiro de 1524, as festividades do seu natalício já ocorreram, mas foram apenas o aperitivo para a grande festa deste dia 10, data de sua morte, no ano de 1580, com programação extensa, incluindo publicações de livros e ainda uma nova biografia do poeta, cuja vida foi das mais controvertidas. Pajem, soldado, viajante, amante, brigão, prisioneiro, ruivo, caolho e, principalmente, poeta, Camões não é daqueles cuja vida pode ser chamada de um livro aberto. São muitos os pontos obscuros de sua biografia, dando margem a que se criem histórias a seu respeito, que só alimentam o mito daquele que se destaca no cenário da poesia de Língua Portuguesa. A pesquisadora Isabel Rios – aqui se diz investigadora – promete lançar novas e surpreendentes luzes a respeito da vida do poeta, no seu livro que deverá sair neste mês de junho.

O leitor poderá achar que eu sou insistente e louvaminheiro, quando me refiro a Camões como o maior poeta da Língua Portuguesa. Em minha defesa, vez que Camões não precisa de advogados, a sua obra fala por si própria e por ele, diria que não só o poeta produziu sonetos de alta qualidade, com total domínio do ritmo, das rimas, da métrica, do sentido e da fôrma de quatorze versos, que encerram esta forma poética, para alguns um autêntico Leito de Procusto, mas também o poeta, escapando da lírica, produziu na medida nova do decassílabo, recém-introduzido em Portugal, o grandioso poema épico Os Lusíadas, quando o mais comum eram os versos redondilhos, em que ele também foi mestre inigualável.

Explique-se ao leitor que Procusto foi um salteador da Grécia antiga que punia as suas vítimas colocando-as numa cama, a que ela deveria se ajustar: se menor do que a cama, a vítima seria espichada; se maior do que a cama, a vítima teria as pernas cortadas, para, assim caber na medida estabelecida. O Herói Teseu mata o terrível Procusto, submetendo-o à tortura por ele inventada. Assim, é o soneto, cuja construção não deve resultar num poema lasso ou angusto, com o poeta cortando ou espichando um assunto que ora é demasiado, ora é escasso, para caber em 14 versos. Camões é preciso e seus finais, o chamado fecho de ouro de do soneto, são irreprocháveis.

Os leitores do poeta certamente lembrarão duas das suas famosas definições do Amor. Uma no famoso soneto, “amor é fogo que arde sem ver,/é ferida que dói e não se sente,/é um contentamento descontente,/é dor que desatina sem doer”; outra, no soneto “Busque Amor novas artes, novo engenho”:

É um não sei quê, que nasce não sei onde,

Vem não sei com e dói não sei porquê.

Simplesmente genial.

No tocante à épica, a importância de Os Lusíadas é incontestável, como o maior poema da nossa língua, em fundo e forma, e também como o texto que estabelece uma ruptura definitiva com o galego, de onde o português vinha na empresa de se libertar desde o século XIV, principalmente depois da Batalha de Aljubarrota. O que se falava com bastante comodidade e liberdade – predomínio da ditongação e a queda do /n/ medial, por exemplo – associa-se a esta forma exclusiva da língua portuguesa, o “-ão”, permitindo, assim, a cisão definitiva com o espanhol, mais especificamente com o galego. Não tivesse produzida uma obra extensa, nem sonetos geniais, Camões ficaria no pódio por causa da instauração do que se convencionou chamar de “Língua Portuguesa Moderna”.

O poema, em si, é grandioso, tendo como núcleo a viagem, nunca dantes empreendida, de Vasco da Gama, em 1498, às Índias, abrindo os mares e promovendo o comércio para além do Mediterrâneo, na ocasião, controlado pelos turcos otomanos, desde a tomada de Constantinopla, em 1453, por Mehmet II. A expansão marítima abre a grande era das navegações fazendo de Portugal uma potência militar e econômica.

Camões não se restringe à viagem da Vasco da Gama, ela a usa como pretexto e pano de fundo, para poder contar a história de Portugal, desde Viriato, quando os Lusos fazem frente aos invasores romanos, no século III a. C., num período anterior ao Portugal fundado e expandido por Afonso Henriques, seu primeiro rei, com a Batalha de Ourique, em 1139, derrotando o invasor mouro. Camões estende a narrativa até a sua época, a segunda metade do século XVI, quando D. Sebastião, a quem a obra é dedicada, é o rei.

O poema, publicado em 1572, garante a Camões uma tença em vida, concedida pelo rei, que, seis anos mais tarde, perderia a sua vida na Batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos. Os Lusíadas, portanto, é livro de leituras e releituras constantes, pelo conhecimento multifacetado que ali se encontra. Livro para quem conhece a arte e a estima (“quem não conhece a Arte não na estima”), para quem, forte, não queira enfraquecer (“Um fraco rei faz fraca a forte gente”), para quem tem o desejo de consolidar o “saber d’ experiências feito” e tem a consciência de que as “coisas árduas e lustrosas se alcançam com trabalho e com fadiga”.

É sintomático que com a morte do maior poeta, Portugal caia nas mãos da Espanha e fique seu refém por 60 anos, com o episódio a que dão um título para lá de eufêmico de “União das Coroas Ibéricas”… Portugal, tendo no poeta o símbolo de sua liberdade, não esquece aquele que é o seu grande nome e que ajudou a fixar a sua glória ad aeternum.

Pergunta-se, pois: E no Brasil, para Camões, nada?

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB