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Paraibano da Capital. Tocador de violão e saxofone, tenta dominar o contrabaixo e mantém, por pura teimosia, longa convivência com a percussão, pandeiro, zabumba e triângulo. Escritor, jornalista e magistrado da área criminal do Tribunal de Justiça da Paraíba.

A BOLA E O VIDRO

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publicado em 17/06/2024 às 09h30

A tarde avançava, passava das três horas, mas, o sol do Cariri parecia nem desconfiar. Soberano no firmamento, ainda esquentava a terra avermelhada do sítio. As poucas sombras das algarobas não eram suficientes para abrandar o calor. A meninada não se preocupava com isso. Começava a chegar, vinda de todas direções.

Na única bicicleta que tinham, sem freios e espelhos, os quatro irmãos, sem camisa e sem chinelos, encarapitados em equilíbrio perfeito, ainda traziam uma velha bola de couro. Pareciam gêmeos, mirrados e ágeis. Não eram, um ano de vida separava cada um do próximo.

Da casa próxima ao campinho irregular, saíram mais dois. Era pertinho, vinham a pé mesmo. Outros, não se sabe de onde vinham. Talvez, das casinhas da beira do açude. Rapidamente, dez, doze , quinze, agruparam-se. Era a hora de “tirar” os times.

Como em toda pelada que se preze, os dois melhores jogadores não podiam estar no mesmo lado. Vaidosos da condição de craque, encaravam-se belicosamente, e começavam o longo processo de separar os demais. Após o sorteio, começava a escalação, seguindo uma rigorosa ordem decrescente de destreza e habilidade com a redonda.

Os melhores, eram logo requisitados. Os mais “grossos” iam ficando para o final. A escolha parecia seguir a geografia do campo: no ataque , driblando e fazendo gols, os mais habilidosos. Ficar no meio campo não era vergonhoso. A coisa começava a pesar quando chegava na defesa. Por alguma razão, determinou-se que os beques deveriam ser os menos aptos. Goleiro então, nem se fala. O pior de todos.

Tirados os times, começa a pelada. O campinho de terra ficava na área ao lado da Loja Maçônica Estrela de São Tomé. Nenhum dos meninos sabia , ao certo, o que era aquela edificação. Uma ou duas vezes por semana, chegavam vários homens, vestidos de preto ou de paletó , entravam no prédio, e só saíam horas depois. Alguém disse que era uma igreja, uma seita. O fato é que tinham um certo receio, e procuravam não incomodar.

Infelizmente, acidentes acontecem.

O miúdo atacante se aproximava rapidamente da área , deixando os zagueiros desnorteados. Armou o chute, visando a meta adversária, mas, no último segundo, o goleiro se antecipou e chutou a bola, no sentido da venta , com toda a força que tinha, evitando o gol certo.

O problema é que , seu nariz apontava diretamente para a janela da Loja Maçônica, guarnecida por vidros. A bola atinge o alvo indesejado, a vidraça se espatifa com o barulho característico.

Por um instante, silêncio e imobilidade total . Depois, o estouro da boiada. Meninos correndo em todas as direções, procurando se afastar o mais rápido possível do delito. Os quatro irmãos sobem agilmente na bicicleta e pedalam com vigor, não sem terem recuperado a bola primeira. Ninguém quer levar a culpa. Não se sabe como os homens de preto vão reagir ao prejuízo.

Nem precisava tanta pressa. Do alto, o Grande Arquiteto do Universo , apenas sorriu. A pelada era , provavelmente, a maior alegria daqueles pequenos.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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