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O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que regulamenta o artigo 227 da Constituição Federal, define as crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos, em condição peculiar de desenvolvimento, que demandam proteção integral e prioritária por parte da família, da sociedade e do Estado. Assim sendo, como consequência desta doutrina de proteção integral à criança e ao adolescente, também a integração operacional dos órgãos e instituições públicas e entidades da sociedade civil, visando além da proteção, à responsabilização por ação ou omissão de violação dos direitos, à aplicação dos instrumentos postulados pelo sistema e à interação entre os atores desse sistema.
Não há dúvidas que o advento do aludido estatuto, foi uma das maiores conquistas da sociedade brasileira. Esta lei é uma das mais avançadas e completas legislações do mundo, uma vez que colocou na pauta da agenda pública a proteção integral e os direitos da infância e da adolescência como prioridade absoluta – e inspirou inclusive, pelo menos16 países latino-americanos a transformar suas leis relativas a este público. Contudo, como bem afirma a Dra. Maria Rebeca Otero Gomes, coordenadora do setor de Educação da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, no Brasil), “…ainda há muito o que avançar para que o ECA amadureça na realidade do país e cumpra tudo aquilo que tentou estabelecer”.
É sabido que o Brasil é um país rico em leis, numericamente falando. Talvez nenhum outro país do mundo tenha tantas normas em vigor, mas é comum existir uma distância muito grande entre o que reza o texto legal e a sua prática efetiva. Há, inclusive, uma certa cultura no país, de as pessoas admitirem que existem “leis que pegam e leis que não pegam”, e isto, além de deseducativo é muito prejudicial à sociedade, pois lei é lei, e deve ser cumprida, ou modificada, caso a maioria da comunidade a interprete como injusta.
Em relação ao Estatuto em comento, pode-se dizer que este “pegou”, ou seja, o mesmo foi adotado pela sociedade brasileira, mas como já citado, muitos dos seus ditames ficam restritos à teoria, haja vista que muitas das medidas socioeducativas nele previstas são gritantemente desrespeitadas, principalmente pela falta de estrutura mínima dos órgãos e ou pela falta de empenho das pessoas que têm como obrigação legal o fiel cumprimento de tais medidas. E assim, é corriqueiro nos depararmos com o jogo de transferência de responsabilidades entre as autoridades e ou outros servidores públicos responsáveis pelos cuidados com este público, numa demonstração pura de omissão generalizada.
Assim sendo, a violência contra as crianças e adolescentes, e também as infrações cometidas por estes têm crescido de forma geométrica no Brasil, especialmente a partir dos 13 anos de idade, segundo atestam as estatísticas nacionais.
Alguns dados divulgados recentemente pela Fundação Abrink, apontam que, a cada 24 horas, o Brasil registrou 124 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes. Neste sentido ainda, a imprensa brasileira divulgou, num passado próximo, que no estado de São Paulo, que traduz de certa forma a realidade do país como um todo, houve um incremento de 80% nos últimos dez anos, em relação à criminalidade (atos infracionais) do público juvenil.
Para citar um exemplo da região Nordeste, é importante registrar que a Paraíba, é um dos estados brasileiros com maior população adolescente privada de liberdade, se levados em conta os dados por cem mil habitantes. As causas principais desta institucionalização são: homicídio, roubo e tráfico. Ainda neste estado, relatos da imprensa local afirmam que, a cada dois dias um menor de 18 anos é assassinado.
É importante reconhecer que o ECA trouxe avanços, como por exemplo: um incremento do número de crianças matriculadas, a diminuição da mortalidade infantil etc., mas no que se refere às violências, o referido estatuto não tem conseguido o efeito protetor desejado pois, como atestam os dados, não tem conseguido proteger as crianças e adolescentes nem a sociedade em geral das ações violentas destes jovens.
A maioria esmagadora dos especialistas concordam que a punição para ser pedagógica e, consequentemente, educativa, além de humanizada e justa precisa ser efetiva, pois só assim será capaz de desestimular outros possíveis infratores e promover o sentimento de justiça na sociedade, e em especial para as vítimas e seus familiares. E, assim sendo, servirá de proteção não só ao infrator, mas também a toda à comunidade, evitando com isto a conhecida “justiça com as próprias mãos”, tão comum no Brasil, e que nada mais é senão um ato de vingança pura geradora de mais violências.
Mas a verdade é que tem sido comum que tais medidas educativas, sejam geralmente cumpridas em locais e instituições insalubres e inadequadas, constituindo-se em verdadeiros “depósitos” de jovens, em total descumprimento ao que preceitua o Estatuto da Criança e do Adolescente. E, desta forma, servem não como espaços socioeducativos, mas sim como academias de formação e aprimoramento de novos e violentos criminosos.
Portanto, se queremos realmente proteger nossos jovens e a todos nós, precisamos minimizar as omissões e maximizar as ações de cuidados e proteção com as crianças e adolescentes.
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OPINIÃO - 22/11/2024