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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Ângela no rio com Camões

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publicado em 25/06/2024 às 07h00
atualizado em 25/06/2024 às 04h50

Apesar de termos vindo de primórdios, da contemplação da mata, eu do sertão e ela da “Fazenda Confusão”, procuramos dar toda importância ao conhecimento. Ângela Bezerra é uma mulher completa.

De um discurso acadêmico e preferido, a sala de aula, onde ensinou, Ângela alcança a percepção intensa que caracteriza a verdadeira face do estudo e do quanto isso é importante na vida de uma pessoa.

Buscando observações literárias, fiquei atento na última conversa – sempre falamos mais de literatura, que de nós mesmos. Grande parte do conteúdo eu aprendo, sem nunca ter sido seu aluno.

Fomos almoçar longe dos estridores e asperezas que o rio leva e traz, o nosso rio enquanto exemplo da poesia, de tal modo que me impressiona uma mulher com mais 80 anos declamar sonetos de Camões, quando a métrica se distende, até não mais desaparecer.

O que se mantém vivo é o enunciado. É isso, Ângela Bezerra é o próprio enunciado, a quem não precisamos cortejá-la, já é prioritária – há muito tempo, de quem só vejo clareza, conhecimento de causa e a fonte que nunca seca.

Falamos na escritora Mariana Colasanti, seu marido Afonso Romano de Santana, este com Alzheimer, e dos tempos em que Ângela fez o mestrado na PUC -Rio e o doutorado UFRJ.

Premiada

Tenho a primeira edição de seu livro “A Re-Leitura de A Bagaceira – uma aprendizagem de desaprender”, vencedor do Prêmio José Américo de Literatura, em 1987, com selo da José Olympio Editora – não é pra qualquer um.

Na dedicatória, seis anos após o lançamento, datado de 1993, ela pede desculpa “por todas as demoras”. Ângela vai bem mais, bem mais.

A conversa chegou até Luís de Camões. em que repetidas vezes o poeta português é motivo de nossos encontros, digo, encantos.

Desta vez ela declamou e eu gravei o soneto “Suspiros Inflamados”, uma obra de arte, que nos remete para o rio do esquecimento, quando o rio se chamava Lete, e ao passar por ele, tudo se apagava. É complicado de entender.

Lete

Na mitologia grega, Lete é um dos rios do Hades. Aqueles que bebessem de sua água ou, até mesmo, tocassem na sua água experimentariam o completo esquecimento.

No soneto “Suspiros Inflamados”, Camões deixa claro que não queria que seus escritos se apagassem – “Eu mouro e não vos levo, porque hei medo, que, ao passar do Lete, vos percais”

É preciso passar a vida toda para alcançar um nível de depuração sobre a obra de Luís Vaz de Camões. Obrigado, Ângela!

Aqui está o soneto

Suspiros inflamados, que cantais

a tristeza com que eu vivi tão ledo!

Eu mouro e não vos levo, porque hei medo

que, ao passar do Lete, vos percais.

Escritos para sempre já ficais

onde vos mostrarão todos co dedo

como exemplo de males; que eu concedo

que para aviso de outros estejais.

Em quem, pois, virdes falsas esperanças

de Amor e da Fortuna, cujos danos

alguns terão por bem-aventuranças,

dizei-lhe que os servistes muitos anos;

e que em Fortuna tudo são mudanças,

e que em Amor não há senão enganos.

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* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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