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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Deixem Aranha em paz

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publicado em 28/07/2024 ás 09h07
atualizado em 28/07/2024 ás 09h13

 

Numa terça-feira de julho, saindo do Hospital  Napoleão Laureano, encontro um radialista, que dispara: “você já foi fazer uma visita a Carlos Aranha?” Não respondi.  Esse homem nunca está a ler um livro, o radialista.

Estava com “O livro do desassossego” de Fernando Pessoa e, talvez por um sortilégio, a criatura insistiu: “eu estive com ele, quer as fotos?  Não, não faça isso, não saia mostrando as fotos de uma pessoa como se ela fosse o homem elefante.

Sai dali sem acreditar, tinha ido a uma solenidade e encontro a pessoa a mostrar fotografias em que ela aparece do lado do jornalista Carlos Aranha. Uma agonia esses instantes infernais dos prints, capturas de imagens encaminhadas pelo Zap.. Não faça isso.

O bairro de Jaguaribe quase deserto, próximo do bairro de Cruz das Armas, onde Carlos Aranha não habita mais, sequer sabe que está sendo fotografado –  pessoas doentes? Não faça isso “colega”, como dizia Barbosinha.

Carlos Aranha há muito deixou que “essas coisas” desaparecessem de nós, da sua vida (um amigo, uma mulher, Ivone pelo telefone, o pai, um poeta puto, uma casa, uma crônica), das quais parece que está a se despedir.

Esse percurso, ousadia, curiosidade, literatura, já não interessa a Carlos Aranha – se Caetano Veloso estacionou um dia seu carro no Leblon, ou se Gilberto Gil anunciou que fará sua última turnê, em 2025. Nada.

Carlos está chegando aos 80 anos e ele precisa ficar em paz, talvez não goste mais de dormir, nem de acordar, sequer encontrar mortos vivos no mesmo abrigo. Mortos vivos não interessam.

Certas visitas são desnecessárias e certas pessoas, atitudes escrupulosas. Evite visitar uma pessoa que está doente, caso você não tenha tido com ela uma relação estreita, fraternal.

Deixem Aranha em paz, a ficar a não pensar nas coisas esquecidas, as manhãs tediosas, sem as fotografias sobre a cômoda, com seus suspiros sem choro, solitário. Deixe-o.

Carlos Aranha nunca foi um réquiem, it’s happening, um passarinho. Fez o que pode mais pelos os outros, do que por si mesmo; ou ao contrário, talvez um samba acabado, uma extravagância, ouvindo Wonderful World do Louis Armstrong, do que foi e não foi, não será, um Brasil Wonderland.

Talvez um abraço, uma homenagem minha, um pacato cidadão com seus problemas, um ato de afeto de um jornalista que quis escrever e escreveu tudo que quis.

 Luz do sol segue apagando, seja onde for, até numa cama onde nunca dormimos. Um telefonema e a plasticidade da imagem, arrastada pelo coro dos imbecis.

Talvez por isso se cavam sepulturas antes, para aqueles que não morreram na guerra das palavras.

Deixem Carlos Aranha…

 

Kapetadas

1 – Pensa que é jornalista, mas não passa de um plantador de vírgulas.

2 – Quando para o relógio da linguagem ao recarrega-lo é muito mais flutuante do que escrever para leitores que não leem nada.

3 – Som na caixa: “Enquanto a coca enche o nariz, a grana incha a matriz, o pênis penetra a velha atriz”, dele Sociedade dos Poetas Putos

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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