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Cavalo-Marinho é um folguedo cênico típico da Paraíba e Pernambuco. O auto integra o ciclo de festejos natalinos e o término se dá com a festa de Reis que presta homenagem aos Reis Magos. As apresentações se processam ao som da orquestra conhecida como banco, composta de rabeca, ganzá, pandeiro, bage de taboca e zabumbas. O folguedo possui 76 personagens (figuras), divididas em três categorias: humanas, fantásticas e animais. Entre as humanas estão o Capitão, Mateus, Bastião, Mestre, Ambrósio, Soldado da Guarita, Mané do Baile, Valentão, Pisa Pilão e Barre Rua. Nas fantásticas estão Caboclo de Urubá, Parece mas não é, Morte, Diabo, Babau, Jaraguá. E os animais são Boi, Ema, Cavalo, Macaco, Onça e Burra. Uma apresentação com todas as figuras pode ter duração de oito horas seguidas. Acontecem entre julho e janeiro, com destaque para os dias de natal, ano-novo e dia de reis. No decorrer da apresentação, os brincantes tradicionalmente todos homens – assumem diferentes papéis, mediante a troca de roupa ou de máscara, com exceção dos negros Bastião e Mateus, que permanecem os mesmos durante todo o espetáculo. O auto reúne encenações, coreografias, improvisos e toadas, além de uma série de danças tradicionais, tais como o coco, o mergulhão e a dança de São Gonçalo.
O espetáculo é narrado através da linguagem falada, da declamação de loas e toadas – como são conhecidas as estrofes poéticas que integram o enredo. Os personagens, de modo geral, interagem com o público presente, sobretudo Mateus e Bastião, que, constantes em todos os atos, tecem comentários satíricos sobre a apresentação em si, sobre os indivíduos do público, ou sobre quaisquer outros assuntos. Assemelha-se ao reisado, ao bumba-meu-boi e a outros folguedos brasileiros. Bem como certas manifestações populares cênicas de Portugal, como o boi fingido e a nau-catarineta. Os brincantes, na execução do festejo, dão vivas a Jesus, à Virgem Maria, a São Gonçalo a aos santos de devoção do dono da casa onde se processa a apresentação. Para estas manifestações de religiosidade católica agregam-se os pontos em honra à jurema, entoados pelo Caboclo e certos elementos do Xangô do Nordeste.
Os personagens do auto refletem a sociedade colonial da Zona da Mata nordestina: Mateus e Bastião, que trazem os rostos pintados de preto, representam a forte presença negra na agropecuária açucareira; o capitão, montado em seu cavalo, representa o grande latifundiário, dono do engenho; o soldado, subserviente ao capitão, é o elemento opressor à serviço do poder político; os galantes e as damas aludem à faustosa aristocracia que se desenvolveu em torno da cultura da cana. Outros personagens incluem o Caboclo – entidade catimbozeira que canta hinos em homenagem à jurema -, o boi, a Catirina, esposa simultânea de Mateus e Sebastião, o Ambrósio, o Empata-samba, O matuto da Goma, a Véia do bambu, cada personagem possui uma história diferente narrada em sua passagem pela roda de samba.
O grupo de músicos que acompanha a brincadeira do início ao fim é conhecido como banca, bancada ou orquestra (a primeira expressão é mais comum em Pernambuco, as duas últimas são muito usadas na Paraíba). Eles tocam os instrumentos e cantam as toadas. Além de cantar, eles também são participantes dos momentos dramáticos, interagindo com as figuras. Eles podem fazer isso sentados, respondendo as figuras da roda, mas em grupo. O mínimo de participantes admitidos para se brincar são quatro, porém não há limite de integrantes. A formação mínima consiste de um rabequeiro, um bagista, um pandeirista e um maneirista. Eles sentam em um longo banco de madeira e provavelmente, daí que veio o nome deles. Sempre há o que puxa as toadas (toadeiros), que é o responsável pela estrofe, e os que acompanham, respondendo os versos ou os repetindo. O que puxa as toadas é o que tem liberdade para improvisar.
No estada da Paraíba, a formação da bancada pode variar conforme o grupo, no Cavalo Marinho Infantil Sementes do Mestre João do Boi (João Pessoa), um dos mais ativos do estado e comandado pela mestra Tina, usa-se o pandeiro, o reco-reco, o triângulo e o ganzá; atualmente é muito difícil o grupo se apresentar com a rabeca em razão da falta de rabequeiro na região, já tendo sido usado em seu lugar, o bandolim e o banjo, instrumentos tocados pelo conhecido mestre Maciel da lapinha de Mandacaru.
A trama do cavalo-marinho gravita em torno do baile, que será oferecido pelo Capitão Marinho em honra dos Santos Reis do Oriente, e para o qual foram convidados os galantes e as damas. O capitão organiza não só baile, mas também preside todo o folguedo, comanda a brincadeira através do toque do apito. Para organizar o terreiro onde ocorrerá a festa, Marinho contrata dois negros, Mateus e Bastião, personagens bufões responsáveis, em grande parte, pela comicidade do folguedo. Ambos carregam junto a si a bexiga, bexiga do boi curtida, que percutem contra o corpo para auxiliar na musicalidade em som rítmico iguais às pancadas do coração. Mateus e Bastião, entretanto, se rebelam, e passam a se dizer donos do terreiro. O capitão Marinho convoca então o Soldado da guarita, que utiliza-se da força para restabelecer a ordem no terreiro. Quando a situação parece estar normalizada, surge o Empata-samba, arquétipo do homem “valentão” que, como sugere o nome, impede a festividade de prosseguir.
A apresentação atinge o seu clímax com a chegada do capitão com seus galantes e damas, que realizam a dança dos arcos. Esta modalidade de dança coreografada apresenta visíveis semelhanças com a dança de São Gonçalo – uma espécie de baile devocional de origem portuguesa ainda praticado em diversos estados brasileiros, sobretudo no Nordeste. Os galantes, em pares ou em círculo, seguram nas pontas dos arcos de madeira enfeitados de fitas, realizando, então, coreografias que até o fim da noite a brincadeira vai recebendo figuras, personagens cômicas e sinistras, animais encantados, etc. Ao cair da madrugada, no fim da brincadeira, Mateus e Bastião acabam matando o boi que é muitas vezes repartido, finalizando a brincadeira com os cocos de despedida.
Coro:
Toca bem esta viola
No baiano gemedor,
Que o Mateus e o Fidelis
São dois cabras dançador.
No passo da juriti,
Tico-tico, rouxinol,
Se Fidelis dança bem,
O Mateus dança melhor.
O tocador da viola
Tem os olhos muito esperto,
O som da sua viola
Parece-me um céu aberto.
Eu quero boa viola
Para fazer toda a festa,
O bom pandeiro concerta
O samba na Floresta.
Eu fui do que nasci
Na maré dos caranguejos,
Quanto mais carinhos faço,
Mais desprezado me vejo.
Como sou filho de povo,
Tenho o dom da natureza;
Não sou feliz, mas bem passo
Com toda a minha natureza.
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