João Pessoa, 16 de janeiro de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Vou falar da formatura de Antônio Carlos de Araújo Neto, filho mais velho de minha filha Marielza. Por que? Senti que merece registro especial. Antônio anteriormente havia decidido cursar engenharia e saiu-se muito bem no vestibular e assim seguiu todo tempo bem sucedido nas tarefas acadêmicas. Durante o curso e na militância da vida estudantil pensou fazer um movimento para tornar o nome do Centro Acadêmico Professor Serafim Rodriguez Martinez, como forma de homenagear seu bisavô que foi fundador da Escola de Engenharia na Paraíba. Já estava pensando na festa de formatura de Engenharia. Nós, avós, fomos sempre presentes em sua vida acompanhando-o em todos eventos e acontecimentos. Assim seguia.
Um dia, Antônio chega a nossa casa e diz: “eu gostaria de falar com vocês se referindo a mim e ao avô. Fiquei ansiosa e apreensiva pois sentia que seria algo sério. Sentamo-nos e ele continuou: “Eu quero tomar uma decisão na minha vida e queria comunicar a vocês em primeira mão. Quero dizer, que já foi pensada e medida e eu estou irredutível e resoluto com a certeza do que quero. Vou abandonar o Curso de Engenharia. Constatei que apesar de ir bem não me encontro satisfeito e sei que isso vai repercutir na minha vida profissional e eu não me vejo inteiro no que faço. Sei que vou ser um profissional frustrado. Por esta razão eu estou a falar em busca do apoio de vocês, nesta decisão que é muito importante para minha vida. Vou deixar tudo e nesses seis meses para frente vou estudar para o vestibular de medicina”. Diante da exposição feita e com argumentos sólidos e firmes sentimos sua determinação na tomada de decisão e não tivemos outra alternativa senão ampará-lo para que ele se sentisse apoiado em nós como uma ancora no porto seguro. Mudou tudo na vida de Antônio. Enveredou com o seu tempo tomado pelo estudo intensivo sem que nada desviasse do foco. Prestou concurso vestibular em 2018 para medicina, classificando-se. Assim, ingressou no Curso de Graduação em Medicina.
A construção do homem completa-se com a sua formação profissional. A profissão para o homem, a meu ver, é a mais importante ação de sua vida. Mais do que o casamento pois este pode não dar certo, e pode ser concertado ou reconstituído, mas a profissão não, quando se escolhe mal isto causa incômodos não só para as pessoas que a exercem, como para as quais vai prestar serviço ou assistência. Quando Antônio tomou esta decisão eu mesmo achei mais acertada pois é do seu temperamento servir, prestar ajuda às pessoas e a dimensão humana era mais presente em seu temperamento que a técnica como a engenharia exigia, não que não fosse competente no que fazia, mas quando se emprega a alma e o coração nos atos que realizamos eles são mais efetivos e prazerosos. Achei a mudança por demais oportuna, ela foi mais assertiva e creio que terá o êxito esperado. Nessa direção vi uma colocação feita pelo Papa Francisco que se acosta ao nosso pensamento:
“Os rios não bebem sua própria água, as árvores não comem os seus próprios frutos, o sol não brilha para si mesmo e as flores não espalham a sua fragrância para si. Viver para os outros é uma regra da natureza, a vida é boa quando você está feliz, mas a vida é muito melhor quando os outros estão felizes por sua causa.”
Durante o Curso de Medicina Antônio lutou muito, lecionou em Curso preparatório para vestibular, casou e teve uma filhinha, assumiu ser chefe de família e surgiram outros compromissos. Foi uma vida de dificuldade e resiliência, mas nunca lhe faltou garra e determinação para enfrentar os desafios e as vicissitudes que lhes apresentavam. Diante desse caminhar é chegado o grande dia da formatura de Antônio, dia 9 de janeiro de 2025.
A formatura para o homem é a culminância de sua realização enquanto construção profissional, o momento de consagração pessoal. É a constatação dos loiros da vitória obtidos durante a vida acadêmica. Ocasião de muita emoção e gratidão dos formandos com relação aos professores e destes com relação aos alunos, a Universidade como locos de produção científica e construção epistemológica do conhecimento e do saber, por oferecer a oportunidade de crescimento e desenvolvimento pessoal e profissional por excelência, aos familiares que contribuíram direta ou indiretamente para chegarem até aquela comemoração. Esta solenidade se reveste de todo ritual protocolar cerimonialístico que faz parte do mundo acadêmico universitário, dando satisfação e prestando contas à sociedade de suas funções: ensino, pesquisa e extensão. Cumpre o seu papel, devolvendo a sociedade pessoas formadas em seus intramuros, todavia, agora capacitadas para transformarem a realidade onde irão atuar como sujeitos, no caso de médicos, históricos e situados. É como dizer: Você está pronto para o mercado de trabalho.
A cerimonia de formatura seguiu as normas protocolares: constituída a mesa sob a presidência da Magnifica Reitora da UFPB, Terezinha Domiciano, procedida a chamada dos professores que participaram do corpo docente da turma concluinte 108. Entrada dos alunos com seus respectivos padrinhos e madrinhas ao recinto. Abertos os trabalhos pela presidência fizeram uso da palavra todos os professores. Em suas falas os docentes, cada um de modo peculiar, procuraram abordar o perfil da turma e as peculiaridades que chamaram mais atenção durante sua vivencia e relacionamento como os alunos, ora contando fatos pitorescos e hilariantes que chamaram sua atenção e que faziam lembrar ate hoje. Outros, preferiram assumir a função do professor aconselhador, mostrando como deviam agir, chamando-os a atenção da responsabilidade a ser enfrentada na atuação como médicos que lidam com vidas humanas e não admite equívocos. Outro deu ênfase ao momento em si refletindo que a partir daquele dia cada um seguirá seu destino, percorrendo novos caminhos e andando com suas próprias pernas, pois não teriam mais o professor a seu lado e suas ações e decisões serão tomadas na solidão laboral do exercício médico. As amizades que fizeram durante o tempo da vida acadêmica ora separadas, mas que levarão consigo o sentimento da amizade, das recordações e das boas lembranças. Dos momentos difíceis que viveram e se ajudaram uns aos outros mutuamente, comungando do espírito coletivo e do companheirismo alimentado entre eles que os fizeram felizes o tempo que passaram juntos. Restando só a saudade que os acompanhará e tornará viva em suas memórias da época da vida universitária. Os discursos se procederam, porém não foram cansativos, pelo contrário, prazerosos e leves, desenhando para a plateia sentir e parecer que estava voltando no tempo e esta retrospectiva às vezes triste, emocionante, e agradável, deixava todos nós que estávamos assistindo encantados com a ocasião e a experiência relatada de forma tão verdadeira do que viveram.
Após os discursos dos docentes os formandos procederam o juramento. Em seguida, o formando Ariel Almeida recebeu o Grau de Médico em nome da turma, após a formanda Maria Gabriela Porfírio procedeu sua oração que tomo a liberdade de publicá-la pois foi realmente uma peça que traduz toda a alegria, felicidade e emoção expressa e sentida pela turma durante sua vida acadêmica, trazida para aquela ocasião de maneira magistral.
Senhoras e senhores, bom dia!
Primeiramente quero agradecer aos familiares, os amigos e as pessoas especiais que se encontram aqui, nesta manhã, para celebrar conosco um momento tão único em nossas vidas. Em seguida, quero agradecer a meus colegas de turma, por terem me permitido a honra e responsabilidade de subir ao púlpito, e falar em nome dos formandos. Por fim, mas não menos importante, agradeço a nossos mestres, cuja presenças representam a si e muitos outros que pavimentaram o caminho até vivermos, agora, o ápice de nossas trajetórias acadêmicas.
Meus amigos, discursar em nome da 108, não é, nem de longe, a tarefa mais fácil com a qual me deparei na vida. Na verdade, é bem possível que a provação mais desafiadora que a nossa turma enfrentou, ao longo desses 7 anos, não se compare à missão hercúlea de representar pessoas tão diferentes entre si. E, olha que, nesse barco onde navegamos juntos, não faltaram provações. Tropeçamos em uma pandemia, que nos “presenteou” com mais 1 ano de curso, lutamos para iniciar o internato, assistimos outras turmas adiantarem 1 a 2 semestres, enquanto os guerreiros ficavam para trás. E, quando finalmente conseguimos voltar ao HU, nossa casa, chegamos tal qual astronautas. Prontos para enfrentar todos os perigos… Do ambulatório de dermatologia.
Enfim, não cabem mais exemplos para atestar que a turma 108 une-se nas dificuldades, e por elas é inspirada. Dito isso, solicito permissão para honrar nosso amigo, Matheus, o qual nomeia nossa turma com um exemplo de perseverança e de resiliência, que o define individualmente, tanto quanto define nossa turma.
É.. Apesar das divergências que nos separam, algo nos une da maneira mais óbvia possível: nosso tempo compartilhado como graduandos de medicina na Universidade Federal da Paraíba. Nesse tempo, muitos acontecimentos marcaram a história da nossa turma e nossas histórias individualmente também. É disso que vamos nos lembrar no futuro, amigos, quando tivermos muitos muitos muitos anos de formados: do caminho que, embora individual, percorremos de maneira coletiva.
Antes mesmo de entrar pelas portas CCM pela primeira vez, cada um enfrentou uma batalha árdua no vestibular, e, embora nossas lutas não tenham sido iguais, nem proporcionais, tenho certeza que todos venceram muitas dificuldades. E, mesmo chegada a tão sonhada aprovação, os obstáculos não findaram. Inúmeros colegas deixaram seus estados, o conforto dos seus lares, seus amigos, alguns deixaram outros cursos, suas profissões, e muitos, ainda tiveram que conciliar seus ofícios com o curso. São muitas histórias inspiradoras, e tenho certeza que, para todos, cada um na sua medida, foi muito difícil. Não pela nossa vitória propriamente, mas por esta mesma luta a que tanto tenho me referido, sei que fizemos nossos pais muito orgulhosos.
Afinal, foram muitos desafios aos quais sobrevivemos. Que susto ao ter contato, pela primeira vez, com a quantidade de orifícios e forames que um crânio humano pode ter!
Susto maior só o de decorar o ciclo de krebs para a prova de bioquímica ou a gênese de cada tecido para a prova de embrio. Na época, foi desesperador, mas hoje podemos olhar para trás e nos divertir com esses momentos. Conforme fomos crescendo no conhecimento, cresceram também as responsabilidades. Passamos a ter contato direto com os pacientes, um momento que, tenho certeza, foi inesquecível. Com as mãos tremendo, fizemos nossa primeira anamnese e exame físico. Auscultamos o paciente, e quando os professores faziam a fatídica pergunta: “conseguiu escutar?”. Balançamos a cabeça em afirmativa, depois de não ter escutado absolutamente nada.
Fechando esse ciclo, estamos aqui reunidos hoje, após 02 anos intensos de vivência diária no serviço que também podemos chamar de casa, afinal, muitas vezes, nele passamos mais tempo que em nossos lares. Comemoramos o encerramento de um percurso rico em aprendizados, pessoas, vitórias, derrotas, mas principalmente em superação. E, aproveitando o sentimento de desenlace, que nos une hoje, gostaria de fazer, a todos os presentes, uma pergunta que muito andou me perpassando a mente, nesse encerramento, e durante o preparo desse discurso: O que é preciso para formar um bom médico? Seria o conhecimento o principal ingrediente? Logo descartei essa possibilidade, pois, nem todo o conhecimento do mundo, pode sozinho construir um bom médico. Seria a determinação? Embora seja uma característica louvável, já aprendemos que um bom médico sabe a hora de curar e a de confortar. Seria a precisão? Bom, mesmo com o pouco tempo em que pudemos viver o mundo da medicina, já vimos que não há profissional imaculado pela sombra do erro. Pensei em muitas outras qualidades, mas nenhuma parecia ser o cerne da formação médica. Então, depois de muito refletir, finalmente pude chegar a minha resposta – aquela que conforta minha mente – para formar um bom médico, é preciso de: pessoas! Através das pessoas que constroem nossos lares, tivemos a possibilidade de sonhar e realizar, através das pessoas que conhecemos no curso, engendramos amizades que nos fortaleceram nas dificuldades, através das pessoas que nos ensinaram sua arte, pudemos crescer, evoluir e descobrir quem queríamos ser, através das pessoas que nos permitiram aprender com seu momento mais vulnerável: a doença, fomos formados com humanos, antes de médicos, com as pessoas que trabalham nos hospitais, aprendemos a humildade de lembrar que – mesmo ante os livros – a experiência tem seu valor. E, por fim, é através das pessoas que conheceremos daqui em diante, que seremos lapidados nos profissionais que podemos ser, que os nossos professores sonharam que fôssemos e que os pacientes merecem que sejamos.
E, justamente, porque a resposta para essa pergunta é “pessoas”, peço permissão a meus colegas, para finalizar este discurso, direcionando pessoalmente alguns agradecimentos àqueles que foram os alicerces de nossas trajetórias:
Às famílias, especialmente, à minha, obrigada por nos darem asas para voar, cada uma na sua possibilidade, nutriu nosso ânimo de chegar até esse tão sonhado momento. Não há agradecimento suficiente para quem doa a vida, mas espero que aceitem essas sinceras palavras.
Aos professores, muito obrigada por de fato amarem a medicina, pois só aquele que verdadeiramente ama seu ofício, e não a vaidade que ele agrega, tem a nobreza de dividir com as novas gerações aquilo que sabe.
Aos pacientes, agradecemos por nos permitirem conhecer não apenas suas doenças, mas suas famílias, suas vidas e suas fragilidades. Ter contato com as vulnerabilidades, e ser o portador das esperanças de alguém, é talvez a maior lição de humildade e responsabilidade e que um ser humano pode ter.
E, por fim, a todos os meus colegas: obrigada! Pois, se para formar um bom médico, é preciso de pessoas, me emociona profundamente dizer que, entre todas as que existem no mundo, não há alegria maior que saber que as escolhidas para viver esse caminho comigo, foram vocês.
Obrigada, turma 108!
Que Deus nos abençoe em abundância.
Ao término do seu discurso, a agora médica Maria Gabriela Porfírio emocionou a todos da plateia com suas palavras. Em especial os familiares e docentes ali presentes.
Em seguida o formando Rodrigo Ferreira proferiu a homenagem aos mestres. Ao término a Magnifica Reitora Terezinha Domiciano usou a palavra final prosseguindo o encerramento.
Queria dar um testemunho, como professora universitária e tendo assistido atos de formatura inúmeros, confesso que a cerimônia dos formandos de medicina nesse dia 9 de janeiro de 2025, que ocorreu no auditório do Centro de Ciências Médicas, foi um dos mais simples, mas de um cunho significativo, onde observei o envolvimento dos docentes com seus alunos e destes com eles. Os conteúdos dos discursos sendo verdadeiros libelos expondo questões profundas onde podíamos observar nitidamente a união do cientifico com o humano o que é próprio da formação do profissional da medicina e, como a aluna oradora bem expressou, antes do profissional existe a pessoa e ela age com o sentido técnico-humano, e é este sentimento que faz o médico diferente por lidar com vidas.
Ao participar da solenidade de formatura dos formandos da turma 108 de medicina, fiquei feliz por constatar que a minha Universidade está viva e cumprindo o seu compromisso com a sociedade paraibana: formar profissionais comprometidos com a competência e que possam transformar a dura realidade nosológica existente na Paraíba. Uma manhã memorável! Parabéns Antônio Carlos! Parabéns turma de medicina 108!
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novo protesto - 16/01/2025