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Kubitschek Pinheiro – MaisPB
Fotos – Nicolas Godim
Numa praia bela chamada Aracati, no leste do Ceará, dois músicos brasileiros, Jaques Morelenbaum e Ricardo Bacelar produziram um dos melhores álbuns de 2024 e deram o nome de Aracati – concebido e gravado em 15 dias. Ricardo Bacelar montou um pequeno estúdio em um quarto, na casa onde instalaram com seu piano elétrico, Jaques, o cello.
Uma semana em contato com as dunas, o mar, as belezas naturais de Aracati e muita conversa boa. Tocaram muito e tudo se inspirou na criação do álbum Na semana seguinte, Ricardo e Jaques foram para o Jasmin Studio, em Fortaleza e produziram o álbum.
Além das três parcerias que fizeram juntos em Aracati, o novo disco traz músicas como “Quando a Noite Vem”, a única cantada por Ricardo Bacelar, (da parceria com Giuliano Eriston); “Falésias” (Ricardo Bacelar /Luciano Raulino), além de temas que Ricardo Bacelar e Jaques Morelenbaum já haviam composto, sozinhos.
Um e outro
Produzido a quatro mãos, “Aracati”, essencialmente instrumental, traz impresso o DNA de seus protagonistas. Arranjador de artistas como Tom Jobim, Caetano Veloso, Marisa Monte, Ryuichi Sakamoto e Sting, entre tantos outros, Jaques Morelenbaum é uma referência internacional em seu instrumento. Jaques e Ricardo se conheceram em 2022, na gravação do álbum “Andar com Gil”, do qual o músico carioca participou na faixa “Prece”, ao lado de Gilberto Gil. Em novembro do ano passado, gravaram juntos “O meio do mundo”, tema de Bacelar lançado como single. Recentemente, Jaques participou como convidado do álbum “Donato”, de Leila Pinheiro e Ricardo Bacelar.
Além de multi instrumentista, cantor e arranjador, Bacelar vem produzindo, à frente do selo Jasmin Music e do Jasmin Studio, um catálogo com singles e álbuns de artistas como Flávio Ventunini, Leila Pinheiro, Toninho Horta, Roberto Menescal, Fagner, Flora Purim e Airto Moreira, Delia Fischer e Gilberto Gil, Ednardo e Amelinha, privilegiando a boa música brasileira. “
Ricardo Bacelar
MaisPB – O disco tem uma sonoridade linda e já na primeira faixa Correios tem umas vozes é dos nativos de Aracati?
Ricardo Bacelar – Não, essas vozes não são de Aracati. Eu também gostei muito da sonoridade. É um disco que tem uma certa originalidade, porque nós fizemos uma vivência dentro daquele lugar: nós fomos para uma praia, aqui perto de Fortaleza, chamada Aracati. É uma cidade muito antiga do Ceará que tem falésias, um mar muito bonito e uma natureza incrível. Bem, você está certo, o álbum foi concebido em Aracati. A gente tocou muito lá e veio gravar no estúdio, em Fortaleza, mas se não tivesse acontecido essa imersão em Aracati, seria um outro disco. Todo o astral, toda amizade, toda conversa, todo sol, toda lua, todo peixe que a gente viu lá, as falésias, aquela vista toda, né? Noites e noites de conversas sobre muitas coisas. O Jaques virou um amigo.
MaisPB – Aliás, que ideia fantástica gravar um disco com o arranjador Jaques Morelenbaum num lugar encantado como Aracati. Puxa vida! Vamos falar sobre essa experiência?
Ricardo Bacelar – Você sabe que as praias do Nordeste são lindas, né? Então, eu convidei o Jaques e nós dois ficamos durante uma semana por lá. A gente levou um estúdio móvel, um computador, um piano elétrico e um cello, e montamos um estúdio em um dos quartos da casa. A gente ia tomar um banho de mar e voltava, tocava um pouco e voltava para a praia. E aí ficamos convivendo com todo aquele ambiente: a natureza, os animais, vendo as jangadas, andando a cavalo, tomando banho de mar, conversando muito.
MaisPB – Então, vocês primeiro ficaram sentiram a natureza?
Ricardo Bacelar – Sim. Depois dessa semana, a gente tocou bastante, fez algumas músicas, preparou os arranjos de outras que já estavam prontas, algumas minhas e outras dele, e aí gravamos o disco em uma semana, já no estúdio Jasmin, em Fortaleza. Então, foram 15 dias de trabalho. Foi muito produtivo, e gerou uma sonoridade que eu acho linda, com essa influência da música nordestina, que está muito presente. Inclusive, tem horas em que o violoncelo lembra uma rabeca, um instrumento aqui muito utilizado no Nordeste. Então, essa é a história do disco. O Jaques é um músico muito talentoso, muito experiente, um mestre. Foi uma satisfação muito grande.
MaisPB – Vocês já tinham trabalhado juntos, não é?
Ricardo Bacelar – Eu já tinha trabalhado com o Jaques três vezes. A primeira foi quando gravamos com o Gilberto Gil a faixa Prece, do disco que lancei com a Delia Fischer. Depois, nós dois gravamos juntos uma música minha chamada O Meio do Mundo, que foi lançada como single. O Jaques participou como convidado do disco que eu fiz com a Leila Pinheiro chamado Donato, em homenagem ao João Donato. Por conta de toda essa proximidade, combinamos de fazer esse álbum juntos e o resultado foi esse: um disco que tem muita personalidade, porque por trás dele houve toda uma vivência, né? O repertório tem uma unidade e também reflete essa ambiência. Fiquei muito feliz com o resultado.
MaisPB – A terceira faixa “Quando A Noite Vem” é tão suave, mas construída para um encontro, um reencontro – letra linda – o cello faz um passeio no imaginário amor da canção. Vamos falar sobre essa canção, a única que você canta?
Ricardo Bacelar – Quando a Noite Vem é uma música que eu fiz com o Giuliano Eriston, a minha segunda parceria com ele (a primeira, nós gravamos com a Amelinha), e foi uma experiência ótima. O disco é todo um instrumental, então, é bom criar um contraste com uma música cantada no repertório, sabe? A gente a transformou em um bolero, e eu cantei com a voz bem suave. É uma letra bonita, romântica também. Isso nós fizemos juntos já, eu e o Giuliano: a gente tem essa coisa de se encontrar pra fazer música, e sempre dar certo. É uma canção que fala de um romance, do encontro de um casal.
MaisPB – A quarta faixa tem esse nome FI_RU_HAY_KAY – por que? Tem uns sons de pássaros?
Ricardo Bacelar – Firu Hai Kai é uma música do Jacques que fala justamente sobre um pássaro. Se você for ver na melodia da música, tem o canto de um pássaro. E aconteceu uma coisa muito interessante, porque quando a gente estava gravando essa música, apareceu um pássaro aqui em casa, e o Jacques estava com a janela aberta. O pássaro começou a cantar e ele gravou no telefone: a gente trouxe esse som para o estúdio e incluiu na faixa, como uma participação especial. Nesse caso, o pássaro que visitou o Jaques não é foi um Firu, foi um pássaro de outra espécie. De vez em quando, se você ouvir com cuidado, ele aparece.
MaisPB – É linda a nona faixa, Falésias parece feita para o cinema – sua e de Luciano Raulino. Vamos falar dessa parceria?
Ricardo Bacelar – Essa faixa, Falésias, eu escrevi com o Luciano Raulino, nessa linguagem de cinema. Gosto muito dela. O Luciano é um jovem músico, compositor: nos encontramos numa tarde e essa música veio, essa parceria minha com ele. O Jaques também gostou muito, por isso eu coloquei no repertório. Ela tem realmente uma linguagem cinematográfica, porque tem as falésias, que são formações de dunas coloridas. É muito bonito isso. Quando a gente sobe lá no alto das falésias, olha para o mar. Quando a gente está no mar, olha para elas e vê que as falésias têm vários tons de ocre, amarelo, vermelho: uma paleta de cores muito bonita. É realmente cinematográfico.
MaisPB – Vamos falar do clipe de Caminhos de areia?
Ricardo Bacelar – Esse videoclipe é muito especial para mim, porque o Gabriel Lage, que foi quem me propôs o roteiro, veio com essa ideia de fazer a passagem espiritual de um vaqueiro. Ele mostra a história de um vaqueiro que se veste com as roupas típicas, mas tem umas fitas. O vídeo mostra a vida dele, com o seu cavalo, com uma linguagem muito cinematográfica. Na metade do vídeo o vaqueiro morre, e como ele, o seu cavalo. É muito bonito, porque um outro cavalo surge para levá-lo para outro plano. É um personagem mesmo especial e eu fiquei muito emocionado com o videoclipe. Terminei o ano de 2024 com ele, as pessoas gostaram muito.
Jaques Morelenbaum
MaisPB – Valeu a pena produzir esse disco com Bacelar?
Morelenbaum- Foi muito bom gravar esse projeto nessas duas etapas – na primeira semana de criações, isolados do mundo numa praia deserta de uma beleza ímpar e dedicados a música praticamente o dia inteiro – um pouquinho de praia de manhã, um pouquinho no difícil do dia – muito contato com a natureza. Muitas inspirações para criar e depois uma semana inteira do estúdio para gravar com todas as condições de tirar o melhor som e muita harmonia entre nós dois
MaisPB – São lindas as canções. Aracati foi a inspiração?
Morelenbaum – Todas as composições que surgiram durante a nossa estadia em Aracati se relacionam com eventos que se sucederam, como quando a gente compôs ‘Fogueira’. Sentimos a presença do Egberto Gismonti na inspiração da música, até por ser um baião. Durante um evento na praia, quando se acendeu uma grande fogueira, Ricardo e eu ouvimos essa música na nossa cabeça”.
MaisPB – Vamos falar da canção “Milagres”?
Morelenbaum – Sim. Fomos ver o pôr-do-sol num cantinho da praia, e eu deixei os meus pertences em cima de uma pedra alta. Entramos no mar e quando olhei para trás, a maré tinha subido e levado as minhas coisas, incluindo o meu celular. Já estava desolado quando o Seu Lucinho, que vive e conhece bem a região, tirou o meu celular de dentro do mar. Acabamos relacionando essa música a esse evento.
MaisPB – O resultado ficou tão bom, que poderia sair até o número 2, não é?
Morelenbaum – Essas músicas que compusemos na praia nós utilizamos no disco, mas ficamos com muita vontade já, pensando no volume 2 .
NA MARJORITÁRIA - 07/02/2025