João Pessoa, 08 de março de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
A alma que se trata aqui, é ela mesma, a de quem já morreu, e por alguma razão, ainda está vagando entre os vivos. Essa, pelo menos, era a versão divulgada na minha infância, por quase todo mundo. Observando de longe, posso imaginar que a ideia era impingir medo nas crianças, não sei com qual objetivo. Será que alguém se divertia com o pânico infantil?
Não falhava. A maioria dos adultos que conhecia, sempre tinha uma história de alma para me contar e me assombrar. Era cada uma mais horripilante que a outra. Almas que vagavam, que apareciam inopinadamente, reivindicando direitos ou querendo ocupar os mesmos espaços que ocupavam enquanto viventes.
O resultado dessas narrativas era exatamente o esperado. Medo. Na infância, tinha um medo que me pelava de almas, fantasmas, abantesmas e outros bichos. Bastava um lugar isolado para o sobressalto começar. E se fosse noite, então, a coisa piorava.
Havia histórias engraçadas, onde geralmente alguém se dava mal por procurar uma botija enterrada, cheia de ouro e jóias. Normalmente, quando o sujeito já estava para botar a mão na tal botija, o dono , já finado, aparecia e botava para correr o infeliz.
Mas, outras histórias eram menos cômicas e mais assustadoras. Essas incomodavam bastante, e teimavam em não sair do pensamento na hora de dormir. Luzes apagadas, começava a lembrança da tal narrativa. E mais uma noite mal dormida despontava. Coisas da vida.
Quem lidava muito bem com essas coisas era minha avó Emília, a mulher mais valente que conheci. Absolutamente destemida, não tinha medo de vivos nem de mortos.
Há inúmeros relatos familiares sobre seus enfrentamentos com almas do outro mundo. Certa feita, meus avós alugaram uma casa grande, no Bairro de Jaguaribe. Casa grande, quintal imenso. Pois, as almas não deixavam vovó Emília em paz nessa casa. Ouvia suspiros o dia inteiro, via “réstias” , ouvia barulhos, etc. O repertório fantasmagórico inteiro. Uma vez, estava cozinhando, quando uma dessas almas chegou ao lado dela e deu um longo suspiro, arfando. Vovó, na bucha: “Chegou cansadinha hoje comadre”. De outra vez, estava começando a se despir para tomar banho, quando ouviu vozes dentro do banheiro trancado. Não contou conversa, deu uma tremenda repreensão : “Alma safada, cabra safado, me respeite, eu sou uma mulher direita, saia daqui agora que eu quero tomar banho em paz” . Funcionou a descompostura. A alma deu no pé.
Tempos depois, descobriu que naquela casa haviam morrido várias pessoas de uma mesma família, de tuberculose. Já ficou de orelha em pé. Descobriu também alguns colchões, lá no fundo do quintal. Resolveu tocar fogo em tudo, por questões sanitárias. Pegou o querosene e tascou nos colchões. Foi o que bastou para disparar uma série de gritos, gemidos e súplicas: “não queime meu colchão não” . E vovó impávida, cantarolando, tacou fogo em tudo. Nunca mais ouviu gemidos na casa.
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PRESO POR ABUSO - 07/03/2025