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Kubitschek Pinheiro – MaisPB
Fotos: Nani Bassos
A cantora e compositora Marina Baggio lançou na última quinta-feira, seu primeiro álbum, ‘Kissila’, com selo Atabaque, e está disparados nas plataformas. Com nove faixas, sendo oito autorais e um dueto com Roberto Mendes, a artista celebra a produção da música brasileira com uma sonoridade. Com ela, um time de mestres; Cézar Mendes, Chico Brown, Marcelo Costa e Tomás Improta, músicos que imprimem autenticidade profunda em cada nota.
Produzido por Dadi, o disco traz essa fusão de influências, ritmos e melodias e coloca “Kissila” uma obra original nos ouvidos do mundo – sensibilidade musical.
Gaúcha nascida em 1996, passou a infância em Salvador (BA), próxima ao mar, ouriços, coqueiros e bananeiras, que tanto marcam seu trabalho na pintura e na fotografia, e se tornou cidadã do mundo muito cedo ao se mudar para China para trabalhar como modelo aos 16 anos. Marina Baggio plural. Ela é também é artista plástica, filmaker, fotógrafa e designe
Ouçam o disco, vejam o videoclipe aqui e descubram mais sobre a artista Marina Baggio, nessa entrevista ao Portal MaisPB
MaisPB – A canção “Kissila”, que abre o disco é lindíssima e é um convite ao amor, e você canta parte dela em francês. Vamos falar dessa canção?
Marina Baggio – Muito obrigada. Ela veio do impulso de mostrar uma composição minha pra Caetano, eu tinha 23 anos e estava nervosa, nem lembro o que cantei pra ele. O que rendeu mesmo desse dia foi a sacada que ele teve no meio da conversa de dividir comigo que ‘Kissila’ (o nome do meu violão que foi roubado) era tipo “beije her”. O refrão se desenhou claramente na minha cabeça desde então, assim como o “pá pará papá” para embalá-lo. Escrevi umas bobagens muito pessoais para completar e engavetei.
MaisPB – Mais o tempo foi fundamental, né?
Marina Baggio – O tempo me ensinou a malícia de me deslocar das minhas próprias histórias e transformar os sentimentos numa ideia mais coletiva. Ano passado quando esse fluxo de música invadiu minha vida, aproveitei a melodia original para imaginar e construir uma breve cena de encanto que conduzisse até o ponto de ter que beijá-la.
MaisPB – E a parte em francês?
Marina Baggio – A parte em francês na verdade pertence à “Agora Só Penso em Você”, que é uma composição minha com Cezinha e Chico Brown. Não sei falar essa língua, mas ano passado estive em Paris com Chico para gravar o clipe de uma música dele (“She Knows”) e escolhi usar como uma maneira de eternizar nossas resenhas.
MaisPB – – Você é uma danada: artista plástica, filmaker, fotógrafa, designer, cantora e compositora e agora parece que reuniu toda essa arte nesse primeiro disco. Estou certo?
Marina Baggio – Sou mesmo muito inquieta, o movimento é o que inspira e guia meu trabalho e minha vida. Sempre transitei entre linguagens visuais envolvida com mil projetos paralelos, o que torna esse disco uma grande realização artística por poder integrar tudo que gosto de fazer em uma coisa só e ainda investigar essas novas facetas de cantar e compor.
MaisPB – O fato de ter passado a infância em Salvador, não lhe tira a sensualidade dessa jovem de nova geração baiana, não é?
Marina Baggio – Não é que é?
MaisPB – A segunda faixa “Agora Só Penso em Você” me lembrou uma canção do João Gomes, do Recife, acho que pelos versos amorosos e provocantes. Estou certo?
Marina Baggio – Achei curiosa a referência. Esse menino João é retado mesmo e entrou no inconsciente coletivo dos brasileiros. Suas músicas são muito envolventes e tem um frescor que eu gosto. Mas agora só penso em você e não nele… É engraçado que quando se externaliza uma criação, ela deixa de ser sua. O expectador torna-se coautor da obra e dá a sua própria forma para ela baseado nas suas próprias experiências. Já meu pai disse que essa canção parece de caixinha de música, é legal ver pra onde a mente de cada um vai. Escrevi a letra numa canetada só inspirada pelo pensar da pureza e certa inocência do ato de se apaixonar. Carrega a linguagem mais antiga e universal que conheço, o amor.
MaisPB – A faixa seguinte, ‘Gestos’, você canta com Roberto Mendes – é linda, uma celebração. Vamos falar dessa canção?
Marina Baggio – ‘Gestos’ é a única canção do álbum que não compus, foi um dos presentes mais lindos que já ganhei. Criei uma relação de família com Cezinha ao longo dos anos, o que trouxe também Roberto, seu irmão caçula, para minha vida. Sempre que o visitamos em Santo Amaro, fico encantada com suas histórias e canções, a ponto de nem querer expor as minhas, só escutá-lo. Então sempre a mesma provocação nas despedidas: “Me mande suas músicas que não vou viver pra sempre, minha filha. E a nossa?”. Ele ficou com orgulho de pai quando soube das gravações do meu álbum, e nós que acordamos com as galinhas, algum dia que estávamos falando da vida às 7h da manhã por ligação, brinquei com isso: “E a nossa?”. Respondeu que ia me mandar e desligou.
MaisPB – Mas mandou…
Marina Baggio – Minutos depois recebi a gravação de voz e violão dele e me tremi toda. Nem acreditei no que estava acontecendo e passei mal com a beleza da canção. Roberto me contou que compôs com seu parceiro e conterrâneo, Herculano Neto, anos atrás, e que nunca havia sido gravada. Nunca entendi e nem ousei perguntar o porquê de ter sido escolhida e presenteada com essa tarefa, mas abracei a responsabilidade fingindo costume e o convidei para um dueto comigo.
MaisPB – Ter aprendido a tocar com Cezinha Mendes é um luxo; ele que ensinou Tom Veloso e muita gente a tocar violão. Vamos falar dessa descoberta fantástica em sua vida de artista?
Marina Baggio – Nem me diga. Esse álbum é de fato uma celebração dos encontros. Juntei as perguntas porque elas findam na mesma resposta, já que o melhor impulso que Caetano me deu foi ter me apresentado Cezinha. Esse homem realmente transformou minha vida, se tornou meu melhor amigo, meu mestre, minha família. Eu engatinhava no violão antes de conhecê-lo, mas ele não começou a me ensinar com o intuito de me desenvolver para que um dia eu viesse a trabalhar com isso, e sim com a generosidade em querer compartilhar algo que ele gosta muito com alguém que ele ama. Um instrumento é um companheiro para vida inteira. Sinto isso com meus desenhos que me acompanham desde sempre, tenho os traços na cabeça assim como o alfabeto e os numerais, mas diferente deles, a música não era uma aptidão natural para mim. Cezinha é exigente e as primeiras aulas me geraram muita frustração, chegava em casa chateada com minha falta de fluidez, o que me deixou indignada para aprender. E tocar violão não é como andar de bicicleta que você nunca esquece, tem que praticar e insistir. Até que um dia o desconforto vira um conforto. Foi uma longa escola interrompida por muitas viagens e ameaças de ser jubilada até chegar ao ponto de desenvolver minhas próprias composições.
MaisPB – ´Chave de Cadeia´ é o máximo – parece um samba de Noel?
Marina Baggio – Opa, que honra. “Chave de Cadeia” chegou chegando no meio de um balé hormonal que passei ano passado. Veio em plena maluquice matinal, sentada na cama com o violão, construindo as frases em cima da melodia e me divertindo horrores ao pronunciar cada uma delas, fiquei umas três horas experimentando e rindo sozinha com o refrão. Não imaginei que Cezinha fosse gostar daquela música, mas no fim do dia fui visitá-lo, contei essa história e mostrei. Nunca vi o homem tão animado pra que eu terminasse uma canção, batizou na hora de “Chave de Cadeia” e me pediu para que, se possível, encaixasse raio ou trovão no verso. Eu pus logo as duas palavras pra agradecer tamanha benção.
MaisPB – “Kissila” tem tudo, né? Chico Brown, violões, baixo, bandolins, teclados e guitarras de Dadi e mais o blue ´Sujeita à Cobrança´ com arranjo e piano de Tomás Improta, as percussões de Marcelo Costa, e “Jailbreak”, versão em inglês de ´Chave de Cadeia´, e no final “Vinheita”, uma tradução pelas guitarras de Chico Brown do refrão de ´Agora Só Penso em Você´, e, como é um instrumental para os créditos do álbum visual, brinca numa viagem de palavras em falar um eita antes do som para uma vinheta virar “vinheita. Ou seja, um disco completo, né?
Marina Baggio – Não tenho nem palavras para descrever o privilégio de ver meus rabiscos tomando vida na mão dessa galera genial. Nunca foi minha pretensão gravar um álbum e nem nos meus melhores sonhos visualizei trabalhar com esse timaço de músicos. Não foi uma reunião premeditada, foram os caminhos que me foram oferecidos e eu abracei. Cada um desses homens, assim como cada uma dessas músicas, chegou como um presente por vias extraordinárias e distintas. Desse tipo de coisa que dispensa qualquer tipo de razão porque se for parar pra explicar, estraga. Então eu só agradeço. Me entendi cidadã do mundo muito cedo ao sair de casa para trabalhar como modelo na China com 16 anos, e acredito que esse disco é a cristalização de tantos percursos intensos que a vida me proporcionou em minha breve existência. Eu, que nunca fiz faculdade, brinco que Kissila é meu TCC.
MaisPB – Adorei o filme, você linda brincando com a cabeça dos outros, quase um cafuné?
Marina Baggio – Muito obrigada, fico feliz que tenha gostado. É um compilado desse experimento cinematográfico de autorretrato que faço há anos dentro dos processos criativos. Comecei a gravar com celular quando nem tinha câmera. Com 19 anos casei com Tiago Lins, a primeira pessoa que me enxergou artista e me fez acreditar nisso. Ele me conduziu a transformar coisas que eu gostava enquanto muito jovem em meus verdadeiros ofícios, da escolha da minha assinatura para os desenhos à maneira de segurar uma câmera e bulir nesses programas de edição e design. Já vão fazer dois anos que ele morreu e eu não me acostumo com isso. Resgatei algumas cenas que ele fez minhas para dar corpo ao filme como uma espécie de homenagem para quem tanto me ensinou e uma maneira de mantê-lo sempre vivo. A abertura, que é o clipe de “Kissila”, é uma brincadeira referente à um delírio futuro. Sou louca por contos, Murakami é um dos meus escritores prediletos, e um dia tenho vontade de escrever alguns, começando pelo “Coceirista”, uma profissão que inventei de coçar as pessoas. Acabei adiantando este personagem no clipe e convidando meus amigos, familiares e equipe para serem cobaias. Termina com uma cena antiga que fiz com a amiga que me contou que o nome da prima era Kissila e deu origem à história do violão.
PROJETO DE LEI - 14/03/2025