Hildeberto Barbosa Filho • MaisPB https://www.maispb.com.br/categoria/colunistas/hildeberto-barbosa-filho Soma de conteúdo com credibilidade Tue, 09 Jul 2024 21:04:50 +0000 pt-BR hourly 1 112837577 História de leitor https://www.maispb.com.br/731531/historia-de-leitor-2.html Wed, 10 Jul 2024 10:00:45 +0000 https://www.maispb.com.br/?p=731531 Agora ando lendo Nelson Rodrigues: A menina sem estrelas, A cabra vadia, O óbvio ululante, O reacionário. Assim mesmo, numa ordem circular que vai de um texto de um livro para um outro texto de outro, sob o imperativo apenas da sugestão do tema ou do interesse de ocasião. Nelson é um dos meus preferidos, […]

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Agora ando lendo Nelson Rodrigues: A menina sem estrelas, A cabra vadia, O óbvio ululante, O reacionário. Assim mesmo, numa ordem circular que vai de um texto de um livro para um outro texto de outro, sob o imperativo apenas da sugestão do tema ou do interesse de ocasião.

Nelson é um dos meus preferidos, quando se trata principalmente do Nelson confessional, memorialista ou cronista de casos grotescos, de fait divers da imprensa, de lembranças íntimas, às vezes duras e chocantes, às vezes de um lirismo mais diáfano que o sopro da brisa no crepúsculo marinho.

O dramaturgo, enquanto texto em si, não me atrai, embora ele mesmo defenda a ideia de que o texto, em teatro, é fundamental. O romancista, muito menos. Aliás, nunca ando lendo romances. Romances, eu leio, e tem de ser numa disposição só, num ritmo agudo e contínuo, absolutamente concentrado na trama que deve possuir a capacidade de me retirar da banalidade do mundo cotidiano.

A coisa é também assim com os livros de ensaios, quando os livros de ensaios estão voltados para um único assunto: seja literário, filosófico, político, jurídico, antropológico ou moral, para me referir aos cenários teóricos que me cativam.

Leitor disperso e sem qualquer ambição de dominar este ou aquele tópico do conhecimento, sou dado às leituras rarefeitas, aparentemente desconectadas (digo “aparentemente”, porque vejo conexão em tudo!), abertas à possibilidade da volta, do retorno, do reencontro.

Certos autores são como velhos amigos, como as pessoas que amamos, e das quais, portanto, não podemos nos afastar por muito tempo. Andar lendo é estar convivendo; estar convivendo é realimentar esse amor que sempre se renova.

Venho fazendo isso, nesses últimos dois meses, com Nelson Rodrigues, e, numa outra clave, com Domenico de Masi, em O ócio criativo; com J. Krishnamurti, em Reflexões sobre a vida, e com Rubem Alves, em Educação dos sentidos.

Nelson, como eu dizia, me puxa para dentro da vida, no seu rendilhado de misérias e mesquinharias, terror e beleza; Domenico me traz o tempero da utopia e a possibilidade dos lucros intangíveis da criatividade; Krishnamurti é quase capaz de me deixar em paz e de me proporcionar a sabedoria intocável para compreender os conflitos interiores, sua dolorosa intensidade e esse movimento doido e doído que não acaba; Rubem é puro prazer e me encanta com a medida instável da poesia mais secreta no carrossel das frases mais aladas.

Por que leio assim? Ou melhor, por que ando lendo assim?

Porque leio e releio, e o faço pelo apetite de existir, certo de que não sei nada e de que sou rigorosamente incompleto. Leio sublinhando uma palavra qualquer que me brilha mais que as outras; recortando um parágrafo que vou decorar pelo resto da vida; escrevendo, em redor da página, meus entusiasmos e minhas indagações; grifando essa expressão, aquele período, um simples substantivo ou verbo que, isolados e ao mesmo tempo dentro daquele contexto semântico, reconfiguram, para sempre, a minha escala de valores.

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O soneto perdura https://www.maispb.com.br/730428/o-soneto-perdura.html Wed, 03 Jul 2024 10:00:17 +0000 https://www.maispb.com.br/?p=730428   Por mais que o modernismo de 1922, especialmente em sua primeira fase, por excelência iconoclástica e transgressora, tentasse fazer tábula rasa do passado, desmerecendo o valor da forma fixa e do verso metrificado, em prol do verso livre e branco, assim como das experimentações formais inovadoras, algo da tradição permaneceu e permanece. Muitos poetas, […]

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Por mais que o modernismo de 1922, especialmente em sua primeira fase, por excelência iconoclástica e transgressora, tentasse fazer tábula rasa do passado, desmerecendo o valor da forma fixa e do verso metrificado, em prol do verso livre e branco, assim como das experimentações formais inovadoras, algo da tradição permaneceu e permanece.

Muitos poetas, passando ao largo das novidades e cultivando, sempre, o metro, a rima, a sextilha, a décima e, principalmente, o soneto, continuaram explorando os modelos canonizados. Uns, submissos aos critérios temáticos e estilísticos de velhas escolas; outros, por sua vez, tentando renovar, por dentro, os paradigmas estabelecidos.

Digo isto, porque alguns luminares do modernismo, em certas circunstâncias, não foram indiferentes ao desafio da forma fixa, praticando-a com brilho, inventividade e rigor. Bandeira, Drummond, Vinícius, Quintana, Jorge de Lima e Ledo Ivo, por exemplo, são mestres do soneto.

Trago o assunto à reflexão para me ater a certa tendência, por sinal muito fértil e muito diversificada, do microssistema literário da Paraíba, sobretudo dos anos 20 do século passado aos dias atuais, considerando a configuração do soneto, forma clássica e permanente que parece seduzir a veia inspiradora dos poetas.

Augusto dos Anjos, Silvino Olavo, Américo Falcão, Carlos Dias Fernandes, Pereira da Silva, Osório Paes, Raul Machado, Mauro Luna, decerto representam a linha de frente dos nossos sonetistas, ao mesmo tempo em que se constituem elementos fundantes de uma das mais sólidas vertentes estéticas e literárias da tradição. Cada um, a seu modo de se comportar diante dos apelos expressivos e mesclando aspectos românticos, simbolistas, parnasianos, impressionistas, abriram caminhos para o discurso poético na Paraíba.

Em tempos mais recentes, outras vozes vão aparecer, redimensionando o soneto dentro do quadro histórico, muito embora atentas aos dispositivos métricos e melódicos que o velho parâmetro formal experimenta e exige. Ronaldo Cunha Lima, Raimundo Asfora, Orlando Tejo, Félix Araújo, Bezerra de Carvalho, Osíres de Belli, Anésio Leão, Jansen Filho, Radiel Cavalcanti, Eudésia Vieira, Aldina de Almeida, entre outros e outras, respondem por esse filão. Se não renovam os predicados intrínsecos do soneto, garantem, no entanto, a qualidade de seu ritmo e a força sintética de sua expressão.

Ariano Suassuna, Jomar Morais Souto, Otavio Sitônio Pinto e Vanildo Brito também cultivaram o soneto com mestria e intimidade. Ariano, direcionando sua retórica poética pelas balizas do movimento armorial, com uma dicção de estilo elevado, cifrado, cheio de símbolos e mitos; Jomar, na linhagem do lirismo telúrico e sentimental, eivado de tonalidades sutis e sugestivos efeitos cromáticos; Otavio, com sua tecla erudita, medieva, cervantina, cravada em cadência compassada e crítica; Vanildo, reunindo ao mito a energia telúrica, ao mesmo tempo em que faz de seu lirismo uma intensa meditação filosófica.

Atualmente, tanto na seara dos livros impressos quanto na velocidade do mundo virtual, Deparo-me com alguns sonetistas a demonstrarem sua fidelidade à forma memorável. São eles: Astier Basílio, Gilmar Leite, Astênio César Fernandes, Guilherme Sarinho, Fernando Cunha Lima, Igor Gregório, Melchior Sezefredo Machado, Raniéry Abrantes e Chico Viana.

Astier, com Os funerais da fala, de 1999, ganhou o prêmio “Novos Autores Paraibanos, da UFPB, exercitando um soneto de vigor imagético, calcado no intercâmbio entre a literatura erudita e a literatura oral e popular. Gilmar vem do Vale do Pajeú e sabe manejar a técnica como poucos, sobretudo, nos sonetos em que dialoga com Augusto dos Anjos e naqueles que evocam o sabor e o aroma da terra natal.  Astênio, com seu Avirati, de 2022, investe na lírica amorosa e sensual, compactando uma unidade de ritmo e de tema dentro das variações possíveis do soneto inglês e petrarquiano. Igor Gregório, no seu livro de estreia, Alma-de-gato no voo da alvorada, de 2023, a par dos torneios face a outras formas, como a quadra, a décima, a sextilha, ensaia o soneto de inclinação armorial, à Ariano, seu mestre, trilhando, como ele, aquela profusão de símbolos e de mitos particulares, sertanejos e medievais.

A dicção lírica, entre o descritivo e o confessional, estribada no esteio acústico da rima e da métrica, respondem pela tática apurada de Fernando e de Guilherme.  Melchior, Raniéry e Chico vêm dando a lume seus sonetos pela plataforma do Facebook. Chico parece dosar sua veia irônica e seu lastro filosófico numa poética bem elaborada do ponto de vista formal e agudamente atenta a motivos existenciais e cotidianos. Raniéry parece cultuar o lirismo mais calcado no poder dos sentimentos, expressando, através de seus versos, aquelas tópicas essenciais e permanentes do cancioneiro tradicional. Melchior vai na mesma linha e procura fazer de seus sonetos um mecanismo musical por onde as emoções se cristalizam, a princípio, no plano mais imediato da palpabilidade humana, para se converter, afinal, e em certos momentos, em emoção estética.

É preciso compreender a inclinação literária desses autores. Fazem uma poesia radicada nos modelos canônicos, comprometidos principalmente com a oralidade, com a declamação, com a performance da palavra dentro das grades formais, avessos, portanto, ao culto da inventividade e do construtivismo que bem demarca certos itinerários da poesia moderna e pós-moderna.

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Livros saborosos! https://www.maispb.com.br/729367/livros-saborosos.html Wed, 26 Jun 2024 10:00:12 +0000 https://www.maispb.com.br/?p=729367 Há livros saborosos. Não me exijam gêneros ou outra categoria qualquer. Ficção, poesia, ensaio, memórias, não importa. Deixem-me acreditar neste critério arbitrário: o sabor. Território da sensibilidade, da inteligência e da imaginação, o sabor pode decidir o destino de alguns livros, seu lugar especial nas prateleiras especiais das estantes especiais. O Aurélio assim define a […]

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Há livros saborosos. Não me exijam gêneros ou outra categoria qualquer. Ficção, poesia, ensaio, memórias, não importa. Deixem-me acreditar neste critério arbitrário: o sabor. Território da sensibilidade, da inteligência e da imaginação, o sabor pode decidir o destino de alguns livros, seu lugar especial nas prateleiras especiais das estantes especiais.

O Aurélio assim define a palavra sabor: “s.m. Impressão produzida na língua pelas substâncias sápridas; propriedade que essas substâncias têm de impressionar o paladar; gosto; saibo; (fig.) qualidade; índole; jovialidade; forma; natureza; capricho; talante”.

Se me conservo no âmbito do significado denotativo, não tenho receio em afirmar que certos livros me agradam por demais o paladar, o gosto específico na ceia da leitura. De sua composição concreta, que pode resultar do tamanho, do peso, da marca impressiva, do zelo do papel, posso experimentar a delicadeza do gozo físico e aromático que advém do mistério dos tipos, de parágrafos e frases que a memória há de reter, para sempre, na zona curva do saber, pois saber e sabor pertencem à mesma família filológica e vocabular.

Já na esfera da figuração, onde todos os reinos da polissemia podem se misturar e confundir, posso ensaiar uma curiosa tipologia e enumerar os livros em listas de qualidade, índole, jovialidade, forma, natureza, capricho e talante, como nos ensina o dicionarista.

Onde estaria, por exemplo, Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke? Certamente este é um livrinho de muita qualidade. Qualidade literária, qualidade filosófica, qualidade poética, qualidade psicológica e existencial. Responde ainda por essa qualidade certa didática estilística embutida nos conselhos e sugestões que o bardo tcheco ministra, da maturidade de sua sabedoria, ao jovem Franz Xaver Kappus. Logo na primeira missiva, enviada de Paris, em 17 de fevereiro de 1903, sugere ao pupilo que procure evitar, “de início, os temas demasiados comuns”, pois estes “são os mais difíceis”. Antes já pedira para o jovem se fazer esta decisiva pergunta: “Morreria, se não me fosse permitido escrever?”.

Será que eu morreria, se não me fosse permitido escrever?”. Como me inquieta esta indagação! Como gosto desse livro! Como amo essas cartas! Passei a minha vida lendo e relendo as sábias e saborosas palavras do autor das Elegias de Duíno.

Índole lírica, força poética e evocativa se mesclam pelas páginas de A casa de meu avô, livro de memórias de Carlos Lacerda. Dizem os que o ouviram falar em público, no Parlamento ou nas ruas, que havia qualquer coisa de sagrado no ardor incontido de sua oratória. Ouvi algumas crônicas lidas por ele na Rádio Nacional e senti o calor e o brilho de sua habilidade elocutiva. Mas lembro aos que esquecem ou não sabem: Carlos Lacerda também é um mestre da palavra escrita. Suas memórias de infância, sabem os que tiveram a ventura de lê-las e apreciá-las, exatamente do que estou falando. Conteúdo e estilo se fundem na configuração dos perfis, principalmente no perfil do avô e da casa, e são ricos e verticais os registros da vida no campo e na pequena cidade, como também os traços psicológicos que se desenham na alma infantil do narrador. Não minto se disser que este é o melhor e mais saboroso livro de memórias da literatura brasileira.

Pode ser jovial, tem forma e natureza os ensaios filosóficos de Arcângelo R. Buzzi, reunidos em três títulos indispensáveis:  Introdução ao pensar, Clínica do humano e Filosofia para principiantes. Por meio de uma escrita, em tudo criativa e estimulante, com sabor da mais genuína fonte poética, os grandes temas filosóficos são tratados, com o cuidado de quem sabe dialogar com seus pares de ontem e de hoje, sem perder o prumo da autonomia e da originalidade cognoscíveis diante do pensamento e da reflexão. O conhecimento, a vida, a morte, o amor, o cotidiano, o homem, a linguagem, a poesia, a arte, Deus, eternidade, tempo e outros conceitos integram a meditação, diria lírica e intelectiva, racional e intuitiva, deste que é um dos pesos pesados da ensaística brasileira, sobretudo, se considerarmos que no ensaio devem residir, em larga altitude, a claridade e a beleza.

Encerro este improviso, próprio das letras lúdicas, com uma Oração pelo poema, do pernambucano, de Jaboatão, Alberto da Cunha Melo. O sabor já pulsa no título, cheio de ambivalências semânticas. Aqui devo orar pelo poema, suplicar pelas certidões insuspeitas de seus caminhos, ou transmutar os seus versos octossílabos numa espécie de oração ou homilia perante o suplício das palavras, “de qualquer palavra que suavize∕a minha vida, para sempre”, conforme enuncia o eu poético. No seu percurso metalinguístico, metafísico e existencial, esse livro-poema ou esse poema-livro tem capricho e tem talante. Tem o saber e o sabor que só a poesia maior e melhor há de conter.

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Se você… https://www.maispb.com.br/728312/se-voce.html Wed, 19 Jun 2024 10:00:15 +0000 https://www.maispb.com.br/?p=728312   Se você aprecia o equilíbrio melódico da terça rima na Divina comédia e tem interesse pela vida conturbada de Dante, seus sonetos líricos, seu ensaísmo político, suas meditações teológicas, fatos, eventos, conflitos, cidades, desgostos e tantos outros ingredientes de sua trajetória, venha falar comigo. Também me perdi no meio do caminho dessa vida, apesar […]

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Se você aprecia o equilíbrio melódico da terça rima na Divina comédia e tem interesse pela vida conturbada de Dante, seus sonetos líricos, seu ensaísmo político, suas meditações teológicas, fatos, eventos, conflitos, cidades, desgostos e tantos outros ingredientes de sua trajetória, venha falar comigo.

Também me perdi no meio do caminho dessa vida, apesar de crer, como o ilustre florentino, que o amor move o sol e as outras estrelas.

Se você se dá ao prazer de longos passeios solitários, sobretudo à beira mar ou à beira rio, escutando o murmúrio ancestral da natureza, divisando os pássaros entre cantos e nuvens, paisagens isoladas cheias de árvores, sombras e vazios; e se é tarde e se já se desenham as cores do crepúsculo, e, por dentro das cores do crepúsculo, formam-se lentamente os fantasmas da noite sem fronteiras, venha prosear comigo.

Sou dado à fúria e ao calor dos elementos, ao sossego anônimo dessas horas caladas e únicas.

Se você Já leu Baudelaire, Whitman, Pessoa e Borges, isto é, leu e lê, como se se entregasse a um ritual sagrado tocado pelo êxtase de intensas descobertas e convicto de que certas ideias, certos motivos, certas repetições, certas verdades, certas belezas se misturam pela floresta das palavras, pela força das imagens, pelo encanto da música, pelo enigma dos significados, venha compartilhar comigo.

Sou dos que amam certos autores como irmãos de família ou como pais que me abriram as rotas do verso e os portais da poesia.

Se você não se escandaliza com a sorte do vizinho, nem estima o tempo perdido das reuniões, nem gosta de que pronunciem o nome de Deus em vão, não frequenta igrejas, não pertence a clubes, grupos, irmandades ou sociedades secretas, e se nunca se dá ao trabalho da bajulação, do proselitismo, dos atos politicamente corretos, venha conversar comigo.

Também detesto esse lado mesquinho e hipócrita de se conduzir na vida social e com o qual muitos se comprazem.

Se você é leitor de romances e sabe que o romance não é uma novela, assim como a novela não é um conto, assim como um conto não é uma crônica, assim como uma crônica não deve ser confundida com um artigo, o que demonstra, por isto mesmo, que você conhece os segredos das categorias teóricas da crítica literária e não engole gato por lebre, venha discutir comigo.

Certos conceitos acadêmicos possuem a sua utilidade, e, de outa parte, ninguém faz nada sem a didática nem a disciplina.

Se você cultiva os saberes históricos, em particular os acontecimentos e os personagens da Segunda Guerra Mundial, o holocausto, o nazismo, a resistência, os massacres, os campos de concentração e extermínio, e, em plano nacional, a Guerra de Canudos, a Revolução de 30, Getúilo, Lacerda, Prestes, a coluna e tantos outros movimentos revolucionários, venha falar comigo.

Acredito que sem a história não se sabe nada e que certos “heróis” da factualidade me parecem grandes personagens literários.

Se você ama os livros, vai com constância a sebos e livrarias, gasta seu dinheirinho com aquela obra rara ou desejada, possui uma biblioteca que cresce dia a dia e tem um acervo variado, embora com especialização em literatura e arte, filosofia e ciências sociais, venha me visitar vez em quando.

Adoraria trocar figurinhas e ideias, discorrer sobre coleções, edições, epígrafes e dedicatórias.

Finalmente, se você conhece um pouco da literatura feita na Paraíba e sabe que Augusto é tão genial quanto Rimbaud e Baudelaire, Antero e Pessoa, e que seus decassílabos ferem os tímpanos dos medíocres habituais, assim como a fúria de suas imagens representam a substância viva no que parece morto; se você já leu Zé Lins, Zé Américo, Zé Vieira, Ariano, Ascendino, Gonzaga, Assunção, Aldo Lopes, Astier, só para lembrar alguns exemplos, venha falar comigo.

Minhas lições literárias começam pelos os de casa. Amo essa literatura provinciana, assim como sei que a província também é o mundo.

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Probleminhas! https://www.maispb.com.br/727206/probleminhas.html Wed, 12 Jun 2024 10:00:04 +0000 https://www.maispb.com.br/?p=727206 Constato que há uma “intensa” vida cultural na cidade. Eventos os mais diversos. Lançamentos, solenidades, performances, recitais, palestras, exposições, coletivos disto e daquilo, debates etc. Isto é muito bom. Isto sinaliza para o fato de que estamos na tentativa de nos salvarmos do naufrágio da existência. Ortega Y Gasset nos ensina que a cultura é […]

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Constato que há uma “intensa” vida cultural na cidade. Eventos os mais diversos. Lançamentos, solenidades, performances, recitais, palestras, exposições, coletivos disto e daquilo, debates etc.

Isto é muito bom. Isto sinaliza para o fato de que estamos na tentativa de nos salvarmos do naufrágio da existência. Ortega Y Gasset nos ensina que a cultura é a única forma de salvação. Ou, para me valer de seus termos, “um movimento natatório”.

Só que se paga um doloroso preço por esses pequeninos pedaços de salvação. Por se jogar nesse movimento. Vou me explicar.

Tenho ido a muito desses encontros culturais, pois sou dado ao intercâmbio das ideias e ao cultivo dos afetos e das boas amizades. Lá, revejo amigos, amigas, confrades, colegas, e experimento o prazer de uma prosa descontraída, o gosto saboroso de um dito picante, uma piada inteligente, uma crítica sarcástica. Sem crítica, a cultura morre! Cultura, para mim, é crítica.

Se se achega, infelizmente, a figura do chato, do adulador, do falso, do mesquinho, temos, em contraposição, a possibilidade de absorvermos novas ideias, de nos depararmos com novos conceitos, de contactarmos com a pertinência de novos projetos, e, assim, o tecido cultural vai se desdobrando na esfera de suas múltiplas linguagens.

Há, não obstante, alguns probleminhas que se repetem e que muito me incomodam. Quero crer que, também, a outrem.

Um deles é o convencional descumprimento do horário. Se o ritual, diz lá o convite, está marcado para as 18 e 30, as coisas só começam, de fato, as 19 e 30 ou as 20 horas. Vejo, nisso, um absoluto e desprezível desrespeito aos convidados, sobretudo, em se tratando de gente, como eu, já tragada pelos anos, cansada e sem muitas ilusões.

Sou um dos que pensam que cumprir o contrato dos horários, dentro dos limites estabelecidos, não é somente uma virtude pessoal, mas também um pequeno e salutar exercício de cidadania. Para mim, pontualidade é prioridade. É virtualidade. Decência. Comunhão com o outro. E o que somos, sem os outros?

Outro probleminha melindroso reside na composição da mesa, quando a ocasião não pode prescindir do ar solene, das lantejoulas da pompa, do glamour dos rituais sagrados. Não sei por que me lembro sempre de um certo Moliére ou de um certo Bernard Shaw, quando da formação dessa cena ao mesmo tempo tosca e hilária.

Sei de gente que morre de desgosto se não for chamada para compor o seleto espaço da mesa. Sentada ali, essa gente se sente gente, dentro de seu reino próprio, na sua mais real e digna posição, como aquele Jacobina, personagem de Machado de Assis, que só se reconhecia vivo e humano, depois de vestir a farda de alferes e se mirar no espelho.

Que loucura, não? Mas a coisa é assim mesmo. Para muitos, a aparência é a essência.

Se não são convidados para a mesa, contentam-se, pelos menos, em serem nomeados, para todo o auditório, como figuras notáveis e relevantes da cena cultural. Esses também só existem, de fato, na perspectiva cavilosa do reconhecimento alheio. Não são nada sem a premiação reiterada dos que o cercam. O elogio à sua pessoa é seu alimento predileto.

Outro probleminha cacete, decerto o pior deles, identifico naquilo que chamo de volúpia da fala. Não há festa sem discurso, não há acontecimento sem o crivo da palavra. A palavra serve a tudo, inclusive, a nada.

Primeiro, porque, seguindo a lógica indecente do atraso, o evento se distende por um tempo indeterminado que beira o cansaço, a indiferença, o tédio. Segundo, porque todos querem falar, e as falas se superpõem, na maior parte das vezes, vazias, monótonas, repetitivas nos clichês e nos desatinos.

Fala o mestre de cerimônia, quase sempre com voz empolada de locutor de rádio. Fala o presidente da mesa, no geral, com retórica batida e timbre bajulatório. Fala o vice-presidente, fala o secretário, fala a diretora da revista, fala o tesoureiro, fala o representante da edilidade, fala a autoridade judiciária, fala o empresário da cultura, fala a voz eclesiástica, fala o ativista, fala o escritor de fora, fala o poeta da terra, fala o músico, fala alguém daqui, fala alguém dali. Haja fala, haja fala.

No frigir dos ovos, todos estamos esfalfados. Nada do que se disse fica retido, até porque o que se disse não disse nada. Somos náufragos de uma estúpida ilusão. Isto não me parece experiência cultural. A tradição não se renova, a vida não se reiventa. Estamos na asfixia da clausura. Engessados no drama da mesmice. Perdidos no pandemônio da caretice e da inanidade.

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Registros críticos (Eugênia Correia) https://www.maispb.com.br/726039/registros-criticos-eugenia-correia.html Wed, 05 Jun 2024 10:00:45 +0000 https://www.maispb.com.br/?p=726039 Carapuça (João Pessoa: Dromedário, 2023), é o livro de poemas com o qual Eugenia Correia estreia na cena literária. Já o título, na sua ambivalência semântica, vale por uma metáfora inominável, uma vez que remete para múltiplas significações. Prefiro me acostar a ideia de que, no registro poético, o termo se aplica à multifária possibilidade […]

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Carapuça (João Pessoa: Dromedário, 2023), é o livro de poemas com o qual Eugenia Correia estreia na cena literária. Já o título, na sua ambivalência semântica, vale por uma metáfora inominável, uma vez que remete para múltiplas significações. Prefiro me acostar a ideia de que, no registro poético, o termo se aplica à multifária possibilidade do poema, no percurso que desenvolve para capturar ou pensar a substância essencial das coisas e dos seres. Afinal, a carapuça consiste também numa espécie de escrita.

A carapuça é um bicho, “O animal mais fantástico {…} para ele não se esconde ∕ o mais fino segredo”, é dito, logo no primeiro poema, à maneira de profissão de fé, a se complementar, em seus volteios metalinguísticos, com o texto da página 19, “Estilo”, de que destaco estes versos: “Pelo corte ∕ se reconhece a mão {…} nos cortes o artista, ∕ o pugilista, ∕ o cirurgião”.

Estabeleço estas correlações no tentame de alcançar a estratégia expressiva, o modus operandi, o dispositivo retórico, dessa dicção lírica marcada pela concisão verbal e por um raro e refinado senso de percepção dos objetos, dos sentimentos, das emoções, enfim, de tudo o que compõe o amálgama das motivações estéticas.

A poesia dessa piauiense, radicada em São Paulo e dedicada às interfaces entre arte e psicanálise, radica-se, sobretudo, no ritual de passagem que ocorre entre os apelos da descrição, medida e ponderada, e a reflexão, aberta às solicitações do pensamento crítico e daquilo que Hugo Friederich denomina de “fantasia criativa”. O dado concreto se abre, portanto, para o milagre da abstração.

Confira-se esta “metodologia”, com a leitura do dístico, “Enigma”, à página 21: “Gota de orvalho reflete o universo: ∕ onde está o olho de quem vê?”.  Ou mesmo no poema seguinte, página 22, intitulado “A brisa”, assim enunciado:

E será que existe mesmo

o que se chama silêncio?

Mesmo a brisa, tão lisa,

quando deixa a marca ´nem ouvi você chegar…`

o silêncio,

o escutado,

não terá a consistência da mais pura

a genuína

a mais nítida eloquência?

À mesma linhagem pertencem muitos textos da coletânea, a exemplo, entre outros, de: “Aurora”, “Elegia para um menino assassinado”, “Lábil”, “Caramujo”, “Honras fúnebres”, “Mapa” e “A lendária memória dos calendários”. Aqui, salvo engano, efetiva-se uma das escolhas do caminho discursivo, isto é, do “como” Eugênia Correia se apropria da palavra para inseri-la no melhor lugar possível, conforme lição magistral do poeta inglês Thomas S. Coleridge.

Ao minimalismo do verso, fundado em bases rigorosas e econômicas, associa-se o olhar sensível e singular diante do material que a realidade oferece, em sua variedade temática e motivadora. Eugênia Correia é poeta dos detalhes, das filigranas, das miudezas, atenta, pois, ao mínimo, ao oculto, ao invisível que latejam no plano ordinário da existência. Atenta, assim, à sua magia imperceptível, à sua fala encantatória, enfim, à sua transfiguração poética.

Em face da epidêmica banalização em que se compraz certos segmentos da poesia brasileira contemporânea, seduzidos pelo canto de sereia das boas intenções e dos vocativos políticos e culturais, penso que a autora de Carapuça estreia com o pé direito e já maturada em seu ofício de lidar, literariamente, com a palavra.

Sua poesia assimila as fraturas da modernidade, na medida em que, sem perder a distância crítica na captura dos fenômenos e dos objetos que a atraem e a movem, lança mão, quase sempre, daquela tonalidade lírica, delicada e sutil, para desvelar a complexidade do mundo e da vida. Para ratificar o que digo, não vejo prova melhor do que o poema “O primeiro códex”, que transcrevo, à guisa de conclusão:

O mundo já estava lá

as águas, os ventos, o frio

a concha já estava lá

quando a espuma aconchegou seus contornos

mas a vida só eu por si

quando alguém abriu aquilo

e fez-se um rastro

na página virada.

A pérola, a pálpebra

um olhar respirando.

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Não há salvação! https://www.maispb.com.br/724952/nao-ha-salvacao.html Wed, 29 May 2024 10:00:31 +0000 https://www.maispb.com.br/?p=724952   Somos animais sem salvação. A não ser que se imagine uma salvação a conta gotas, experimentada, gratuita e espontaneamente, como pequeninas fatias vindas do paraíso e que nos são dadas viver em circunstâncias muito especiais, fermentadas no ordinário da rotina cotidiana. Sim, podem existir resquícios de milagre na pele cinzenta do dia a dia. […]

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Somos animais sem salvação. A não ser que se imagine uma salvação a conta gotas, experimentada, gratuita e espontaneamente, como pequeninas fatias vindas do paraíso e que nos são dadas viver em circunstâncias muito especiais, fermentadas no ordinário da rotina cotidiana.

Sim, podem existir resquícios de milagre na pele cinzenta do dia a dia. Coisas e fenômenos que nos acenam com a magia da felicidade e, portanto, com os cuidados delicados de uma possível e efêmera salvação.

Não esqueço, porém, a verdade destes versos que fiz, como um refrão, para um poema a que intitulei de “Cemitério vivo”. “Sei também que saber não salva. ∕ Sei também que saber não salva”.

Coisas?

Algumas parecem resumir os elementos do repouso, do bem-estar, da satisfação que pinga, aqui e ali, quando menos esperamos. Por exemplo, nada me acalma mais que o balanço de uma rede, a sesta numa espreguiçadeira, ou, em outra clave, a sombra de um juazeiro, um oratório, um São Francisco, uma coruja, um búzio, um aquário, um aviário, um livro de poemas.

A natureza, na sua energia nutriente e na sua exuberância pacificadora, é pródiga nas ofertas alimentares da salvação. Quem sabe, não seja a salvação a própria natureza.

O campo, o mar, as árvores, o sol, o céu, a lua, os rochedos, as montanhas, as planícies, os rios e os riachos, as cordilheiras e a neblina, as estrelas, os asteroides, os ciclos do zodíaco, os enigmas da eternidade, tudo, enfim, o visível e o invisível, o sagrado e o profano, o real e o mitográfico, se organiza numa sintaxe extremamente confortável para os reclamos do corpo e para os pedidos da alma.

Certas coisas materiais e certas coisas naturais podem pavimentar as estradas surpreendentes da salvação. Diria que nelas existem uma ecologia do encanto, uma pedagogia do prazer, uma teologia da carne e do espírito disseminadas pelas vértebras do tempo e pelas cartilagens intangíveis dos espaços.

Fenômenos?

São tantos e tão díspares, porém, irmanados nas preces e súplicas por um ínfimo toque de salvação. Todavia, “Sei também que saber não salva. ∕ Sei também que saber não salva”.

Primeiro, a chuva, com o ouro de suas águas, acariciando os músculos da terra, fertilizando a argila dos desertos, iluminando o coração das paisagens e lavando os escuros escondidos no pensamento das criaturas humanas.

A chuva sempre me pareceu uma alegre elegia, uma orgástica oferenda dos deuses que dançam, um estranho souvenir enviado do éden, para nos salvar enquanto seus líquidos cristais deslizam eroticamente sobre as omoplatas do mundo.

Depois vem o vento, com seus uivos alucinados, dilacerando o solo de todas as geografias. O vento, vergastando varandas e varais, vales e várzeas, vasos, veias, vulvas.

O vento faz bem aos cinco sentidos e possui a rara didática da música e da velocidade. Não importa se do Norte, do Sul, do Leste ou Oeste, o vento é o mesmo artefato inefável e cortante, o verso veraz da poesia que passa e que fica, como um instantâneo, nos órgãos do vazio e da beleza.

Há, assim, uma memória do vento. Uma história que carrega muitos sinais de salvação. E isto me soa bom e quase perfeito. Contudo, “Sei também que saber não salva. ∕ Sei também que saber não salva”.

Sinto que não há salvação.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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Ler de acaso e de intervalo https://www.maispb.com.br/723853/ler-de-acaso-e-de-intervalo.html Wed, 22 May 2024 10:00:28 +0000 https://www.maispb.com.br/?p=723853   No registro de 25 de março de 2014, do diário As palavras e os dias: a memória do caminho 2, o professor e ensaísta, José Rodrigues de Paiva, alude a um tipo especial de leitura a que chama de “acaso ou de intervalo, das que se começam sem se saber se serão levadas ao […]

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No registro de 25 de março de 2014, do diário As palavras e os dias: a memória do caminho 2, o professor e ensaísta, José Rodrigues de Paiva, alude a um tipo especial de leitura a que chama de “acaso ou de intervalo, das que se começam sem se saber se serão levadas ao fim”. Isto, para explicar, em meio à urgência de leituras de trabalho, professor que é, o reencontro com as Anti-memórias, de André Malraux.

Gosto dessa nomenclatura para definir as leituras casuais e intervalares, tão comuns em minha rotina em meio aos livros.

Nunca deixo de lado a leitura cerrada, progressiva, paulatina, da primeira a última página de um livro, seja um longo e exaustivo ensaio filosófico ou de exegese literária, seja a travessia encantatória de um grande romance. Um desses romances de peso, volumoso, credenciado, indispensável à formação cultural e humanística. Um Em busca do tempo perdido, por exemplo, no seu fluir lento e minucioso por dentro dos covis da memória e da imaginação.

Agora mesmo ando às voltas com Henry James, no seu monumental A taça de ouro, em edição da Nova Fronteira, com tradução de Alves Calado. Romance que não pode e nem deve ser lido depressa, voltado apenas para o desenrolar das ações, uma vez que, decerto, nele, as ações não constituem o ingrediente principal. A não ser que se as vinculem, as ações, às camadas psicológicas de cada personagem, na sua presença e singularidade.

Diria que, em certas nuances de estilo e de método narrativos, o escritor norte-americano, depois naturalizado inglês, como que prenuncia certos compassos proustianos, exatamente pela capacidade de alcançar regiões profundas e indevassáveis da alma humana, com suas minudências psíquicas e sigilos inconfessáveis. Seus romances, portanto, são romances analíticos, reflexivos, ensaísticos, atentos ao refinamento da palavra e aos traços existenciais que caracterizam os personagens. Grande literatura, algo não muito habitual na dissolução dos tempos líquidos ou pós-modernos.

Do ponto de vista da leitura, são romances bíblicos, na medida em que é preciso ler e reler cada parágrafo e meditar profundamente acerca de suas ressonâncias significativas. Romances que, devido mesmo ao nível rigoroso de suas exigências, parecem abrir janelas para o convívio com outras leituras, as casuais, as de intervalo, as circulares, as de repouso, as de devaneio, lúdicas, livres, gratuitas, descompromissadas, exercidas no afago do silêncio, leituras distantes do febril turbilhão das ruas.

Trago, assim, para o refúgio da rede no terraço, a gravidade dessa leitura de muitos dias, degustando, aos poucos, porém, progressivamente, a cota de prazer de uma imagem poética ou de um pensamento original. Henry James, como William Faulkner, Henry Miller, Philip Roth, só para citar escritores norte-americanos de minha eleição, enriquece minha experiência de leitor e se deixa, naquelas horas de acaso ou de intervalo, acompanhar da presença, ligeira e fugidia, de outras vozes que ampliam a esfera mágica da leitura.

Ao lado de A taça de ouro, que divide seus predicados literários e estéticos com Samuel Wainer: o homem que estava lá, biografia escrita pela jornalista Karla Monteiro, na perspectiva das leituras contínuas e cerradas, compulso as páginas de uma série de livros, sem saber se “serão levadas ao fim”, como diz o mestre português-pernambucano, José Rodrigues de Paiva.

Agrada-me ler os aforismos de Emil Cioran, abertos ao acaso, no volume Nos cumes do desespero. Sublinhar esta ou aquela frase, dotadas de alguma verdade e de muita beleza. No filósofo romeno, se o conteúdo traz a gosma da amargura e do niilismo, do pessimismo e da iconoclastia, o manuseio das palavras quase sempre se converte na textura incandescente da melhor poesia.

E por falar em poesia, vejo-me em diálogo com os Papéis de poesia II, do acadêmico Antonio Carlos Secchin que, como poucos, no âmbito crítico da atualidade, sabe ler e analisar, com argúcia e elegância, o idioma poético, em suas diversas componentes. Quer nos passeios teóricos, quer nos passeios críticos, quer nos passeios metacríticos, o poeta e ensaísta faz aquela leitura que, em sendo eficaz e efetiva do ponto de vista racional, não deixa de conter a estesia necessária ao discurso poético. Secchin ler bem. Com leveza e densidade.

Refiro estas como poderia referir tantas outras, pois nunca leio somente um livro. O acaso me põe, não raro, na volúpia do acúmulo. Os intervalos me dão o prazer de descobrir e experimentar novas leituras, mas também o prazer de retomar aquelas que vão me acompanhar durante muito tempo. As leituras de acaso ou de intervalo são como viagens de férias, como aqueles furtivos e ardentes encontros amorosos, como uma doce felicidade clandestina.

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Minha biblioteca sou eu! https://www.maispb.com.br/722630/minha-biblioteca-sou-eu.html Wed, 15 May 2024 10:00:58 +0000 https://www.maispb.com.br/?p=722630 Li, em certo lugar, que toda biblioteca é única e tem a cara do seu dono. Fiquei pensando. Tenho uma biblioteca que fui organizando ao longo de minha vida, adquirindo e recebendo livros de todos os lugares e de variadas espécies. Qual seria, então, a marca de sua unicidade? E, se ela, a biblioteca, tem […]

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Li, em certo lugar, que toda biblioteca é única e tem a cara do seu dono. Fiquei pensando. Tenho uma biblioteca que fui organizando ao longo de minha vida, adquirindo e recebendo livros de todos os lugares e de variadas espécies. Qual seria, então, a marca de sua unicidade? E, se ela, a biblioteca, tem a minha cara, qual seria, de fato, a minha cara?

Estudei Direito, principalmente a sua teoria, o direito criminal e, hoje, aprecio as relações entre direito e literatura. Fazem parte de minhas estantes nomes como Francesco Carnelluti, R. Von Ihering, Alessandro Groppali, Giusepe Bettiol, Nélson Hungria, Roberto Lyra, Pontes de Miranda, Caio Mário da Silva Pereira, Goffredo Telles Júnior e tantos outros.

Não sei, ao certo, a contribuição que me deram estes estudiosos na formação de minha personalidade. Talvez algum senso de justiça, alguma medida de equilíbrio, o cuidado em ponderar as múltiplas facetas que envolvem os conflitos humanos e, pasmem, um gosto muito particular pela ordem estilística no manuseio das palavras. Ainda hoje volto às páginas de Caio Mário da Silva Pereira, não tanto pelos conteúdos odisseicos do direito civil, mas, sobretudo, pela elegância e fluência verbais que caracterizam a sua escrita. Houve uma época em que os juristas sabiam escrever!

Fiz o curso de Letras, mestrado e doutorado em Literatura Brasileira. Por isto mesmo, a espinha dorsal de minha biblioteca reside nas obras literárias, linguísticas e filológicas. Dicionários, enciclopédias, obras de referência, ao lado dos muitos gêneros, ortodoxos e heterodoxos, compõem esse acervo que muito revela de meus interesses cognitivos. Portanto, também, da minha psicologia de leitor.

Alguns autores têm a minha preferência, não importa o gênero literário que cultivem. Nutro uma especial predileção pelos estudos de teoria da crítica, da poesia e dos gêneros íntimos, isto é, diários, memórias, autobiografias, confissões, cartas, biografias, biografemas etc. A crônica, o conto, a novela e o romance ocupam grande parte no meu tempo de leitor. Leio os contemporâneos, os novos, os emergentes, porém, nunca abandono os autores de sempre, clássicos e modernos, aqueles que residem definitivamente na minha mesa de cabeceira ou na cadeira de balanço ao lado da rede.

Ora, estou com Dante, abismado nos seus tercetos sagrados. Ora, degusto a sabedoria de Montaigne e o desespero de Pascal. De vez em quando, volto aos gregos e repasso as aventuras de Aquiles, na Ilíada, e de Ulisses, na Odisseia, estas duas narrativas originais e fundantes. Quase sempre folheio os volumes de Kierkegaard, os versos de Baudelaire, os capítulos de Flaubert, as ironias furibundas de Shopenhauer, o destemor e a iluminação de Nietzsche, a amargura eucarística de Cioran. Claro, Fernando Pessoa não me deixa, seus heterônimos me fascinam. Augusto dos Anjos, José Lins do Rego, Ariano Suassuna compõem a Santíssima Trindade de minhas escolhas paraibanas. Gosto de Lúcio Cardoso, Jorge de Lima, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Nélson Rodrigues, Machado de Assis. Machado de Assis, só ele, e as coisas sobre ele, constituem um núcleo duro de minha biblioteca.

E há os ingleses, os alemães, os norte-americanos, os espanhóis, os latino-americanos, os italianos, os russos. Ah! Os russos! Gogol, Dostoiévski, Tolstói, Tchecov, Maiakóvski, Anna Akhmátova. Por maior que seja a Sibéria, ainda seria pequena para conter e guardar a grandeza dessa literatura.

Que marcas estes autores e estas obras imprimiram no meu rosto, n o meu modo de ser, na minha maneira de mensurar as coisas e conviver com as criaturas?

Verdade. A minha biblioteca é única e tem a minha cara. Única, na sua pluralidade de saberes, onde a filosofia, as ciências sociais, principalmente a história; a estética, o cinema, as artes plásticas, as religiões dialogam entre si no ecumenismo de suas mensagens. Tem a minha cara, sim, pois sou feito desses livros que me acompanham na alegria e na doença, num casamento indissolúvel e sempre amoroso.

O repertório, a arrumação, o cuidado, a limpeza, as seções, os assuntos, as possíveis divisões, as doutas classificações, tudo é fundado na razão e na fantasia, frutos de uma mente e de um coração irrepetíveis.

As obras e os autores que me impregnaram com suas lições de beleza e sabedoria também adquiriram, no compasso da leitura diuturna, certo jeito de ser que vem das minhas mãos, do meu olhar, da minha forma individual e única de amá-los com um amor que não cansa e não se desgasta. Se Shakespeare é um autor universal, como Homero, Dante, Dostoiévski e T. S. Eliot, por exemplo, sinto que tenho o meu Shakespeare, o meu Homero, o meu Dante, o meu Dostoiévski e o meu T. S. Eliot.

Minha biblioteca tem sido o meu mundo. Meu mundo tem sido os livros. Minha biblioteca sou eu!

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Recomendo este! https://www.maispb.com.br/721537/recomendo-este.html Wed, 08 May 2024 10:00:44 +0000 https://www.maispb.com.br/?p=721537   Sempre gostei de recomendar livros para as pessoas. Na sala de aula, qualquer que fosse o assunto, estava eu a dizer leiam isto, leiam aquilo. Deixei a sala de aula, mas a mania, ou o gosto, o prazer, a obsessão continuam a compor a minha singela escala de afetos. Sim, porque indicar um livro […]

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Sempre gostei de recomendar livros para as pessoas. Na sala de aula, qualquer que fosse o assunto, estava eu a dizer leiam isto, leiam aquilo. Deixei a sala de aula, mas a mania, ou o gosto, o prazer, a obsessão continuam a compor a minha singela escala de afetos.

Sim, porque indicar um livro não deixa de ser um sinal de afeição, uma tentativa de me aproximar desta ou daquela pessoa, ou, em possibilidades mais ousadas, tocar a pele do desconhecido, sugerindo, ao próximo, as venturas e desventuras que um bom livro pode trazer na sua floresta de signos.

De outra parte, quando recomendo a leitura de um autor de minha eleição, por exemplo, um poeta como Jorge Luís Borges (foto) , ou um romancista como Dostoiévski, estou querendo, entre tantas coisas possíveis, costurar um laço de amizade, um ponto de cumplicidade, uma linha de compartilhamento que nos podem unir dentro dos sigilos da vida e no reino daquilo que Goethe chamou de “afinidades eletivas”.

Às vezes não só gosto de recomendar. Gosto de dar. E, se dou um livro a alguém, estou me dando um pouco neste gesto gratuito e docemente humano. Pudesse, daria sempre certos livros a certas pessoas. Certas pessoas são como certos livros. No momento certo, bafejados pelo halo dos deuses estéticos, certos livros e certas pessoas se encontrarão para sempre. Uns não saberão viver sem as outras e vice versa.

Imagino que a Divina comédia, de Dante, seria um presente essencial para os ouvidos e para a fantasia do leitor. Imagino que não existe sabor mais raro do que ler seus tercetos de ouro pela primeira vez. Dante, sempre o vi como um mágico maestro manuseando a partitura das palavras como se as palavras fossem pepitas do fogo divino, perpassando as rotas do Inferno, do Purgatório, do Paraíso.

Concordo com Gerardo Mello Mourão: “Ou Dante ou nada!”.

À Lara, minha netinha querida, conto os dias para um dia poder lhe doar o meu Jorge de Lima, quase todo sublinhado em sua coleção de sonetos espetaculares e, mais ainda, nas escarpas lancinantes das estrofes multifárias que edificam a Invenção de Orfeu, sem dúvida, o poema mais ousado da literatura de língua brasileira.

Se dou este monumento de metáforas visionárias, e já o dei a tantos amigos e amigas, sinto que estou me desnudando nas águas principiais do que penso ser a poesia. Poesia, não somente como a gramática criativa na medula das palavras, mas também como as lições intangíveis que vêm da fala multi-idiomática da eternidade. A tristeza das coisas, a sabedoria do tempo, as belezas do espaço solar.

Quando recomendo um livro, o meu saber, os meus desejos, os meus conceitos, as minhas ideias estão em jogo. A minha ética vai, embutida, no silêncio de cada página, assim como a minha fé, por mais paradoxal que seja, se assenta nos conflitos e nos sonhos daqueles personagens amados.

Toda a minha generosidade se cristaliza quando recomendo um livro. Se eu lhe disser leia este aqui, depois aqueloutro, principalmente este que passei a minha vida lendo, fique certo de que você já integra a esfera amorosa de meu coração. Coração aberto e plural, sedento de novos afetos e novas leituras.

Não me levem a mal, mas tenho absoluta certeza de que sou meio Raskolnikov,  meio Bartleby, meio Madame Bovary, meio Julien Sorel, meio Joseph K., meio Florentino Ariza, meio Carlos de Melo, meio Luís da Silva, meio Riobaldo, meio Quaderna etc. etc. etc.

Também habito a alquimia da “vida que poderia ter sido e não foi”, como escreve Manuel Bandeira neste verso perfeito. Também navego no “Ó mar salgado, quanto do teu sal ∕ são lágrimas de Portugal?”, de Fernando Pessoa. Também repito, com Cecília Meireles, que “A vida, a vida, a vida só é possível ∕ reinventada”.

Ora, o que são os livros senão uma maravilhosa reinvenção da vida. Por isto mesmo, quem recomenda ou dar um livro dar ou recomenda muito mais que papel e tinta. Muito mais que um objeto industrial ou um artefato artístico. Tal gesto, na sua pequenina singularidade, é pedido, é dádiva, é bálsamo, é bênção.

Se é assim, vamos aos livros. Vamos doá-los, ofertá-los, recomendá-los. Os livros enriquecem as regiões de nossa intimidade, ampliam o nosso olhar, nos aproximam uns dos outros, podem nos fazer melhores e mais felizes.

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