Regina Botto • MaisPB https://www.maispb.com.br/categoria/colunistas/regina-botto Soma de conteúdo com credibilidade Mon, 15 Jul 2024 15:19:47 +0000 pt-BR hourly 1 112837577 O sentimento de quem faz 80 anos https://www.maispb.com.br/732300/o-sentimento-de-quem-faz-80-anos.html Mon, 15 Jul 2024 15:19:47 +0000 https://www.maispb.com.br/?p=732300 Desejo aqui registrar o sentimento que me toma ao completar 80 anos. Olho a trajetória da minha linha do tempo e várias emoções me invadem num processo de reflexão. Todo o homem é fruto do contexto de formação e informação que teve ao longo da vida e isto determina sua maneira de pensar, de sentir […]

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Desejo aqui registrar o sentimento que me toma ao completar 80 anos. Olho a trajetória da minha linha do tempo e várias emoções me invadem num processo de reflexão. Todo o homem é fruto do contexto de formação e informação que teve ao longo da vida e isto determina sua maneira de pensar, de sentir e de agir sobre sua realidade o que o faz histórico e situado. Comigo não podia ser diferente. Procurei refletir a minha vida até os dias de hoje e rastrear com o olhar no tempo fugindo de   mim mesma e buscando o passado que já vai muito distante. Colhi as lembranças que me vieram como legado e procurei identificar as repercussões na minha formação. Sinto palpável que fui influenciada por dois mundos, aquele do ambiente doméstico existente de maneira informal, na vivencia com meus pais e irmãos e aquele que foi construído no recinto escolar. Com o passar do tempo senti bem nítidos esses componentes na minha estrutura e conjuntura de criação. O primeiro refere-se ao período infantil onde vivi exclusivamente com meus familiares, que não eram ricos mas souberam dosar todos os meus desejos de criança. Não foram muitos, até porque os brinquedos eram escassos. Tinha uma boneca linda, grande, italiana, que ganhei de um amigo de meu pai que tinha vindo do exterior. Para mim era tudo pois me contentava, como criança, porque possuía cabelos que eu podia penteá-los e abria e fechava os olhos, prestando-se muito bem para conter a fantasia de dizer: “ela dorme” e aí as brincadeiras se aproximavam mais da realidade. Havia também uma coisa que ela fazia: atrair minhas coleguinhas pois todas queriam brincar comigo.  Quando fui estudar no colégio, interna, levei a boneca que causou sensação. Recordo minha infância e julgo que fui muito feliz, tive o aconchego de meus pais e o acolhimento das freiras francesas catarinas, que me cercaram de ensinamentos, carinho e amor.

Por que fui estudar num colégio interno? Meu pai era engenheiro e as freiras conseguiram que ele construísse o colégio sem que fosse cobrado nada. Elas frequentavam a minha casa e eram simpáticas comigo e eu gostava delas. Um dia a Madre irmã Helena disse: “D, Elza deixe eu levar essa menina para estudar no colégio?” Isto na minha frente.  Então a partir daí eu fiquei dizendo que queria estudar no colégio das freiras. Até que meus pais acordaram e no ano seguinte minha mãe fez meu enxoval e eu fui estudar. Convertia-se em momento de alegria a ida para o colégio. Tanto que fui interna no Colégio da Luz em Guarabira, onde cursei o primário e ginásio, recebendo uma educação primorosa e sentia-me feliz, querida e integrada com minhas colegas e com o corpo docente e em nenhum momento senti-me constrangida ou incomodada naquele educandário que ministrava uma educação integral, que ia do ensinar como se portar à mesa e saber comer uma fruta, como a banana, que não era descascada com a mão e sim com a faca; ao ensinar o francês e os conhecimentos gerais. Durante o período que estive naquele estabelecimento recordo, com saudades, dos mestres, das brincadeiras com as colegas, a barra bandeira, o baleado, o ossinho, e já mocinha integrei o time de vôlei do colégio. Participei de teatro, encenando a filha da rainha, frequentei aula de pintura e cheguei a pintar duas telas; aprendia piano e acordeom; tive educação esmerada e integral. Lembro-me, ainda criança, meu tio Milito, que era meu padrinho, presenteou-me com um radinho portátil que trouxe de uma viagem aos USA e era uma novidade espetacular. Sucesso entre minhas colegas, cada uma que quisesse emprestado para ouvir programas de rádio, isto principalmente na hora de dormir e aí eu emprestava a uma a outra, O radinho causava sucesso. Carrego boas lembranças. O colégio era simples, sem luxo, mas os professores exerciam a função de mestres, verdadeiros educadores. Como legado deixei a boneca que ainda era linda e passou a ser adorno em cima do piano do colégio.

A segunda etapa de minha educação foi quando adentrei ao Colégio Nossa Senhora de Lourdes. Já estava uma moça sabendo o que queria e destinada a frequentar a Universidade na área da Saúde. Este desejo orientava para realizar o curso cientifico que integrava conteúdo de ciências exatas, enquanto as colegas que desejavam cursar letras, direito e humanas cursavam o clássico, que puxava mais para o conteúdo das línguas neolatinas, história e geografia. Estudei 3 anos nesse estabelecimento. Integrei o time de vôlei do colégio tendo participado, todos os anos, das olimpíadas estudantis. Fiz amizades que preservo até os dias atuais. Várias colegas já partiram.

Seguindo a caminhada, nesta terceira etapa, prestei vestibular para Enfermagem. Cursei e especializei-me em Enfermagem de Saúde Pública, fiz Mestrado de Saúde Pública na Fundação Oswaldo Cruz na cidade do Rio de Janeiro. Prestei concurso para Enfermagem de Saúde Pública na UFPB em 1968. Ainda lecionando na Enfermagem realizei Curso de Pedagogia com área de concentração em Administração Escolar, por entender que o curso iria ajudar-me na carreira de professora. Ele também me deu subsídios para o concurso na área da educação. Permaneci na Enfermagem até 1992 quando fiz novo concurso para a área de educação para ensinar Didática e Prática de Ensino.  Recebi o título de professora Emérita da UFPB, pela atuação na Enfermagem, no ano de 2011.  Realizei Curso de doutorado na Universidade Nacional de Educação de Madrid, tendo sido aprovada na área de Didática e Filosofia da Educação com o conceito “sobressaliente com Lauder”. Na área de educação permaneci 15 anos quando fui aposentada pela compulsória aos 70 anos. Durante minha vida acadêmica vivi intensamente dando o melhor como pessoa e profissional; escrevi livros, criei teoria, participei ativamente da vida universitária, amava o que fazia e hoje sinto imensa saudade. Fiz uma síntese de como a vida me construiu   estruturalmente.

Tentei separar a vida profissional da vida pessoal, todavia constata-se ser impossível pois todo esse caminho percorrido não ocorreu isoladamente. Elas caminharam juntas. Casei-me com Itapuan   Botto Targino, em 1970, e tive três filhos e toda a trajetória foi acompanhada por minha família e incentivada por um esposo que sempre teve palavras de estímulo durante todo o tempo. Reflito que a minha vida profissional foi bem-sucedida porque tive um homem ao meu lado que me amou e apoiou em todos os momentos, via no meu crescimento também o dele. Logo depois da aposentadoria adentrei na Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP), o que tem preenchido meu tempo nesse momento do ocaso da vida.

Dei uma passada na reflexão do meu interior e dissertei o que me veio na mente como recordação dos fatos, dos acontecimentos, do tempo, do que desfrutei da vida e o que ela me ofereceu. Mergulhei no mais profundo do meu íntimo e descortinei minha vida desnudando-me sem cerimônias, porque brotou do sentimento verdadeiro que trago comigo e hoje vive presente em mim, e, não há dúvida, foi determinante para ser a pessoa que eu sou.

Como encaro essa chegada aos 80 anos lúcida e com vontade de viver? É um privilégio para pouca gente. O que é motivo de comemoração e agradecimento a Deus por esta dádiva por Ele concedida. Assim aconteceu a celebração na noite do dia 15 de junho, No convite constavam os dizeres de um autor desconhecido. “ A maturidade de oito décadas nos ensina que a simplicidade é a chave para a verdadeira felicidade, encontrada nos pequenos prazeres do dia a dia”. E assim me pronunciei durante o meu jantar de celebração.

Boa noite a todos! Meus queridos familiares e amigos. Estou muito feliz em poder recebê-los aqui nesta noite para comemorar meus oitenta anos.  Na seara da vida nada acontece por acaso, tudo tem uma razão de ser. Ela é construída de momentos que são únicos. Com essa idade já vivi experiências, recebi lições, acertei e errei, fiz escolhas equivocadas, dei conselhos, recebi outros adquirindo e incorporando conhecimento, sempre firme em minhas convicções e, assim, fui construindo a minha história e a trajetória, cheia de amor, sabedoria e aprendizado para chegar até aqui. Ela é só minha, mas sofreu o processo da influência de meus relacionamentos, das informações e da formação que recebi aos longos dos anos, de meus pais, Serafim e Elza, da convivência com meus irmãos Antônio Gumercindo, que já não está mais entre nós, Serafim, que devido a motivo superior não pôde estar aqui presente e Maria Célia e a Irmã de coração Avonete. É ainda o resultado dos ensinamentos que recebi no colégio das irmãs Catarinas e das Lourdinas, bem como dos meus mestres universitários e do contexto da realidade em que vivi e me criei. Muita coisa tinha a dizer dos feitos e das realizações acumuladas. O homem é produto histórico dessa realidade que ao mesmo tempo a constrói e é construído por ela. É um ser ideologizado, um ser social.

Relutei em comemorar, mas fui convencida pelo meu neto, Antônio Carlos, dizendo que era um momento que a família também se regozijava em estarmos juntos e celebrar a vida. Viver é uma dádiva de Deus e agradeço muito a Ele, poder supremo, ainda nessa idade vivenciar tamanha alegria quando na linha do tempo constato que muitos parentes e amigos já partiram, as vezes sem nem dizer adeus, e sem que pudessem realizar celebrações como esta. Estou feliz e a felicidade desse momento constata-se justamente por contarmos com a presença de pessoas tão amadas e queridas. Agradeço, principalmente, aos que vieram do Rio, como meu afilhado Antônio César, e minha querida prima e comadre Edna, a amiga Vânia, que com a família se deslocou do interior a 319 quilômetros, da cidade de Monteiro, para estar aqui. Enfim a todos aqui presentes. Desejo manifestar gratidão, de modo especial, ao meu esposo Itapuan, que tem sido meu companheiro de todas as horas, dando-me força para prosseguir em frente. Aos familiares em especial aos meus filhos e suas famílias constituídas, Marielza com o genro Carlos, seus filhos Gabriel e noiva Rebekka, Antônio Carlos e esposa Ana Beatriz; Estevam e nora Andrea e suas filhas Lara e Letícia; Itapuan Filho e nora Ericka com seus filhos Luca e Gabriele. Ressalto a minha eterna gratidão a meu neto Antônio Carlos e esposa Ana Beatriz que me prestaram grande homenagem colocando o nome de sua primogênita Regina, que foi o maior presente que podia receber, pois, mesmo com a minha partida para o etéreo, ele ficará reverberando na minha bisneta. Com essas palavras encerro revelando o sentimento de gratidão por compartilharem desse evento único da minha vida, que nesta idade eu ainda encontro força e vontade de viver, se Deus assim o permitir.

A comemoração dos meus 80 anos converteu-se para mim numa prestação de contas! Do que fiz, do que faço e do que pretendo fazer. Vi nos testemunhos dados pelos meus amigos e familiares a avaliação feita das minhas ações enquanto pessoa e profissional. No dia 18 de junho, que é o dia do meu nascimento, foi celebrada uma missa na igreja Mãe dos Homens, pelo Cônego Marcelo, em ação de graças pela minha existência. Contou com a presença de todas minhas amigas de infância, de ginásio, das Lourdinas, da Universidade, de Enfermagem e do Centro da Educação. Na ocasião a professora Maria de Lourdes Henriques fez um pronunciamento dando-me de presente um poema oferecido por um amigo e colega de doutorado, hoje já falecido, Frei Marcelino, intitulado “Versos para Dra. Regina”, que havia feito para me presentear por ocasião da minha conclusão do doutorado.

Encerrando, assim, esse texto, que é o registro histórico de minha vida e do sentimento que guardo em meu ser e que fiz questão de tornar público, trazendo recordações e lembranças de passagens que vivi e experimentei durante a vida e que ficarão para o conhecimento de todos os meus descendentes e dos que ainda estarão por vir, a fim de que possam ser sabedores de quem eu fui e o que representei para a família, que nós, Itapuan e eu, construímos e que será perpetuada pelas gerações vindouras. Estou muito grata a Deus por me ter concedido viver esse momento. Para cada etapa da vida existe um sentimento e um processo na maneira de viver e ver as coisas e nenhuma é menos importante que a outra.  Faz parte do dinamismo da vida. Obrigada.

Profª. Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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Retalhos da vida – A luta pela vontade de viver. https://www.maispb.com.br/724754/retalhos-da-vida-a-luta-pela-vontade-de-viver.html Tue, 28 May 2024 00:09:52 +0000 https://www.maispb.com.br/?p=724754 No caminhar da vida tenho experimentado momentos que nunca pensei e planejei. Eles foram surgindo para preencher o tempo, impulsionar o percurso e construir o dia de amanhã, diferente do de hoje, ao quebrar a rotina, criar novas expectativas e motivações que assumem a razão do nosso existir. A pandemia nos isolou e nos fez […]

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No caminhar da vida tenho experimentado momentos que nunca pensei e planejei. Eles foram surgindo para preencher o tempo, impulsionar o percurso e construir o dia de amanhã, diferente do de hoje, ao quebrar a rotina, criar novas expectativas e motivações que assumem a razão do nosso existir. A pandemia nos isolou e nos fez incomunicáveis fisicamente, todavia proporcionou com isso que buscássemos outras formas de nos socializar e relacionar com as pessoas. Surgem a cibercultura, a comunicação digital, a internet, como ferramentas que nos dão essa oportunidade extraordinária de estarmos perto, no aqui e agora, mesmo a quilômetros de distância, de maneira virtual. O mundo tornou-se pequeno e o tempo é imediato. E as vezes mais rápido do que se estivéssemos presente fisicamente.  Durante esse período foi criado um grupo por uma colega nossa do Colégio N.S. de Lourdes, residente em Salvador, chamado “LOURDINAS 1963”, para que todas as colegas da turma concluinte daquele ano pudessem se comunicar. Foi um acontecimento por demais prazeroso que movimentou todas nós dando oportunidade de reencontrarmos pessoas que fazia cinquenta anos que não se viam, pois cada uma seguiu seu destino.  Nesse   contexto vou procurar narrar os fatos que me tocaram ao coração ocorridos nesses últimos meses.

O grupo Lourdinas 1963, constitui um loco de desabafo. É ali que se dá o desnudar da vida das amigas e cada uma expressa como ainda está lutando para viver e aproveitando o tempo que ainda lhe resta. Observa-se que os diálogos são carregados de emoções, manifestações de dor, de alegria, preocupações, as doenças que as acometem, sucessos obtidos por uma formatura de um neto ou o nascimento de um bisneto, como o de Eliete que recebeu os cumprimentos de Wolma se referindo ao nascimento do seu bisneto: “que presente Divino, Eliete. Parabéns! Bênçãos de Deus sobre essa criança, seus pais e toda sua família. Um grande abraço”.  Cumprimentos e felicitações pelo Dia do Assistente Social dados a Cleinha, de Letícia dizendo: “Tudo o que Eliete falou é realmente verdadeiro sobre o quem você é. Reafirmo que você é uma pessoa maravilhosa, de coração grande e solidária com o sofrimento do outro, preocupada com o irmão. É tudo maravilhoso ao seu redor. Que Deus, os anjos arcanjos, querubins e serafins fechem o cerco trazendo a felicidade completa para você, Um beijo grande”. Giannina cumprimentada por Aurimar que expressa: Giannina ! Estes olhos maravilhosos que mais parecem duas esmeraldas, muitas felicidades, muitos anos de vida e saúde e é isto tudo que a gente precisa, para poder gozar do que nós estamos a desejar. Eliete fez também seu cumprimento: Giannina querida, Parabens! Que Deus lhe proteja cada vez mais com saúde, alegrias e ilumine seus caminhos. Feliz Aniversário! Valmira acrescenta: Querida Giannina, parabéns, muitas felicidades e que Deus a proteja, abençoe e ilumine seus caminhos. Diz Vânia: “somos um grupo coeso e cheio de histórias e aventuras”. Compartilha-se os problemas enfrentados no dia a dia, e deixa-se transparecer o estado de ânimo e espírito existente na pessoa naquele momento. Uma história de amor, um problema com um filho, uma situação difícil de doença etc. Contam dos passeios realizados, a alegria de ter conhecido lugares  diferentes, e desconhecidos, realizar uma visita a museu, igreja  ou um lugar  desconhecido, etc.

Recordam a ausência das colegas que já se foram. Aconteceu caso interessante com Lucia Yplá, dizendo: “estou sem motivação para viver” e ao mesmo tempo levanta o ânimo das amigas para enfrentarem as vicissitudes com altivez. A fala de Lucinha sempre é contagiante e emocionante, ela fala empregando a alma e o coração, mas transmite para nós uma situação inédita, num mesmo momento expressa o encontro do presente com o passado. O que lhe faz triste e ao mesmo tempo alegre. Numa verdadeira dialética com ela própria. Ora sente vontade e alegria de viver, ora comenta suas tristezas e limitações. Aí ela faz seu relato tão verdadeiro que parece estarmos vendo tudo que ela diz e sente, numa transparência tal que emite tristeza, como também enxerga que não pode ficar desolada e depressiva, tem que levantar a cabeça e seguir em frente, vencendo o viver da vida. O contraditório do sofrimento.

Em outro momento Lucinha diz rezar pelas colegas mortas e menciona que nas suas orações estavam: Delma, Elda, Vera, Carmem e também incluía a colega Olivia Teixeira entre elas, isto por vários anos só a dois ficou sabedora por outras colegas que ela estava viva. Olivia, que ouvia o áudio, argumentou que isso foi verdade porque esteve muito doente e que havia surgido o boato que tinha morrido. Ela fala que se encontrou com amigas que quando as viu espantaram-se causando surpresa para todas que a consideravam desaparecida.

Olivia, procurando encorajar Lucinha, prega uma verdadeira lição de vida e de ânimo e nem por isso deixou de contar as vicissitudes e as agruras da vida que enfrentou e superou na sua linha do tempo para chegar aonde se encontra. Fala com o sentimento de dor no âmago pelo que sofreu e viveu. Pareceu-me muito inteligente que os percalços ocorridos serviram como desafios para impulsioná-la seguir adiante. Diz: “eu apesar dos momentos difíceis soube administrá-los e superá-los”. Hoje conta os resultados exitosos demonstrados na vida de seus filhos e netos. O desenvolvimento para construção foi trabalhoso mas olha para trás, no que já vai muito longe, que valeu a pena ter vivido. Entendi que quis com seu exemplo dizer a Lucinha: não desanime e nem fique depressiva, esperando o pior. Tudo tem seu tempo. Não se apresse, vai chegar um dia, não antecipe. E enquanto ele não chega viva e anime-se. Constato que existe um tempo menor para viver do que aquele que já vivemos. Olhar para a frente!

Nossa amiga Cleinha, também querendo dar força a Lucinha, que é chamada pelo grupo como evangelizadora, faz depoimento calcado na premissa de que todos nós temos problemas. Esta tese admite como verdadeira e para ilustrar cita uma parábola que conta do diálogo de um homem com Jesus sobre sua cruz em que ele solicita uma cruz menos pesada. Jesus manda escolher outra cruz, mas ele, após procurar, preferiu ficar com a mesma. Então ela fez analogia dizendo que as vezes pensamos que nossa cruz é mais pesada e observa-se o engano. Aí temos que nos conformar com a nossa. Ilustrou argumentando o caso da clínica em que foi mal atendida e o descaso demonstrado pelo idoso. A comida do restaurante que não lhe fez bem.  Vânia acrescenta, citando o jargão de uma tia: “Existe o pior seria”.

Um caso que me chamou muita atenção nesses últimos meses, foi a história de amor contada por uma integrante do grupo, que mora em outro estado, e esteve aqui recentemente em João Pessoa passeando com a filha que estava vivendo um momento emocional difícil, depressiva, num processo de separação, e a sua vinda tinha o propósito de tirá-la do foco, procurar esquecer o acontecido, distrair, espairecer fazendo olvidar o episódio daquele momento tão doloroso.  Vejam como são as coisas, uma guerra em Israel, naquele mundo tão distante e dizemos:  está muito longe, não temos nada a ver com isso. De repente nos deparamos com o sofrimento da nossa amiga que tem uma filha casada com um filho de judeu, cujo casamento durou 17 anos. Há um ano vinha dizendo para sua filha que iria embora para Israel e logo começou a tirar os papeis. Ela ponderava falando para que deixasse terminar a guerra. O marido dizia que ia fazer um curso lá, etc. Isto sem que sua mãe soubesse de nada. A filha, mulher inteligente, bem-sucedida, que tem cultura e posição, com dois empregos que lhe dão uma boa renda. Mora muito bem e disse à mãe, eu não vou. No que a genitora concordou. “Claro que não, minha filha”. Ele se desfez de todos os bens, inclusive levou até o cachorro pagando preço altíssimo em avião próprio para transportar animais. Hoje, se encontra em uma pequena cidade próxima a Israel prestando serviço e aprendendo o idioma.  Sustentado durante 6 primeiros meses pelo estado judeu, arcando com todas suas despesas. Completado o tempo, a partir daí terá que viver às próprias custas. Foi para lá voluntariamente na iminência de perder a sua vida. O que a deixa apreensiva, nervosa e não é para menos. É o sangue de seu sangue e carne de sua carne. Sofrem juntas. A cidade onde vive o marido já sofreu vários bombardeios. De lá ele não para de ligar contando os acontecimentos e daqui mesmo ela fica acompanhando tudo. Às vezes estão se falando e de repente a sirene toca avisando bombardeio, ele diz que só tem tempo de pegar a mochila e se meter num bunker. Ela fica ainda mais nervosa e dispara no choro. Mas o que eu vou fazer? Diz a mãe: “ foi ela que escolheu o marido, tudo bem. Fazer o que? ” Ela indagou a filha: “Minha filha, era bom se ele voltasse? ” Ela respondeu: “Não volta não mãe. Se voltar paga uma multa para o governo, não tem como recuar. Está treinando o idioma já faz um mês e encontra-se inscrito num curso de chefe de cozinha, ele é formado em direito. Falou para a filha que o amigo que era dentista estava ganhando 10 mil dólares para trabalhar 3 horas. Eu disse: “E a vida? Vale a pena? ”. Vimos nossa amiga desolada com a situação. No grupo cada amiga do seu jeito procurou confortá-la.

O desejo da colega era participar de encontros com as demais, chegou a cogitar comparecer com a filha, mas ela relutou e demonstrou que não queria estar em lugar de muita gente pois a sua vontade não era ver ninguém e então levantou a possibilidade de ir só ao encontro das amigas, mas foi impedida com o apelo: “não me deixe só”. De modo que a colega esteve aqui em João Pessoa, mas não teve oportunidade de nos ver. Lamentou muito, porém a prioridade era dar apoio a sua filha. Renunciou, deixando o encontro para outra oportunidade. As amigas respeitaram e entenderam a situação daquele momento e seria inoportuno deixá-la desolada, sozinha em um quarto de hotel. Era justo que como mãe ficasse solidária com a filha, comungando de sua dor. A colega confortava a amiga; “ isto é uma fase, mas que irá passar logo e que deveria dar toda assistência, e esta seria a prioridade. Almejava que os bons ventos soprassem de maneira positiva e que Deus e Nossa Senhora os ajudassem”.  O grupo foi convocado para em oração suplicar a Deus a proteger o genro da amiga livrando-o de males e das balas. É o que podemos fazer, orar.  Que Deus conceda a paz tão desejada.

Eu também prestei minha solidariedade à colega dentro do contexto da conversa. Disse: Amiga querida, realmente a situação política está difícil, mas a que mexe com o emocional é pior como se partisse o coração e o conflito que vai no âmago da alma de quem ama e principalmente quando se trata de uma separação do ente amado. Nossa mais forte comunhão de sentimentos para com você e sua filha, porque além da apreensão da guerra ela vive uma guerra íntima maior do que a guerra que se processa, ela está arraigada no fundo de seu coração e nas entranhas de sua alma. É uma dor lancinante que só sente quem já teve a experiência da perda de um grande amor. Aqui no grupo temos exemplos de Lucinha e de Vânia. Não haverá vitória nesse momento, porque este conflito é inglório e já existe a perdedora que é ela. Vejo nessa situação, embora complicada, um fio de esperança que tudo volte ao normal. Quem sabe se esta ida dele para Israel e a separação servem para fazer refletir e consolidar mais essa união! Às vezes os caminhos de Deus são tortuosos para depois aprumá-los. Uma coisa chama atenção, a reclamação dele quanto a falta de comunicação. Isto é uma demonstração que sente a sua ausência.  Mesmo à distância o falar com ela ameniza a sua ausência física.   É certo que dá importância e está sentindo seu afastamento com a distância. Se houvesse o vazio do amor esse sentimento era inexistente. Para mim, ele permanece, por isso acredito numa reconciliação. Vamos fazer uma corrente positiva. A voz do amor falará mais alto e norteará os caminhos. Aguardemos.

Numa tarde já quase noite nos reunimos com as amigas que o tempo consagrou. Mais um encontro, como fala Vania:  “ mais uma vez a alegria deu origem a saudade “. Motivo de alegria por celebrarmos o aniversário de nossa querida Zenilda e a tristeza pela despedida antecipada de Germana. Isto às expensas de Cleinha e da aniversariante Maria Arminda, Letícia e Aurimar. Reunião prazerosa. Falamos de amenidades, de fatos que nos levaram ao passado e atualizamos o que se tem notícia de hoje e dos eventos que nos chama atenção. Letícia mesmo não comparecendo ao encontro despediu-se de Germana postando: “Se Deus quiser, nos encontraremos mais uma vez no próximo ano. Beijos no coração com Jesus e Maria no comando de sua viagem”.  Cada vez mais nossa amizade se consolida. Terminamos a nossa confraternização com a intenção de realizarmos novo encontro a ser marcado pela líder agregadora e evangelizadora, Clea Moura.  Agradecemos a Deus por oportunizar momento único como este.

Gente, se eu fosse falar teria muito mais a dizer e comentar porque a toda hora surgem novidades e novos casos. O nosso grupo é composto de amigas, todas carregadas de valores. Possuem suas verdades e as defendem com pensamentos dos mais profusos até porque cada uma é fruto da realidade de suas vidas que são diferentes e apresentam-se diversificadas. Uma   coisa percebemos que nos une e é igual: são aqueles princípios defendidos e ensinados em nossa formação no Colégio N. S. de Lourdes, que estão presentes em nós até hoje. Isto é transparente em nossas falas, em nosso proceder, no acreditar em Deus, na prática dos valores morais e éticos em nossa vida pessoal, profissional e familiar, ensinamentos que nos ajudaram, em muito, a chegar até aqui e a enfrentar a luta pela vontade de viver.

Profª. Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP

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 Solidariedade https://www.maispb.com.br/719977/solidariedade.html Mon, 29 Apr 2024 22:41:42 +0000 https://www.maispb.com.br/?p=719977 A palavra solidariedade tem origem no francês (solidarité) que também pode remeter para uma responsabilidade recíproca. No mundo pós-moderno o que muda no sentimento do homem, hoje? Há várias mudanças. Até porque desde ao nascer o homem se insere em uma sociedade que é única. É o contexto econômico, ambiental, cultural e social, que faz […]

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A palavra solidariedade tem origem no francês (solidarité) que também pode remeter para uma responsabilidade recíproca. No mundo pós-moderno o que muda no sentimento do homem, hoje? Há várias mudanças. Até porque desde ao nascer o homem se insere em uma sociedade que é única. É o contexto econômico, ambiental, cultural e social, que faz a diferença. Onde o homem nasce ele determina sua maneira de viver e conviver. Faz sua história e também é feito por ela. Isto é um fato. A população do mundo cresceu e com ela cresceram todas as demandas implícitas que implicam em satisfações pessoais, educacionais, emocionais, econômicas e sociais, de acordo com a civilização a que pertence.

Nesse mundo onde cabe a solidariedade? Que sentimento é este? Termo que se atribui a atos de bondade, compaixão e empatia em relação ao outro. Gestos que demonstram o reconhecimento e a valorização das ações altruístas que contribuem, ajudam e apoiam as pessoas visando o bem-estar do próximo. Há o desejo e o sentimento que a solidariedade seja a ferramenta que possa ajudar a construir uma sociedade mais justa e igualitária e que ofereça melhoria das condições de vida aos cidadãos em situação de vulnerabilidade e assim estabelecer o bem-estar coletivo. Este sentimento constatamos nas pessoas que trabalham voluntariamente ajudando aos mais humildes, pobres e moradores de rua. Existem muitas formas para se praticar a solidariedade nas mais variadas áreas. É possível se engajar em projetos sociais, seja como voluntário em instituições de caridade, seja participando de campanhas e projetos.

As Nações Unidas instituíram o dia 20 de dezembro como Dia Internacional da Solidariedade Humana. Esta data foi estabelecida em 2005 através da resolução da Assembleia Geral de nº 60/209, onde descreve a solidariedade como um dos valores fundamentais e universais do século XXI. Com essa criação a ONU busca promovê-la ao alcance dos ODSs. (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), funcionando como guia para políticas públicas incluindo a erradicação da pobreza. Entende a ONU que: “a solidariedade global é fundamental para atingir todos os objetivos, posição exposta na Declaração do Milênio como um dos valores fundamentais das relações internacionais no século XXI, em que aqueles que sofrem ou se beneficiam menos merecem ajuda daqueles que se beneficiam mais”.

Émile Durkheim, sociólogo francês, abordou o sentimento da solidariedade em sua obra intitulada “Da Divisão do Trabalho Social”, publicada em 1983. Afirma: ”a solidariedade é uma relação moral que permite aos indivíduos se sentirem pertencentes a uma sociedade. Entende que existem três tipos: a comunitária, a mecânica e a orgânica. A comunitária se manifesta através do sentimento social que agrega interesses comuns de um grande grupo de indivíduos que lutam juntos pelo mesmo objetivo. A mecânica se apresenta por meio de vinculo social como religião, família, resultantes dos costumes e tradições etc. A solidariedade orgânica tem como propósito aprimorar o vínculo social que acontece na divisão do trabalho quando há a interdependência e o reconhecimento tácito que todos são importantes para gerar o fruto objetivo final da união de todos”.

Participo há cinco anos de aulas de hidroginástica para adultos e grupo de terceira idade numa grande academia, cujas aulas ocorrem duas vezes por semana. A professora Talita como verdadeira agregadora tem um domínio e liderança sobre a turma e habilidade de reunir os alunos. Promove passeios, realiza comemorações nas datas festivas, eventos e campanhas de solidariedade. Para cada evento é criado um ambiente e a academia recebe uma decoração a caráter de acordo com a temática da festa ou da época. Todo esse cenário proporciona aos alunos um ambiente alegre e de união, permitindo a integração dos discentes e a criação de laços de amizade entre eles. Tanto é assim que as aulas se convertem em lócus de desabafos em ambiente de familiaridade e confiança, parecendo fazer parte de uma grande família. Com o passar do tempo o conhecimento vai se aprofundando e todos nós colegas somos sabedoras de peculiaridades da privacidade de cada colega. O sofrimento e histórias passadas fazem parte de suas vidas.

Nesse grupo temos pessoas que vão de 46 a 93 anos e quando estamos juntos viramos crianças, gritamos, pulamos e manifestamos toda nossa alegria ali extravasada, criando um clima de camaradagem, prazeroso. Às vezes ocorre o contrário. Quando estamos passando por algum momento difícil esse sofrimento também é compartilhado e imediatamente os amigos levantam nosso astral incentivando, usando frases de efeito, pensamentos positivos, dando exemplos de sucesso de colegas que passaram pelos mesmos problemas e hoje se encontram bem. De modo que o momento da aula constitui motivo de satisfação e interesse de frequentar aquele ambiente tão acolhedor.  Observo no grupo sentimentos aguçados e presentes, na vontade de comunicar, falar, contar fatos antigos e atuais que estão vivendo. Pensando bem, constato que esses idosos na maioria se encontram sós, acompanhados                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    da solidão, fruto da longevidade que cobre sua vida e aquela aula funciona como uma válvula de escape, onde se sentem livres e libertos das amarras da censura e de protocolos.

Entre os colegas temos um casal muito querido, Sheila, de 79 anos e Frederico, que apelidamos carinhosamente de Fred, com 83. Vivem uma união de 53 anos consolidada por um amor só visto em conto de fadas. Da união   nasceram três filhos, duas meninas e um menino. Chamou a nossa atenção que eles apesar de bem casados nunca vinham juntos: uma vez era ele, outra vez era ela. Em conversa ficamos sabedoras que eles tiveram o filho homem com uma doença rara que o tornava incapaz; não saia da cama diante de limitações físicas e mentais.  Ao nascer o médico neonatal falou que ele teria poucos dias de vida.  Notícia que os deixou desolados. Fazer o que? Sheila e Fred conversaram muito, tiveram dias sem dormir, maquinando como iam enfrentar aquela situação que também iria afetar suas vidas. Uniram-se para traçar plano como iriam viver de agora por diante, e eles afirmam que só o amor existente entre os dois    foi capaz de sustentar e superar aquela situação tão difícil que se apresentava. Sem contar, também, com a assistência que deveriam dispensar às outras duas filhas.

A criança Artur, que iria durar alguns dias, fez 45 anos no dia 11 deste mês. Aí nós compreendemos porque os dois nunca estavam juntos. Porque quando uma saia de casa o outro ficava para dar a assistência que Artur necessitava. Sheila conversando disse-nos que não tinha cuidadora para ele. Tudo faziam para superar as restrições de Artur e, apesar das dificuldades serem muitas, havia sempre uma brecha para vencê-las. Diz: “Coisas de Deus. Os cuidados que dispensávamos a ele incessantemente o fazíamos com muito prazer. Ele falava com sons que davam a entender. O que desejava logo era satisfeito. Nunca nos lastimamos por ter Artur com essas deficiências de locomoção e de audição.  Vejo que serviu como ponto de união do amor que existia em nós. Cuidar dele nos causava satisfação e ele também sentia isto “.

Na semana passada sentimos a falta de Fred. Procuramos saber e tivemos o comunicado que seu filho estava muito doente. À noite fomos sabedoras do falecimento de Artur. As colegas começaram a dar a notícia do óbito de Artur e que o seu enterro seria no outro dia em um dos cemitérios da cidade. Toda a turma combinou de não ir à aula de hidroginástica e sim ao velório de Artur. Falaram para Talita ir também.  E assim foi procedido. Os quarentas alunos compareceram ao velório para abraçar Sheila e Fred, que ficaram possuídos de uma emoção incontida pelo gesto de solidariedade e demonstração de tanto carinho recebidos dos colegas.

Na terça feira, ainda não fazia sete dias da morte de Artur, Sheila e Fred apareceram na aula de hidroginástica, não para participar, mas para abraçar os colegas, um a um, numa emoção que as palavras eram insuficientes para descrever, deixando todas nós em silêncio. Neste instante, o silêncio falava mais alto, disse tudo, sem que fosse dito nada. Todos nós não tivemos o que falar. O casal veio agradecer a turma naquele momento tão doloroso, onde suas presenças foram confortantes e inesquecíveis. O casal até hoje não voltou às aulas.

A solidariedade não é só materializada com doações ou dinheiro, mas, também, com demonstração de carinho e amor e sentimento de amizade como este realizado pela turma da hidroginástica. O gesto solidário serve como bálsamo que ajuda a cicatrizar a ferida dolorosa que impacta a vida. É com atos como este que assumimos o valor intrínseco da dimensão verdadeiramente humana. É como assumíssemos a dor do outro. Parabéns! À Talita, professora, e à turma da hidroginástica pelo exemplo.

Profª. Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP

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O ocaso da vida https://www.maispb.com.br/717648/o-ocaso-da-vida.html Tue, 16 Apr 2024 14:16:51 +0000 https://www.maispb.com.br/?p=717648 Tudo tem seu tempo, com o homem não é diferente. Tempo de nascer, tempo de viver e tempo de morrer. Cada um tem peculiaridades que lhe são próprias e características únicas. A velhice é o fenômeno da vida que mais nos chama a atenção por nos parecer o mais frágil, mais dependente e que não […]

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Tudo tem seu tempo, com o homem não é diferente. Tempo de nascer, tempo de viver e tempo de morrer. Cada um tem peculiaridades que lhe são próprias e características únicas. A velhice é o fenômeno da vida que mais nos chama a atenção por nos parecer o mais frágil, mais dependente e que não permite uma evolução porque a sensação que temos é ao contrário. O avançar da idade, as mudanças, ocorrem de ordem física, psicológica, neurológica, fisiológica e social que provocam alterações no relacionamento do idoso com as pessoas, consigo mesmo e com o ambiente em que vive. Há um processo involutivo que não é estagnado e sim progressivo, as medidas e providências tomadas pela ciência e tecnologia, apesar dos avanços, apenas vão substituindo ou melhorando funções que são próprias do organismo para que se estabeleça o equilíbrio corporal. São os dentes que caem e são repostos; a pele que enruga e decai, tem os cosméticos e as plásticas; a vista que não consegue mais enxergar de longe ou de perto que o oftalmologista ajusta com os óculos ou lentes de contato; no ouvido que não consegue mais ouvir determinados sons o otorrino coloca o aparelho ajustável a cada caso e aí vai debreando. O estado de velhice mesmo com todo esse progresso não consegue de todo parar com este retroceder. Tudo acontece paulatinamente em seu caminhar até a finitude.

O fenômeno do envelhecimento constitui um dos mais relevantes e significativos do mundo contemporâneo. Segundo o estudioso do tema, Alves José Eustáquio (2023), “dominará o cenário demográfico do século XXI “. Há um crescimento acelerado no mundo e em especial no Brasil causando impacto econômico sobre o sistema de proteção social e de saúde, com implicações em todos os setores da sociedade; – no mercado laboral e financeiro; na procura de bens e serviços, como a habitação; nos transportes e na proteção social; nas estruturas familiares e laços intergeracionais. Globalmente, o número de pessoas com 80 anos ou mais deverá triplicar até 2050, passando de 137 milhões, em 2017, para 425 milhões conforme dados do censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2050, estima-se que a população de velhos representará ¼ da população mundial, alcançando 2 bilhões de habitantes conforme estimativa do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada. A idade média, que era de 29 anos, em 2010, passou para 35 em 2022. 5,5 milhões de idosos moram sozinhos no Brasil e boa parte deles não têm condições de contratar um serviço de cuidados. O IPEA recomenda atividade física; mobilidade para desempenhar as atividades cotidianas: tomar um transporte público, carregar pacotes de compras com 5 kg ou mais, usar telefone de forma, mexer com dinheiro, ir ao banco, gerir as próprias contas, cuidar dos afazeres domésticos, entre outras coisas, de forma independente.

Esta semana eu vivi essa realidade que os indicadores estatísticos supracitados estão a refletir. A história de que fui sabedora enquadra-se perfeitamente no cenário descortinado. Tenho amizade com Malu, fisioterapeuta muito dedicada e comprometida com o trabalho dispensado a seus clientes, na maioria idosos, deficientes neurológicos entre outros…. Possui vários cursos de pós-graduação, portanto encontra-se apta para resolver os problemas que tenham a indicação de seus cuidados. Já testemunhei várias recuperações, resultado de sua assistência.

Malu, através da sobrinha Suely, que é técnica em contabilidade e trabalha num sindicato, conheceu Filomena idosa de 76 anos que é sindicalizada. Suely, vendo Filomena apresentar-se debilitada, andar trôpego, fragilizada e torta, musculatura enrijecida, com dificuldades de deambular, aproximou-se e ofereceu-se para ajudá-la no que de logo foi aceita. Comunicou que percebeu suas limitações e que tinha uma tia fisioterapeuta, especialista em patologias do idoso e podia oferecer assistência, que iria melhorar a qualidade de sua vida. Filomena declarou que realmente estava precisando de uma fisioterapeuta porque a que tinha pelo plano não estava satisfeita. Além de ser pouco o procedimento era rápido, uns 15 minutos, quando o médico prescreveu meia hora, e constatava não haver melhora. Malu visitou Filomena, fez uma avaliação e hoje além de dá-lhe assistência, já se percebe resultados positivos principalmente com relação à sua mobilidade. A escoliose e a lordose são problemas degenerativos. A fisioterapia não a vai deixar completamente curada mas pode proporcionar-lhe uma qualidade de vida permitindo em parte libertar-se da subordinação em relação aos outros.

Filomena tem uma história de sofrimento. Nasceu gêmea com um irmão, no interior de São Paulo. Sua mãe na última gravidez teve eclampsia, ficou doente mental, e o pai, agricultor, trabalhava lavrando a terra plantando. Levava uma vida corrida com os quatro filhos, precisando de ajuda dos familiares e nem sempre contava com o apoio deles, pois todos tinham suas ocupações. Com isso era obrigado a deixar as crianças à própria sorte. O viver naquela situação foi ficando cada dia mais difícil e as dificuldades de criar os filhos foi se tornando impossível.

Havia um delegado que visitava o sítio que conhecia Jorge e sempre pedia: “homem me dê essa galeguinha para eu criar? ” Ele relutava. Uma vez insistiu e Jorge enfrentando a problemática e a miséria que vivia, achou que melhor para Júlia era estar com uma família que ia lhe dar o que ele não podia oferecer. O Dr. Expedito falou: eu vou criar sua filha, vou mudar o seu nome para Filomena em homenagem a Santa Filomena, de quem minha esposa é devota. Neste momento, Júlia passou a chamar-se Filomena, tinha quatro anos. Expedito era pernambucano, mudou-se para o interior de Pernambuco e morou em várias cidades, pois o seu cargo o obrigava a transferir-se de cidade. Filomena não foi muito feliz na família, porque diz que o irmão, filho do casal, não gostava dela. Estudou, fez vestibular para Direito, cursou até o quarto período, mas desistiu. Concluiu curso Técnico de Contabilidade com o qual submeteu-se a concurso do FISCO, órgão fiscalizador e controlador das finanças do Estado e foi morar em Campina Grande. Casou-se, com três meses engravidou, e, após seis meses de gestação, perdeu o filho. Separou e ficou tomando conta da mãe e do pai. Há cinco anos morreu o pai e há 3 foi a mãe. Aposentada, permaneceu em Campina, mas depois veio morar na capital. Aqui em Joao Pessoa, muito católica frequentando a igreja tornou-se amiga de um padre e de outras mulheres que também eram adeptas dos cultos religiosos. O padre transferiu-se para o interior do Estado e incentivou-a a morar também lá na cidade em que iria ser pároco. Morou dois anos, mas não deu certo. Ela fala que estava sendo muito explorada pelo padre e por outras pessoas, pois é acometida de patologias como: artrite, artrose, escoliose, cifose, não cozinha, não pode pegar em peso, tem dificuldade de locomoção, não tem força para levantar-se, o que a incapacita para que tenha uma vida independente, e impõe proteção aos indivíduos que encontram nessa oportunidade tirar proveito das fragilidades do momento. Mesmo com essa situação adversa permaneceu lá dois anos, quando resolveu retornar à capital. Mora em um bairro de classe média numa casa simples até os dias atuais. Tem intenção de comprar um apartamento à beira mar. Sua situação financeira é boa e lhe concede pagar por serviços que lhes são prestados. Hoje, conta com o apoio da vizinha que fornece as suas refeições, porém diz que se intromete em sua vida, dando regras e policiando as pessoas que a visitam. Isto a deixa bastante constrangida. São amizades que fez através da igreja, daqui e do interior e que as têm como família. Vive só, não tem ninguém com ela. O irmão adotivo perdeu o contato há quatro anos, sabe que tem filhos e mora no Rio, mas não tem notícias. Os de sangue foram adotados e não tem conhecimento onde estão, o sobrenome de família desconhece, pois deixou-os com quatro anos e não se recorda de nada. Sabe que sua descendência é italiana porque escutava o pai adotivo falar. Segundo Malu, Filomena tem temperamento difícil de convivência, atribui ela que foi devido a experiências anteriores por aqueles que ao aproximar-se dela eram para explorá-la e extorqui-la. Alguma coisa que faziam era pela troca de seu dinheiro sem que demonstrassem algum sentimento de carinho e afeição e isto a deixou embrutecida e infeliz. E assim Filomena leva a vida até o dia que Deus permitir.

Referindo-se a essa problemática, a antropóloga Mirian Goldenberg afirma que: “esse envelhecimento da população requer cuidados e mudanças no perfil da administração pública. Nós estamos vivendo mais, mas a qualidade de vida dos mais velhos é terrível. Não existem políticas públicas, as próprias famílias não estão preparadas, não existem formas de cuidar desses velhos. Então, eu acho que o Brasil ainda pensa que é um país de jovens, e não é. Nós temos que começar a nos preparar já. Aliás, já estamos muito atrasados”,

Está aqui a história de Filomena, comovente e triste, sem perspectivas de mudanças, melhoras e de felicidade. Como diante desse percurso em sua linha do tempo agora pode ser diferente? Situação inusitada que o destino a levou e que não há uma solução para que a trajetória seja outra e dar sentido a sua vida, objetivando uma perspectiva diferente. Diante do quadro exposto questiona-se quantas Filomenas existem no mundo e no Brasil? Há de se implantar uma política pública assistencial para minorar a situação dessa população sozinha envelhecida, porque a existente mostra-se insuficiente. O SUS haverá de expandir sua atenção. Profissionais deverão ser estimulados a especializar-se em geriatria. Diante da realidade que está tão perto de nós, o que fazer? Para quem apelar? O quadro é desafiante e desolador. O dever humanitário como fica? Ignorar que ele inexiste?

Profª. Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP

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As toalhas trocadas https://www.maispb.com.br/713001/as-toalhas-trocadas.html Tue, 19 Mar 2024 12:58:34 +0000 https://www.maispb.com.br/?p=713001 Usa-se o termo ignorância para atribuir a condição da pessoa que desconhece a existência ou funcionalidade de algo, de um assunto ou determinada coisa, de acontecimentos contemporâneos e que a torna incapaz de praticar procedimentos que requeiram conhecimento prévio do que se vai executar. Isto acontece com indivíduos analfabetos que por diversas razões não dominam […]

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Usa-se o termo ignorância para atribuir a condição da pessoa que desconhece a existência ou funcionalidade de algo, de um assunto ou determinada coisa, de acontecimentos contemporâneos e que a torna incapaz de praticar procedimentos que requeiram conhecimento prévio do que se vai executar. Isto acontece com indivíduos analfabetos que por diversas razões não dominam o conhecimento e neste aspecto permanecem cegos sem atingirem o mundo de ler e escrever. Situação de pessoa desprovida de cultura, que não estudou e apresenta ignorância total. Geralmente essa pessoa expressa-se de maneira grosseira, incivil, fugindo dos padrões do que a civilidade, em seu processo de inter-relações sociais, adota. Há uma ausência de consciência. Observa-se, que o homem é um ser aprendente. Não nasce pronto. Há que passar por processos pedagógicos metodológicos que desenvolvam a aprendizagem do conhecimento, habilidades e atitudes e possa estar apto a adentrar ao mundo social. Necessariamente implica em um processo educacional.

A educação é a única ferramenta capaz de modificar a visão do homem sobre as coisas, os fenômenos e o contexto onde vive e convive. A problemática sobre o analfabetismo no Brasil é muito antiga e durante minha vida estudando o processo educacional assisti várias tentativas de programas e projetos públicos com intenção de erradicá-lo. Educadores e cientistas sociais, baseados em teorias epistemológicas tentam explicá-lo buscando as causas e indicando caminhos aos administradores educacionais para que adotassem as providências no sentido de bani-lo. O que se vê? A problemática persiste. Dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no Censo Demográfico de 2022 apontam que das 9,6 milhões de pessoas com 15 anos ou mais que não sabem ler e escrever, 59,4% (5,3 milhões) vivem no Nordeste e 54,1% (5,2 milhões) tem 60 anos ou mais. Segundo Sonia Maria Portella Kruppa (foto), professora da Faculdade de Educação da USP, “é impossível refletir sobre esses dados sem considerar as desigualdades estruturais do Brasil. ” Verifica-se que há inúmeras causas condicionantes e determinantes de ordem estrutural e conjuntural. Acrescentem-se que na análise dos dados observa-se que muitos jovens concluem o ensino fundamental não possuem habilidades básicas de leitura e escrita. Uma vez, quando estava como professora de didática dos alunos do Curso de licenciatura em Física e Matemática, os docentes falavam que o problema não estava na matemática ou física nas resoluções dos problemas para eles apresentados, e sim, preliminarmente é que não sabiam compreender e interpretar os enunciados das questões. E hoje, discutindo com alguns colegas professores que estão na ativa, falam que com relação a alunos advindos do ensino público, a situação ainda perdura. O contexto em que se encontra a educação, apesar dos esforços políticos em procurar resolver a polémica do quadro caótico do analfabetismo, continua o mesmo. Atinge questões da sociedade como um todo. Não é só o setor educacional que deve tomar a bandeira para resolvê-lo, envolve situações sociais e políticas na resolução do problema e nesse momento, não temos o propósito de discuti-lo.

Conheço um casal de idosos, Adriana e José, que me contaram uma história muito interessante e que retrata a situação da problemática do analfabetismo. No início da pandemia do covid a empregada mais antiga tinha ido morar no Rio e eles necessitavam com urgência contratar uma outra para não ficarem sozinhos. Arranjaram uma senhora de quarenta e dois anos residente no interior do Estado. Casada, com três filhos, um homem e duas mulheres, todos já casados, com cinco netos. Com duas semanas que estava no emprego veio a pandemia e houve o fechamento de tudo. Zefa ia para casa no sábado e voltava na segunda feira, em carro alternativo que a apanhava e deixava no trabalho. Na terceira semana caiu doente, achando Zefa que adquiriu a doença com as pessoas que iam com ela no carro e doente passou quinze dias em casa. Contam eles que foi uma época trabalhosa. Durante esse tempo se comunicavam pelo watsap no áudio e estavam sempre a par da recuperação de Zefa.

A desenvoltura de Zefa como empregada era muito boa, zelosa e caprichosa no que fazia, cozinhava comida simples do dia a dia e mostrava mais habilidade nos pratos próprios de interior, galinha, cabrito e carneiro sem muita sofisticação. Sabia arrumar a casa de modo primoroso. Para ligar os eletros domésticos que requeriam mais habilidade e leitura de seus mecanismos recorria a Adriana para fazê-lo. Adriana entendia que aquele procedimento era um zelo que tinha com receio de quebra-los. Outra coisa que chamou sua atenção foi na limpeza do banheiro no dia de troca de toalhas. As toalhas tinham o nome de Adriana e Zé, porém em todas as vezes em que Adriana servia-se do banheiro percebia que as toalhas estavam trocadas, insistia em dizer: “ Zefa, no lugar da minha toalha você colocou a de Zé e no lugar da dele você coloca a minha”. Mas não havia jeito, sempre que ocorria a limpeza do banheiro as trocas de toalhas aconteciam. De tanto insistir deixou de lado.

O que que ocorria? Adriana descobriu que Zefa era analfabeta, sabia apenas assinar o nome e isso demonstrava quando colocava sua assinatura no recibo do esocial. Adriana começou a constatar que ela nunca escrevia, só falava no áudio do telefone; quando dava uma receita de comida ela relutava em fazer; o remédio do neto para ser dado encontrava dificuldades. Adriana conversou com Zefa perguntando se havia frequentado escola e qual? Foi quando Zefa esclareceu dizendo: “Dona Adriana eu tenho desgosto e maior vergonha porque eu não sei ler, nunca frequentei escola. Quando era pequena eu e meus irmãos ajudavam na roça e de modo que todos nunca fomos. Vontade tive muita”. Constata-se que Zefa é muito inteligente. Apesar de ser analfabeta, sabe movimentar-se, andar de ônibus e fazer conta de cabeça, passar troco no comércio. Os filhos fizeram o primário e sabem mexer com o celular e a ensinam. Adriana gostaria que Zefa frequentasse a escola, pois perto da sua casa há um colégio que desenvolve o programa de Educação de Adultos, mas não aceita. Nessa altura resolveu sua vida à sua maneira e diz com sua visão ingênua que “ a educação na sua vida não fez falta”.

Este caso supra narrado é o retrato de milhares de pessoas que durante sua vida foram privadas ou não tiveram oportunidade de frequentar escola e que constitui contingente de analfabetos ou semianalfabetos no país. O não acesso à educação provoca consequências irreversíveis advindo toda sorte de limitações para comunicar-se com o mundo. Dificuldades de compreensão e interpretação de textos ou de informações básicas, como: leitura de placas e avisos etc. Vivendo em muitas ocasiões à margem da sociedade, não conseguem engajar-se no mercado de trabalho uma única vez. Fenômeno social explicado pelo cientista político Lúcio Kowarick em seu livro “Capitalismo e Marginalidade na América Latina” (1981). É um estudo completo sobre as desigualdades sociais, suas causas e exclusão, tocando fundo nas questões políticas, educacionais, urbanas e na estratificação social. O que se constata na história de Zefa é a realidade dura do que acontece. Aqui, experimenta-se a consequência da injustiça social causada por questões estruturais e conjunturais da sociedade brasileira como um todo.

Só através de uma educação integral é que o homem alcançará a verdadeira liberdade, origem e sustentáculo da democracia, liberdade conquistada pelo ato de educar, dando ao ser humano o poder de melhor discernir sobre o que lhe é mais conveniente, ao opinar e deliberar sobre o seu próprio destino.

Profª. Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP

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Doação que salva vidas https://www.maispb.com.br/703278/doacao-que-salva-vidas.html Mon, 29 Jan 2024 17:59:34 +0000 https://www.maispb.com.br/?p=703278 No mundo pós moderno com o avanço da tecnologia e da ciência somos beneficiados com o progresso da medicina que pode, através de recursos científicos, substituir órgãos do ser humano que estão com defeitos ou doentes por outros sadios tirados de outro ser humano (doador), vivo ou morto, a uma pessoa viva (receptor) e que […]

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No mundo pós moderno com o avanço da tecnologia e da ciência somos beneficiados com o progresso da medicina que pode, através de recursos científicos, substituir órgãos do ser humano que estão com defeitos ou doentes por outros sadios tirados de outro ser humano (doador), vivo ou morto, a uma pessoa viva (receptor) e que seja compatível com os dados biológicos do doador, a fim de restabelecer as funções de um órgão ou tecido mazelado. O doador vivo poderá doar órgãos como o rim, parte do fígado e da medula óssea e de tecidos.

A denominação dessa operação cirúrgica é chamada transplante. Uma mesma pessoa poderá doar vários órgãos e beneficiar muita gente o que para muitos indivíduos é a única esperança de vida que lhe resta.

Embora haja manifestação de vontade de ambas as partes, o reconhecimento dos familiares para assegurar efetivamente a vontade do doador há que se obedecer a protocolos estabelecidos e garantidos pela Lei n°9.434/1997, regulamentada pelo Decreto nº 9.175/ 2017, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplantes e tratamentos. Esta ferramenta legislativa oferece maior segurança aos envolvidos, tanto para o doador quanto para o receptor e para os serviços de transplantes. O Brasil é um país de referência mundial, ocupa a segunda posição entre os países que mais realizam transplantes, todavia há 34 mil brasileiros que aguardam por um transplante, tudo financiado pelo Sistema Único de Saúde. A Lei nº 11.584/2007 instituiu O DIA NACIONAL DA DOAÇÃO DE ORGÃOS, 27 de setembro, com o objetivo de promover a conscientização da sociedade sobre a importância da doação. O receptor ficará aguardando numa lista única, definida pela Central de Transplantes da Secretaria de Saúde de cada estado que realiza os testes de compatibilidade entre doador e receptor, tudo controlado pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT).

Aspectos a considerar na doação de órgãos: de pessoas falecidas, somente após a confirmação do diagnóstico de morte encefálica; autorização da família para a doação, a função dos órgãos deve ser mantida artificialmente. De pessoas vivas: O doador deve ser considerado uma pessoa com boas condições de saúde, de acordo com avaliação médica e as normas legais para o procedimento.

Estas considerações foram feitas porque procurei entender melhor a questão de transplantes, pois sempre havia ouvido falar e nunca tive a oportunidade de vivenciar mais de perto a problemática. Numa de minhas idas à praia, como de costume fomos ao banho de mar e lá chegando armamos nossa sombrinha, para apreciarmos a paisagem e as crianças brincarem na areia, e de repente apareceu Luísa, minha amiga de longo tempo e que nunca mais havíamos nos encontrado, pois a mesma foi morar no exterior. Tinha uma casa perto da nossa. Hoje, casada com um grande empresário vive uma vida muito confortável. Sentamos juntas à beira mar, Luísa ainda é muito bonita e tem um corpo escultural. Ao ficar junto de mim eu olhei para o seu corpo e vi uma grande cicatriz. Levei um susto. Perguntei: “Luísa o que foi isso?  Respondeu: “Fiz um transplante há dois anos”. E aí contou-me a sua história.

Luísa, é filha de pais separados desde que era criança. O pai deixou a casa e constituiu outra família, mas Luísa nunca foi muito de frequentar a família do pai que era grande, cheia de filhos e primos de primeiro e segundo graus. Conheciam-se, mas não tinham convivência. Um primo de segundo grau, casado, teve uma filha que nasceu com uma doença rara no fígado, que deveria submeter-se a transplante, todavia recém nascida não podia realizá-lo, só depois quando os órgãos amadurecessem. A família ficou muito apreensiva. A criança era muito querida e desejada e o seu pediatra havia prevenido que ela devia ser transplantada logo que o organismo estivesse apto para tal. Isto o mais cedo possível, porque quanto mais tempo passasse a situação seria mais difícil e a chance de sobrevivência era menor. Além do risco de vida, poderia ter sequelas graves, como ficar sem andar, perder a fala, entre outras.  Diante da situação começou-se a investigar entres os parentes quem poderia ser o doador, a mãe não era compatível, o pai era, mas tinha diabetes desde a infância e não podia ser doador, a avó paterna também, mas com mais de 50 anos é contra indicada. Há pré-requisitos de que quanto mais nova a pessoa melhor para os procedimentos. A criança completou dois anos, o médico chamou a família e disse: agora está apta para fazer o transplante, que se procurassem primeiro entre os familiares e amigos para serem doadores. Encontrava-se na fila, que poderia demorar anos e sofrer as consequências da demora. Os familiares mobilizaram-se telefonando uns para os outros, foi quando a avó de Estefani telefonou para mãe de Luísa, Alice, que tinha sido casada com Weber contando a situação da criança, sua bisneta. Alice comoveu-se e colocou no grupo da família pedindo: “gente, uma prima, neta do pai de vocês, nasceu com uma doença rara e está precisando de que alguém se predispunha ser doador. Para isto, tem que primeiro fazer exame de sangue”.  Os parentes concordaram em fazer o exame pensando que seria uma coisa bem simples. Todos fizeram, porém só dois mostraram-se compatíveis, Luísa e seu irmão mais novo.

Então os dois irmãos eram compatíveis e podiam ser os possíveis doadores. Submeteram-se à consulta médica, Luísa tem 37 anos e o mais novo 32. No rigor, quem deveria ser o doador era seu irmão, mas, durante os preparativos, na anamnese e outros exames, o médico observou que ele possuía uma tatuagem recente e isto era uma condição de impedimento. Luísa fez os exames cardiológicos e de laboratório e todos acusaram que se encontrava apta para ser a doadora.  Até aí, Luísa não se dava conta da gravidade da situação, imaginava uma coisa simples. Foi quando teve contato com o primo, pai da criança, que até então não o conhecia, agradecendo-a pela disponibilidade de doar seu órgão para salvar sua filha, uma criança com muitas limitações e restrições. Contou o sofrimento e a trajetória para chegar até ali.  Estava com essa esperança como uma última luz no fim do túnel. Mas disse-me Luísa: “Acho que são as coisas de Deus.  Penso que estava sendo conduzida por ELE”.

Luísa teve o primeiro encontro com o cirurgião por um vídeo conferência realizada com os pais que residem no Rio Grande do Norte, Luísa e seu marido aqui em João Pessoa e o médico em São Paulo. Durante a conferência o médico explicou para Luísa, que se tratava de uma cirurgia de grande porte e se ela estava consciente do que ia acontecer. Haveria de usar um afastador e o corte seria grande, mexer com os órgãos para chegar até o fígado, quando nele retiraria um pedaço desse órgão. Para isto, o seu abdômen seria aberto afim de poder mexer com os órgãos e parte das costelas até chegar ao fígado. Sua estética abdominal seria modificada, disse que havia risco de vida e que ela poderia morrer na sala de cirurgia. Estes aspectos deveriam estar bem claros. Ela ia adentrar numa sala de cirurgia saudável para ajudar uma criança que estava precisando daquele órgão, mas que poderia todo esforço feito ser em vão, o órgão ser rejeitado etc. O médico disse que tinha que retratar a realidade para que tomasse consciência do que estava fazendo. Ela falou: “quando o médico disse tudo isto o meu esposo ao meu lado ficou branco. Tive um choque e meu esposo mais ainda em pensar na gravidade da situação de que eu estava disposta a enfrentar.” Depois o médico foi contar com detalhes a cirurgia da criança. Disse: “As quatro primeiras horas são determinantes para o resultado. É um momento crucial.”

Luísa, disse-me: “quando desliguei o computador meu esposo estava muito abalado. Falei:  Victor vá trabalhar. Fique tranquilo que eu sinto a presença de Deus e que tudo vai dar certo. Mas quando ele saiu eu desabei num choro de uma meia hora. Nesse instante percebi que a ficha caiu e o que ia passar. Pensei nas minhas filhas que eram pequenas e ainda precisavam de mim. Uma força maior tomava parte de meu corpo e eu pensava….  Enxuguei as lágrimas e disse a mim mesma: bola pra frente.”

Antes de viajar fez uma série de exames e, quando prontos, seguiu para São Paulo uma semana antes da cirurgia e a primeira conversa foi com a assistente social do hospital  de modo particular, e ela disse-me:” O contexto que gira em torno de nós é tudo para desistirmos  e colocar empecilhos de sermos doadores. A assistente social falou: “Eu sei que você é parente embora distante da criança, sei que sabe dos riscos que corre, e a pressão familiar para que faça o transplante é grande, sei que tem filhos, esposo e não se sinta obrigada a fazer esta cirurgia. Eu estou aqui para lhe ajudar. Se for o caso, para que você não se indispunha com sua família e nem com a da criança, eu posso dizer que um dos seus exames não estava bem e você se livra de fazer. Se você quiser eu posso fazer isso para você.” Eu falei para ela: “Não, doutora, o problema não são eles pensarem sobre as minhas atitudes, sou eu comigo mesma. É a minha consciência. Sou eu com Deus. Se eu deixar de ter essa atitude e essa criança vier a morrer, eu saber que tinha chance de salvar sua vida e não o fiz, eu jamais voltarei atras da minha decisão. Eu quero, se depender de mim salvar a vida dessa criança. Eu estou decidida.”

Faltando dois dias para a cirurgia liga para ela o Comitê de ética. Luísa achou que foi a pior parte porque membros desse Comitê em seus diálogos foram grosseiros por que como há nessa área compra de órgãos e como ela se tratando de uma parenta distante davam a entender que investigavam se ela estava negociando o órgão o que parece que isso às vezes ocorre. O Comitê inqueria de forma contundente. Diziam: você tem filhos? Ela falou: Tenho três. Continuou: sabe que pode sair morta dessa sala de cirurgia e seus filhos ficarem órfãos?  Você tem consciência disso? Do que você está se propondo a fazer? Estou decidida. Penso como este pai que se eu tivesse um dos meus filhos nessa situação? Do outro lado precisando de um doador? E ela determinada, mas os membros dizendo e amedrontando-a: Você sabe quantas pessoas morrem dentro de uma sala de cirurgia aqui no Brasil?  fazendo este mesmo procedimento que você está se propondo a fazer? Está preparada para correr este risco? Então a todo tempo quarenta minutos no telefone foi instigada a desistir. E sentiu grosserias da comissão. Ela estava com a mãe, o marido e a filha então entregou o telefone a mãe caindo no choro pela grosseira e absurdo com a forma que a entrevista era realizada. Falaram para ela que essa atitude comportamental da comissão é padrão deles, muito pesada porque para ela é como se fossem todos contra ela fazer. Isto por conta de possível existência do tráfico de órgãos.

Chegado o dia da cirurgia dirigiu-se a sala e lá teve problemas pois é alérgica a vários remédios, como dipirona etc.  O único remédio que podia tomar era tilenol e sendo uma cirurgia de grande porte, o médico ficou preocupado. Depois da cirurgia teria que usar morfina, mesmo antes foi bem tensa a preparação, os batimentos cardíacos aumentaram, mas enfim foi para sala de cirurgia. Luísa disse que todo o tempo sentiu a presença de Deus e por isso estava segura. Na ocasião o médico explicou que a primeira cirurgiada seria a doadora e seus órgãos retirados para fora do abdômen e depois a  criança. Cada cirurgia duraria em média duas horas.

Ao começar os procedimentos o cirurgião se deparou com algo extremamente raro e inexplicável, a existência de duas válvulas quando o normal seria uma. Ele pensou: “esta cirurgia tem tudo para dar certo. Se a criança tinha uma chance de viver agora ela terá duas. Ele relatou que sentiu uma energia de Deus positiva e presente, quando estava fazendo o transplante na criança. Sentia que tudo correria sem intercorrências. A cirurgia que seria de duas horas para cada uma passou para quatro.” Este depoimento foi dado pelo cirurgião depois da cirurgia na conversa com os familiares. Durante a cirurgia o pai da criança vendo demorar foi lá na ante sala saber o que havia e foi explicado que estava tudo bem e dando certo, que ficasse tranquilo. Na hora não foi dito, mas a demora se deu por conta das duas válvulas. 24 horas após a cirurgia a recuperação foi um sucesso. Ela aceitou muito bem e correu às mil maravilhas. E depois de tudo, a vida segue longe uma da outra.

Em dezembro, Luísa com sua família foi convidada para as festas de natal na casa de Estefani. Ela compareceu e nos falou: “Quando vi Estefani uma criança saudável, correndo, fiquei muito emocionada e brotou um sentimento diferente. Bateu o instinto maternal, como ela fosse minha filha. Sinto-me muito feliz por ter podido realizar e ajudar Estefani a continuar viva. Eu me vejo nela. Foi um milagre. Deus deu-me a força e esteve sempre comigo, conduzindo-me e dando-me coragem.”

Este é um caso real bem perto de nós. Ao ouvir a história de Luísa e Estefani, constatei que o processo do transplante é complexo, e ao mesmo tempo detectei quanta gente está por trás e nos bastidores para que ele aconteça, além de verificar que ainda existem pessoas que se aproveitam da fragilidade da família e usam o momento para negociar, vender e lucrar. Como ocorreu com Luísa em que custaram a acreditar que não se tratava de tráfico de órgão, mas sim, do sentimento e ato de amor ao próximo predominante no seu coração. Uma história indubitável de despojamento humano na expressão mais verdadeira!  Luísa tornou-se exemplo. A questão não é nascer, mas viver com qualidade de vida.

Profª. Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP)

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Encontro de almas https://www.maispb.com.br/693500/encontro-de-almas.html Mon, 04 Dec 2023 14:29:29 +0000 https://www.maispb.com.br/?p=693500 Existe um ditado: “ Fulano encontrou a sua alma gêmea”, “outra metade”, a ideia do “par perfeito, “o sapato roto para o pé doente”, etc. Será que isso é verdade? Não sei dizer, mas às vezes parece coincidência, que acredito não existir. Penso, que há uma energia entre as coisas de Deus e elas se […]

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Existe um ditado: “ Fulano encontrou a sua alma gêmea”, “outra metade”, a ideia do “par perfeito, “o sapato roto para o pé doente”, etc. Será que isso é verdade? Não sei dizer, mas às vezes parece coincidência, que acredito não existir. Penso, que há uma energia entre as coisas de Deus e elas se atraem. Não há como explicar o que provocou o encontro dessas almas gêmeas. Parece que foram intuídas a caminhar uma em direção a outra, destinadas a cumprir uma missão, que estava predestinada, traçada, sem que os protagonistas conhecessem. Objetivada a fazer a ligação entre o mundo comum do cotidiano com o mundo mágico espiritual sagrado. Platão, no seu livro “O Banquete”, quando tenta definir o amor, criou o mito da alma gêmea. Paulo Coelho, no livro “O Alquimista, ” referindo-se ao assunto, diz: “ A alma gêmea existe quando temos que escutar o coração! Porque onde ele estiver, estará seu tesouro”. Cada um procura dizer o que pensa ao ser mais claro para elucidar o fenômeno.

A literatura está repleta de casos de amantes destinados a ficar juntos. O clássico exemplo é o de Romeu e Julieta, o de Heathcliff e Cathy em O Morro dos Ventos Uivantes. Os hindus em suas tradições defendem a ideia de que as pessoas possuem conexões cármicas. Rumi, cujo nome é Maulalana Jalaluddin Rumi, intelectual islâmico, teólogo, erudito, do século XIII, tornou-se famoso como poeta místico que “combina a alma persa com a alma islâmica“. Apresentou a ideia de que os amantes não se encontram no final, mas que eles estão dentro um do outro de alguma forma, todo o tempo. Caracteriza-se por uma compreensão profunda da condição humana que reconhece o luto da perda e a alegria extática do amor.

A vida apresenta desafios que para vencê-los e serem superados necessita-se coragem, principalmente das pessoas que pretendem viver uma grande história de amor. Este encontro acontece entre dois seres, quando menos se espera, aparece de forma mágica e significativa. Não há premeditação, surge de repente e estabelece uma conexão quando os olhos se cruzam de forma profunda que toca no âmago, no mais íntimo, e, mesmo em silêncio, são capazes de se comunicarem como se um pertencesse ao outro. Dá a sensação de que já se conhecem há muito tempo ou ocorre uma série de coincidências. Esses fatos demonstram que algo especial está acontecendo. Este amor a que nos referimos vai mais além do carnal, está impregnado de qualidade divina. Diz o provérbio: “os olhos falam, são as janelas da alma”, acredito que através dos olhos enxerga-se as suas almas. Não é a atração de olhos e sim atração de almas.

Dito isto, vou relatar uma história de vida que começou na Paraíba e terminou em Portugal. Marília foi abandonada com duas filhas e um filho, de um relacionamento que durou 15 anos, mas não chegou a casar. Ficou desolada pois era pobre em situação precária para mantê-los. Habitava na periferia, numa casa de taipa. Teve que trabalhar para enfrentar aquela barra. Às vezes recorria aos parentes mais abastados. E assim foi levando a vida. A tristeza dominava, não saia de casa, não tinha amigos e nenhum divertimento, o tempo era pouco para dar conta de seus encargos. Nessa situação passou 6 anos vivendo para a família. Não tinha intenção de relacionar-se com mais ninguém pois a decepção sofrida não lhe dava ânimo para tentar um casamento. Um dia Júlia, sua irmã, achando-a desolada convidou-a para confraternizar na casa de Maria, sua vizinha,e que Marilia conhecia. O motivo da confraternização era recepcionar a irmã Shelda, que chegara de Portugal para passar quinze dias de férias. Marilia aceitou, pois era uma oportunidade de rever as amigas de infância e de camaradagem, e que não se viam há bastante tempo. Durante o evento foram tiradas muitas fotos.

Chegando em Castelo Branco, cidade do interior de Portugal, Shelda mostrou as fotos aos amigos e, dentre eles, Artur interessou –se em saber quem era aquela mulher tão simpática, referindo-se à Marilia. Shelda contou para ele a situação de sua vida. Ele motivou-se e pediu, caso fosse possível, o telefone e o seu WhatsApp pois tinha o desejo de comunicar-se com ela. Shelda disse que ia consultar e depois lhe dava uma resposta. Ao falar a Marilia, esta mostrou-se envergonhada e sem condições, achando-se tão humilde para manter relacionamento com uma pessoa, além da distância, tão diferente cultural e socialmente. Shelda disse: “não há nada de mais, você manter correspondência com Artur”. Então ela permitiu. Não deu uma semana Artur ligou e ficaram mantendo conversas pelo WhatsApp, se conhecendo melhor. Só em conversar Marilia sentia-se feliz pela atenção, preocupação e carinho demonstrados por sua pessoa, sentimento que poucas vezes experimentou já que sempre teve uma vida de sofrimento. Aquele momento fazia renascer nela uma nova vida. Com dois meses Artur veio ao Brasil conhecer Marilia e sua família. Havia um receio dela que ele ficasse chocado com sua pobreza, pois ela depois veio a saber que Artur era um engenheiro civil bem-sucedido, com vida econômica estável, mas que estava separado há dois anos e possuía um casal de filhos. Artur passou um mês aqui em João Pessoa e marcou com três meses o casamento para o final do ano. Marilia deveria ir para Portugal residir lá. Os dois filhos mais velhos já estavam casados, menos Katia que tinha 16 anos. E assim aconteceu. Em princípio Marilia foi só e com quatro meses mandou buscar a filha mais nova. Katia era registrada só com o nome da mãe e havia nela o desejo de ter um pai o que foi realizado por Artur que a adotou como filha, ganhando ela a cidadania portuguesa.

A história de Artur é traumatizante. O que se sabia aqui é que ele tinha sofrido uma traição e isto seria o motivo de sua separação. Marilia ao chegar lá ficou ciente da dura realidade que Artur vivenciou com sua ex-mulher. A cidade é muito pequena e as pessoas se conhecem e foi sabedora que a sua ex- esposa aprontou uma com ele e toda a cidade tomou conhecimento. Isso provocou em Artur uma profunda depressão, por ser um homem íntegro e correto, de moral ilibada. O ocorrido mexeu muito com o ego e a estrutura de seu emocional. A família ficou desmantelada. O filho caçula tinha 10 anos ficou revoltado e em sua cabecinha queria que o pai tivesse agido de maneira vingativa, mas sua única atitude foi dar o desprezo e expulsá-la da casa.

A chegada de Marilia em sua vida transformou-o por completo. Ele na sua rotina, mantinha-se trancado em sua casa não tinha vida social, não saia para nada, não visitava os amigos e mantinha-se isolado. Até as janelas não eram abertas. A casa, uma mansão estava descuidada. O jardim era enorme, mas abandonado, cheio de mato precisando de um trato para revigorá-lo. Perdera o gosto para viver, a situação estava muito difícil. Os vizinhos contavam que não saia de casa, desestabilizado psicologicamente. O filho mais velho tinha ido morar fora; o mais novo não queria morar com a mãe, mas também não queria morar com o pai, porque entendia que ele devia ter agido de outra forma, estava morando com sua avó. Isto tudo mexia muito com Artur.

Para Marilia essa situação foi impactante, pensou: ” tenho que mudar tudo isso. Dar vida a esse ambiente para torná-lo agradável e cheio de amor. Abriu as janelas, puxou as cortinas, deixou a luz do sol adentrar no interior da casa. Começou a incentivar Artur a movimentar-se chamando-o para limpar o jardim, fazer novas plantações. Dizia ela: “Isto é bom Artur. É uma terapia para nós e motivo de distração”. A única coisa que Artur não largou foi a empresa onde trabalhava como diretor de uma divisão. E assim prosseguiu. Ela com a experiência trazida do interior, sem ter o que fazer, queria preencher também o tempo, ainda não conhecia ninguém e era uma maneira de se ocupar. O quintal era muito grande e cabia várias plantações e é comum nas casas de Castelo Branco possuírem terreno grande com plantações, o que se chama de quinta. Construiu um galinheiro e começou a mexer na terra plantando feijão e milho. Assim, Artur, com a ajuda de Marilia começou a retomar o gosto pela vida e a fazer as coisas iniciando a transformação que Marilia tanto desejava e que estava acontecendo. Artur apresentava novo ânimo e fazia planos para o futuro, havia voltado a alegria de viver.

Marilia foi conhecer Sérgio, filho mais novo de Artur que estava com a avó, sem querer ficar com ele e nem com a mãe. Marilia conta que quando bateu os olhos em Sérgio sentiu nele uma criança carente, desejosa de um abraço, de um aconchego, ele tinha treze anos. Ela procurou aproximar-se, acariciando-o, com seu jeitinho brasileiro, também estava carente, com saudades de seus filhos e netos, já tinha deixado tudo no Brasil. Sentiu que Sérgio correspondeu a seus afagos. E foi querendo ficar na casa do pai. Ele estava sendo acompanhado por psicólogo, apresentava distúrbios psicológicos. Dizia ele “todo mundo na cidade sabia o que a mãe tinha aprontado com seu pai” e essa situação deixava a mente perturbada. Marilia, carinhosa com Sérgio, foi ganhando espaço em sua vida que a partir daí era desejoso de permanecer e ficar ao seu lado. Marilia, assistia filmes juntos mantendo uma relação de família. No que se refere ao mais velho, estava depressivo, recebendo a assistência de um psicólogo. Marilia procurou ser uma conciliadora, na sua cabeça tinha que unir aquela família. Procurou conversar com todos, Artur e seus filhos utilizando a linguagem do perdão. No início Artur estava relutante. Marilia empregou as palavras da bíblia exemplificando o perdão. Nós, na terra, deveríamos perdoar porque embora o perdão seja difícil, mas é o ato mais sublime do ser humano. Quando acontece perdoarmos, as bênçãos de Deus caem sobre nós”. Marilia com seu jeito meigo e cativante foi convencendo a família a admitir o perdão, inclusive Artur. Expressava-se; “Artur você tem que aprender a perdoar. Tire de seu coração esse rancor que não lhe faz bem. Vamos viver nossa vida, sermos felizes”. Procurou a ex-mulher de Artur para conversar, como ela podia ajudar aos meninos a perdoá-la, fazer as pazes. E aí foi desenvolvendo o trabalho com a mãe e com eles. Fazia tudo nos bastidores”. Chamou Pedro para vir almoçar, passar o fim de semana, eles começaram a frequentar a casa e aos poucos foram chegando, ao ponto de o filho mais novo dizer: “Marilia, eu queria que você fosse minha mãe”. Ela respondeu: “Sérgio, eu não sou sua mãe, mas posso ser uma grande amiga, uma tia querida, uma boa madrasta, uma mãe segunda. Eu vou aceitar com muito carinho. Eu sou mulher de seu pai, mas nunca vou ocupar o lugar de sua mãe. Você tem que aprender a perdoá-la. Ela nunca vai deixar de ser sua mãe”. Esse trabalho de aceitação com a família durou mais ou menos seis meses. Os filhos voltaram para casa e o clima de harmonia começou a estabilizar-se. Marilia disse: “quando tudo se normalizou ela apresentou uma proposta: ” Eu vou convidar a avó e a mãe de vocês para um jantar”.

Conta Marília que comunicou a Artur que ia preparar um jantar, que eu chamo “jantar de paz” para a ex-sogra e ex-mulher dele em sua casa. Você tem que fazer isso pelos seus filhos. Depois da separação, Artur não tinha ainda visto a mulher. Marília falou que ele a recebeu bem, educado. À noite foi de muita emoção; a mulher pediu perdão ao marido e a seus filhos, elogiou Marilia, que ela era grande mulher, que fazia jus estar com ele, pois como pai e como homem foi sempre muito correto e digno. Aquele momento que estava vivendo iria ressignificar e transformar sua vida”. Marília acrescentou “ depois do jantar foi a cozinha tratar de uma sobremesa, quando chegou lá a avó dos meninos se ajoelha a seus pés chorando e com muita emoção, expressando: “ Marilia muito obrigada, você foi um anjo que Deus enviou e entrou na vida de Artur e de todos nós, dos meus netos e de minha filha. Nunca pensei que durante minha vida ia vivenciar momento como esse que vivi aqui. Você foi um anjo que Deus colocou aqui na terra para realizar este momento. ” Marília disse: “Dona Flora, levante, não se ajoelhe que eu não sou digna de ninguém se ajoelhar perante mim e levantou-a. Essa noite foi preenchida de muitas emoções e tornou-se para mim inesquecível e a sensação que fui instrumento do bem”.

Marilia mantém seu casamento com Artur há nove anos de paz e felicidade. Após três anos de casada teve um câncer de mama, mas hoje encontra-se curada. Recebeu toda assistência, a melhor que existia no pais. Artur, dedicado, carinhoso e atencioso não lhe deixou faltar nada. Ele recentemente veio ao Brasil e esteve aqui em Joao Pessoa e nos falou: “Marilia foi minha alma gêmea, o anjo que apareceu em minha vida”. Continua apaixonado e não cansa de dizer: “Ela é uma mulher extraordinária. Fez-me voltar à vida e me deu novo ânimo. Tenho certeza que ela me completou como também a completei. Foi uma coisa de Deus“. A filha mais nova de Marilia, com 20 anos, que foi adotada por Artur, frequenta a Faculdade fazendo curso de graduação em Estética. Está noiva de um aspirante da marinha e de família muito boa. O casamento está marcado para o próximo final do ano, A sua mais velha, casada, reside em Lisboa, o casal está empregado e com boas condições. Só um filho que permanece em Joao Pessoa e não tem pretensão de mudar-se para Portugal.

Como se constata, o casamento de Marilia e Artur tomou por base mais razões psicológicas do que materiais. Isto se observa no relacionamento do dito “almas gêmeas” que exige trabalho, compromisso e ambos ficam motivados para encontrar a solução para os problemas, um apoiando o outro. Crescem juntos e procuram nessa relação amorosa a sobrevivência de ambos. Vejam o caso dessas almas que se uniram e estavam tão distantes, sem se conhecerem um ao outro. Porém, os seus destinos conectados atravessaram o oceano para se encontrarem, e ao cruzarem os olhares o coração identificou e certificou de forma sutil e lenta que um pertencia ao outro. Há dez anos permanecem felizes, unidos, e testemunham que um é a metade do outro.

Profª. Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP

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A morte de um irmão amado                   https://www.maispb.com.br/688084/a-morte-de-um-irmao-amado.html Fri, 03 Nov 2023 10:00:25 +0000 https://www.maispb.com.br/?p=688084 Escrevo sobre as coisas da vida e estou a dizer dos fatos que acontecem no dia a dia das pessoas que representam atividades incessantes do ser que as impulsionam e as fazem caminhar. São as realizações. É o tempo de existência do nascimento até a morte. Ao aprofundar esse tema, sempre me ocorre uma sensação […]

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Escrevo sobre as coisas da vida e estou a dizer dos fatos que acontecem no dia a dia das pessoas que representam atividades incessantes do ser que as impulsionam e as fazem caminhar. São as realizações. É o tempo de existência do nascimento até a morte. Ao aprofundar esse tema, sempre me ocorre uma sensação que vagamos com perguntas sem respostas. Explicações que não encontram justificativas. Batem os sentimentos do vazio, de dor e de sofrimento, que ferem e desnudam a alma, da incerteza em aceitar o inaceitável. Volta-se à realidade e constata-se a finitude do homem. Diante do imponderável não há como buscar razões.  Reluto em falar da morte, mas constato que ela deve ser registrada principalmente quando necessitamos ressaltar e reavivar a memória de alguém a quem desejamos homenagear para fazer justiça e testemunhar seus feitos e o legado deixado para a posteridade, imortalizando-o. É o que faço agora com profunda tristeza notificar a morte do amigo e cunhado de meu irmão, Bráulio Pereira Lins, com 74 anos, ocorrido em Brasília, dia 28 de agosto próximo passado. Ele deixa a esposa, Isolda Moura Lins, os filhos Bráulio Pereira Lins Junior, Estefany Lins e Alexandre Moura Lins e quatro netos, Artur, Thais, Gabriel e Alexandre.

Conheci Bráulio através de Gumercindo, e de meu esposo Itapuan Bôtto Targino que na época era diretor da antiga Escola Técnica Federal. Bráulio era aluno do Curso de Mecânica destacando-se como aluno brilhante. Foi monitor elogiado e reconhecido por todos os docentes. Realizou Curso de Licenciatura de Curta duração. Contratado como professor auxiliar da Área de Mecânica, chegou a Coordenador do Curso e Diretor da Escola Técnica por quatro anos, de 1991 a 1995, onde consolidou as iniciativas existentes e criou programas de incentivo à cultura, a atividades artísticas e desportivas e perseguiu melhorias contínuas de qualidade de ensino. Merece destaque a implantação da informatização da instituição, que no início dos anos 1990 já se mostrava necessária para atender a demanda do desenvolvimento para que se desprezassem os processos analógicos e se adotassem as tecnologias da cibercultura informática. Isto tanto no âmbito administrativo, buscando construir estrutura de apoio que viabilizasse mais rapidez e eficiência aos processos, como também no âmbito didático pedagógico, procurando o aperfeiçoamento do ensino com mais rendimento e eficácia. Na área social ocupou a presidência, em 1979, da Associação dos Servidores do IFPB. Notabilizou-se como administrador escolar, com repercussão em nível nacional. Ao se aposentar, ainda moço, e com larga experiência exitosa, foi convidado a trabalhar no Ministério da Educação e Cultura, em Brasília, como Assessor e Coordenador do Programa de Expansão da Educação Profissional no Brasil – PROEP, que tinha o apoio do BID.

Foi diretor, por vários anos, da Faculdade de Ciências e Tecnologia – FACITEC, Instituição de Ensino Superior originária de Minas Gerais que se tornou referência acadêmica no Distrito Federal, com estrutura das mais modernas, integrada ao mercado de trabalho. Com um corpo docente dos mais qualificados a FACITEC obteve para seus cursos o conceito máximo do MEC. O êxito obtido deve-se em parte ao denodo, desempenho e eficiência administrativa empreendida pelo professor Bráulio, consequência da sua atuação para alcançar o grau de excelência de ensino, hoje inteiramente consolidada. Depois de vários anos atuando afastou-se quando foi acometido de um câncer que durou 18 anos, que o impediu de continuar suas atividades no ritmo costumeiro, pois já não conseguia desenvolver-se como desejava e estava acostumado a desempenhar suas atividades. Mas continuou dando assessoria e aconselhamento a Instituição. Todos os dirigentes o respeitavam e reconheciam seu trabalho.

Primeiro membro da família a fixar-se em Brasília, incentivou sobrinhos e parentes a morarem na capital federal, dando-lhes apoio logístico em sua adaptação. Hoje estão casados, constituíram família. São unanimes em afirmar: “Tio Bráulio foi mesmo que um pai para nós”. O traço de humanista ele trazia em sua personalidade, o que demonstrava ao tratar com alunos, colegas e pessoas mais humildes. Era rígido e disciplinado para cumprir com a competência pedagógica cobrada pela Instituição. Extremamente humano sabia ser solicito quando chamado a resolver problemas. Adotava uma postura tranquila e serena. Isto é tão verdadeiro que na família surgia como líder conciliador e orientador, o que foi constatado após o seu falecimento pelos depoimentos  prestados, como o do Governador do Estado, João Azevedo Lins, seu irmão, bastante emocionado, assim se referiu: “Hoje perdi a minha referência maior de dignidade, caráter, honestidade e solidariedade, se foi meu herói, meu super-herói, ninguém foi mais valente do que ele, ninguém foi mais corajoso, ninguém amou a vida tanto quanto ele, ninguém se dedicou a fazer o bem como ele; lutou dezoito anos contra uma doença que para muitos seria apenas a luta de alguns meses, derrotou ano após ano as limitações impostas pela doença; renascia após cada crise e levantava após cada queda. Um gigante que deixa um exemplo de coragem e superação. Vá meu irmão, amigo e conselheiro, Deus lhe receberá com uma grande festa, como merecem todos os heróis. Pobre de nós que perdemos sua companhia, que não teremos mais o seu sorriso e o seu abraço. Estou órfão mais uma vez”.

Sua irmã Janete Lins Rodriguez assim se pronunciou em sua fala na missa em sufrágio de sua alma: Mensagem a um amado irmão.

Amados irmãos e irmãs em Cristo. Escrevi uma mensagem que irei compartilhar com vocês, pela necessidade que senti no meu coração de falar sobre Bráulio. Ao nos conceder a vida, Nosso Deus, nos dá o seu dom, mas, a nós, caberá desenvolvê-lo, aperfeiçoá-lo, tornando-nos autores de nossas próprias existências. Por conseguinte, precisamos fazer escolhas certas, superar obstáculos para que nos tornemos dignos da criação divina. Contarei a vocês um pouco do caminhar pelo mundo, de Bráulio Pereira Lins, e de como ele via as pessoas através dos seus sentimentos e necessidades. Impossível seria, nesse momento, registrar todas as manifestações de solidariedade, de testemunhos recebidos nas últimas horas, pela família. Socializarei com vocês apenas duas: – Diante do seu inerte corpo, naquela capela de velórios, um rapaz chamado José, que entre lágrimas, emocionou a todos, afirmando em alta voz: que abaixo de Deus, tudo na sua vida, devia a Bráulio pois, segundo ele, ao chegar em João Pessoa vindo de Feira de Santana-BA e, buscando a antiga Escola Técnica Federal da Paraíba, nada possuía, além da vontade de realizar um curso profissionalizante. E foi, nosso irmão Bráulio, que deu um lugar para ele morar, saciou sua fome, e posteriormente, uma bolsa de estudos que possibilitou àquele jovem seguir no curso técnico. Tempos depois, José conseguiu uma boa oferta de trabalho em Brasília e, quis o destino, que os dois se reencontrassem na oficina do Clube do Puma de Brasília, local próximo onde ele morava. A partir de então, fortaleceram essa amizade, misturada com gratidão.  Uma segunda fala, veio do ex-aluno Jurandir que assim postou nas redes sociais: “nossos heróis estão “se indo”. Encantam-se no espaço. Deixam uma brisa a lembrar sua passagem aqui na Terra”…e continua tecendo lindos comentários…

Relatos sobre esse homem, chamado Bráulio, foram diversos. Destaquei apenas dois que mais me tocaram ao coração e os que demonstraram também quanto foi grande sua alma e sua sensibilidade com o sofrimento dos outros. Testemunhei como irmã o excelente filho, pai e avô que foi. Construiu uma linda família. Casado com Isolda Moura Lins, com três filhos: Bráulio Júnior, Alexandre e Estefânia e quatro netos: Arthur, Thaís Gabriel e Alexandre Filho. Viveu com honradez, solidariedade e união.

Merece um registro que considero de grande importância – o fato de Bráulio sentir prazer em acolher em seu próprio lar, familiares que por força do destino foram morar em Brasília. Os meus três filhos gozaram desse privilégio, inclusive meu genro, Alexandre que, ao ser aprovado em concurso em Brasília, foi inicialmente para um hotel e ele, ao saber, foi buscá-lo para sua casa. Todos nutrem muito carinho por ele, pelo tratamento paternal que sempre dedicou a todos.

Sua preocupação com o próximo acompanhou seu livre arbítrio enquanto viveu. Amava a vida como ninguém e caminhou pela vida enxergando as pessoas.

Deus o levou, Amado Bráulio e aqui seguiremos para testemunhar a toda gente, o seu exemplo de amor ao próximo, de valentia e de coragem, tal qual como a que demonstrou ao enfrentar o mal que lhe acometeu. Nos emocionávamos a conformação e a resignação com que aceitou e lutou contra a doença. Nunca reclamou ou blasfemou.

Siga, irmão amado no seu caminho de luz pois temos a certeza de que Deus te recebeu como herói. E aqui, permaneceremos aguardando a ressurreição para nos abraçarmos novamente.  Sua irmã, Janete!

No dia de sua morte, 28 de agosto de 2023, foi decretado luto oficial pelo Instituto Federal da Paraíba – IFPB por três dias. Foi determinada a suspensão das atividades, em todas suas unidades. O IFPB emitiu a seguinte nota: “É com pesar que o Campus João Pessoa informa à comunidade o falecimento do professor Bráulio Pereira Lins, que foi diretor da então Escola Técnica Federal da Paraíba no período de 1991 a 1995. Professor da área de Mecânica, apaixonado por carros antigos e colecionador, o ex-gestor faleceu na noite desta segunda-feira (28), em Brasília, depois de travar uma luta contra um câncer. Professor Bráulio Pereira era irmão do governador da Paraíba, João Azevedo. O Campus João Pessoa reconhece a dedicação e o trabalho do professor Bráulio para com a comunidade e se solidariza com todos os familiares e entes queridos, compartilhando os mais sinceros sentimentos para com todos”.

Autoridades se manifestaram na área política: A Assembleia Legislativa da Paraíba e a Câmara Municipal de João Pessoa emitiram notas de pesar pela morte do professor Bráulio. Expondo que era professor aposentado do IFPB, era possuidor de outras qualidades como a colecionador apaixonado por carros antigos. Na área educacional pronunciaram-se   a reitora Mary Roberta Meira Marinho que enalteceu o legado do professor Bráulio, assim se expressando: “Abriu as portas da instituição para comunidade externa e contribuiu para a consolidação e o avanço da educação tecnológica em nossa região”.  O ex-diretor Itapuan Bôtto Targino assim se referiu, reforçando a personalidade de Bráulio Lins: “É um exemplo de homem público, fez carreira dentro do próprio educandário. Foi monitor, auxiliar docente, professor, diretor de ensino, diretor administrativo e Diretor Geral. Competente, idealista, Bráulio deixa um legado de trabalho e compromisso com a causa da educação em nosso estado”. Exemplo de homem público Bráulio Pereira Lins foi um grande colaborador.  Muito justas as homenagens feitas pelo IFPB”. Outro Ex-Diretor, Almiro de Sá Ferreira, expressou; “ Lembro o papel de Bráulio ao “entrelaçar” duas características que entendo como importantes para formar grandes líderes: o pragmatismo e a transcendência. Até seguindo toda orientação anterior, dos diretores que por lá passaram, como professor Itapuan Bôtto Targino, professor Expedito Pereira, buscando sempre valorizar não só a técnica, mas também todos aqueles aspectos humanísticos importantes para o desenvolvimento do ensino e dos nossos alunos, muito consequentemente de todos que atuavam e atuam na área da educação tecnológica”. Concluindo acrescenta: “Bráulio foi um homem pragmático, objetivo, que sempre trabalhou com base em fatos, postulados científicos, sempre buscando alcançar propósitos, estabelecendo metas e agindo estrategicamente para obter resultados. Tinha também uma visão de transcendência e qualidade, sempre alicerçadas em valores marcantes de todo grande líder. Que ele era. A junção dessas duas grandes vertentes, pragmatismo e transcendência marcam a gestão do professor Bráulio “.

Colegas professores que trabalharam com Bráulio, lamentando a sua morte, fizeram questão de darem seus depoimentos dizendo: “Foi um servidor público exemplar, tratou a todos de forma igual, era uma pessoa séria, mas muito atencioso, é merecedor de todos os elogios, de todo o reconhecimento. Ele foi decisivo para a construção da Unidade de Ensino Descentralizada, como era chamado o Campus Cajazeiras”, afirmou professor Almiro de Sá que atuou como diretor entre os anos de 1995 e 2002.  A Professora Verônica Arnaud, que atua no curso de Mecânica do Campus João Pessoa, lembra com carinho do ex-professor e colega. “Era uma pessoa dinâmica, quando foi diretor percorria assim que chegava todos os setores da Escola Técnica, bastante prestativo, organizado, amava a instituição”. Professores colocaram: Aramis: “Nossos sentimentos, Governador! O Professor Bráulio foi um grande gestor na ETFPB/ CEFET hoje IFPB, que Deus conforte a todos os familiares”; Nivaldo Silva Tavares: “ Foi um pioneiro como diretor, perdemos um amigo, abraços”; Ivan Cabral “meus sentimentos, que Deus acolha a sua alma, e conforte toda família enlutada”; Edna Vilma: “Meus sentimentos. Excelente educador”; José Leonel de Moura: “Mensagem de Sentimento Verdadeiro do Coração e Alma. Fraternidade Estendida aos Horizontes Divino, Pureza da Alma, Deus é a Palavra, João Azevedo”.

Como se constata, os depoimentos são inúmeros e só contemplamos alguns. Eles   transparecem a vida ao longo do tempo que viveu Bráulio e nada melhor do que ouvir aquelas pessoas que se relacionaram e com ele conviveram, pois aí está o testemunho vivo de quem presenciou sua história e viu a construção de sua vida o que faz este relato fidedigno e incontestável.

Ao traçarmos a trajetória de Bráulio Pereira Lins, identificamos que sua vida foi ponteada por grandes gestos, obras e realizações, regida pelo seu temperamento firme, aguerrido, comprometido com a causa da educação, impregnado de sentimento humano, de compreensão e de amor. Por onde passou deixou sua marca sentida na mente de todos com quem conviveu e relacionou-se com ele. Estou consciente que fiz justiça em perpetuar sua memória e que todos aqueles que o conheceram a guardarão também na lembrança.

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Desistindo de ensinar https://www.maispb.com.br/685080/desistindo-de-ensinar.html Sat, 14 Oct 2023 14:53:43 +0000 https://www.maispb.com.br/?p=685080 Conheço uma professora de hidroginástica, em plena atividade, ainda jovem, com denodo de dar o melhor de si no que faz. Professora que ministra aulas em academia de ginástica especializada, pós-graduada em hidroginástica. Sempre a vi com muita dedicação: Leciona para seis turmas- duas de idosos, duas de adultos e duas de crianças. Hoje, quando […]

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Conheço uma professora de hidroginástica, em plena atividade, ainda jovem, com denodo de dar o melhor de si no que faz. Professora que ministra aulas em academia de ginástica especializada, pós-graduada em hidroginástica. Sempre a vi com muita dedicação: Leciona para seis turmas- duas de idosos, duas de adultos e duas de crianças. Hoje, quando cheguei na academia encontrei Lorena com lágrimas nos olhos e fiquei admirada procurando saber o que estava acontecendo.

Ela contou-me, emocionada, que estava com desgosto de ensinar a crianças, o que antes era a coisa que mais gostava e estava decepcionada e pensando seriamente em abandonar as turmas infantis. Justificava que devido sua experiência com crianças há cinco anos passados podia desenvolver seu plano didático-pedagógico na integra, o que não é muito tempo. Depara-se hoje com situação inusitada completamente diferente. Assim se expressa referindo-se às crianças de hoje: “ Isto eu estou falando da natação, aí você imagina essas crianças na sala de aula do ensino regular! Acredito que os professores/as sofrem muito, porque as crianças estão acostumadas e adaptadas a mandar nos pais e na sala de aula não é diferente; replicam esse comportamento e querem fazer o que querem. São absolutas, prepotentes, não ouvem o professor e os pais aceitam e são coniventes”. E continua:

“Vou dar um exemplo, que aconteceu comigo: Tenho uma metodologia em que sempre divido a turma em duas: uma que está na fase de adaptação, onde as crianças estão se adaptando ao meio líquido; as atividades pedagógicas são dirigidas para brincadeiras com ênfase no método lúdico para tornar a aula mais prazerosa e atrativa. A outra, em que estão se iniciando na parte técnica dos nados e movimentação na água e aí exercitam-se mais. Estefani era uma criança que já tinha passado pela primeira fase e eu estava iniciando a metodologia dos nados e passei ela para a turma de iniciação da parte técnica. E qual foi a surpresa quando ela me disse: Eu não vou. Vou ficar na outra turma que eu gosto e você não vai me mandar para lá. E falei: Não, Estefani, você vai, porque quem determina na sala de aula, sou eu, e não o aluno. Você, já está adaptada, agora vai ter outro aprendizado senão vai se atrasar. Ela batia o pé que não ia. Que ia pedir ao pai para tirar dessa natação chata, que não gostava. Eu falei: Tudo bem, você peça a seu pai para lhe tirar da aula, mas hoje você vai fazer o que estou dizendo.  Coloquei-a para fazer o exercício e quando foi no meio do exercício ela falou toda prepotente: sabe de uma coisa, eu não vou fazer porque eu não quero e estou com minha garganta doendo e não vou fazer. Nesse momento, a mãe estava se aproximando e eu a chamei e contei o que estava ocorrendo. A mãe então interpelou a filha: Por que Estefani você não quer fazer a natação? Ela retrucou: “ Eu não estou a fim. Estou com a garganta doendo e quero ir para casa. ” Qual foi a atitude da mãe? “Está certo, indo, com aquele ar de deboche, como apoiando o comportamento da criança, e disse:  “vá pegar suas coisas e vamos para casa”. Diante daquela cena, a docente viu quanto é impotente, e como seu trabalho pedagógico é desvalorizado, torna-se em vão, derrubado diante do contexto, e diz que pelo gesto da mãe se constata que a culpa não é da criança, mas dos pais”. Em vista da problemática desestimulante e incentivadora para que o professor abandone seus princípios, não tem outra saída, é deixar correr à revelia, ao contrário do que aprendera nos bancos da Universidade como princípios pedagógicos adotados pela natação. Fico a imaginar o que será daquela criança, mais tarde como adulto? E como ela tem outras. Houve casos em que já apanhou de crianças que batem no professor. Quando quer implantar disciplina, diz que os pais não apoiam, são permissíveis, impedem de o docente tomar atitudes, e se toma, fica desmoralizado, então afirma que está difícil trabalhar com crianças. O professor tem que aguentar as pancadas, grosserias e descumprimento de suas ordens; não pode repreender, situação que a deixa constrangida. Acrescenta: “ Preparo o plano didático da aula, mas nem sempre tenho condições de cumprir. Ás vezes chego em casa chorando e dizendo a meu esposo que tenho que me preparar para deixar a sala de aula, a coisa que mais amo, mas constato que não está mais compensando porque tenho mais dissabores que satisfação e sinto que essa situação está me fazendo adoecer”.

Continuando a conversar com Lorena, disse-me que são inúmeras as situações; hoje mesmo ela contou que para motivar as aulas levou uns pirulitos. Como eram 12 crianças jogou 12 pirulitos no fundo da piscina e pediu que cada aluna mergulhasse e apanhasse um pirulito. Um dos alunos perguntou: “Professora eu posso pegar mais de um? Ela disse: “não. Porque são 12 pessoas e se você pegar mais de um alguém vai ficar sem o pirulito. E você acha justo? Então a atividade foi iniciada e quando todos terminaram faltou pirulito para uma aluna.  Eu sabia que tinha sido Paulo, mas não podia acusá-lo. Falei alto para todos, pedindo: alguém pegou dois pirulitos? Fale agora, e peça desculpas que a tia perdoa. E está tudo certo, porque a coleguinha está sem pirulito. Não é justo. Paulo permanecia calado. Já estava para terminar a aula. Então eu propus: Vão sair de um em um e eu vou olhar na roupa quem está escondendo o pirulito, porque ele não sumiu. Quando eu disse isso, ele tinha colocado dentro da sunga e fez cair o pirulito. Então eu falei que ele não devia fazer aquilo porque era feio e que da próxima vez ele fizesse como eu pedi para não faltar para a coleguinha. Quando ele saiu da piscina eu lhe disse: converse com seu pai o que aconteceu. O pai que estava assistindo disse; “Professora eu vi tudo”. Nesse momento, chega a mãe e pergunta: “ O que está havendo?  Aí eu explico e ela diz: Não precisava disso”. Quando foi no outro dia da aula Paulo veio me afrontar e dizer: Sabe o que minha mãe fez? Foi no supermercado e comprou um saco de pirulito”. Observa-se que a culpa não é das crianças e sim dos genitores porque não existe a palavra não. Para compensar a ausência, eles dão e concedem tudo. Não recriminam, adotam uma posição de comodidade. Quando encontram uma professora que impõe disciplina, diz não, até porque a natação infantil trabalha a parte pedagógica ajudando na formação do aluno de acordo com os princípios didáticos ensinados na Universidade. Os pais não admitem e criam problemas afetando a dinâmica metodológica das aulas.

São muitos casos e Lorena diz que nesse contexto todos mandam e se intrometem no domínio de classe e na autoridade pedagógica que deveria ser exclusivamente sua.  O professor não pode exercer a sua função pedagógica porque nada pode. O mestre é anulado na sala de aula. E cada vez mais percebe que os pais usam a natação para ocupar o tempo da criança, mas sem nenhuma preocupação da formação pedagógica e cidadã. Quando a natação poderia ser mais uma ferramenta do processo educacional complementar utilizado para ajudar a criança nesse sentido.

Há teóricos e pesquisadores interessados no tema “natação e atividade física” e a importância no desenvolvimento e formação do homem. É notório que indicam a contribuição e benefícios sobre o aperfeiçoamento físico e mental além de incentivar as habilidades sociais de relacionamento e confiança. Como se constata, a natação incentiva o desenvolvimento motor, afetivo e cognitivo. Reforçando esse nosso pensamento nos reportamos ao pesquisador, professor universitário, Massaud (1999), que afirma: “A natação durante anos vem contribuindo de forma notável para o desenvolvimento das faculdades humanas, sendo também um importante instrumento pedagógico. Com a ampliação para atividades aquáticas visamos favorecer o processo de socialização dos jovens, ao acostumá-los-á orientarem sua conduta de acordo com um sistema de regras gerais; estimular o entusiasmo pela superação de dificuldades seja ele guiado pelo espírito competitivo ou pelo desejo de vencer pessoalmente um desafio físico ou intelectual; e a própria capacidade física, psíquica e intelectual, além de uma saudável forma de diversão “ (p.174).

A criança não nasce sabendo. Os costumes e comportamentos terão que ser apreendidos e a natação é sem dúvida uma ferramenta prazerosa, poderosa e pedagógica, partícipe, a ser utilizada na formação do homem. Diante do exposto, dizer o que? Percebe-se a ignorância, os equívocos e o menosprezo dos pais ao tratarem a questão da natação, considerando mais uma oportunidade de matar o tempo da criança, sem nem de leve a considerar como uma atividade didático-pedagógica contributiva em sua formação. A problemática exposta revela o relacionamento dos pais ao lidar com os filhos no mundo pós-moderno. Aonde se vai chegar? Só Deus sabe.

Profª. Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP

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A conversa no taxi https://www.maispb.com.br/682900/a-conversa-no-taxi.html Sun, 01 Oct 2023 11:30:07 +0000 https://www.maispb.com.br/?p=682900 reginabô[email protected] Numa viagem de duas horas, com uma amiga, ao interior do Estado, o motorista que nos levou era muito falante. Senhor de meia idade, demonstrava um certo grau de conhecimento sobre as coisas do dia a dia e princípios morais que dizia aplicar na educação que dava ao casal de filhos. Era versátil, transitava […]

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reginabô[email protected]

Numa viagem de duas horas, com uma amiga, ao interior do Estado, o motorista que nos levou era muito falante. Senhor de meia idade, demonstrava um certo grau de conhecimento sobre as coisas do dia a dia e princípios morais que dizia aplicar na educação que dava ao casal de filhos. Era versátil, transitava de um assunto para outro sem dificuldades, nos mais variados temas. Colocava-se politicamente e argumentava o porquê da sua posição, justificando e fazendo crer em sua verdade sobre a problemática do Estado e do País. Durante sua fala emitia propositura de solução e intervenção na complexa problemática existente, dizendo que se as medidas propostas fossem adotadas a situação não seria mais a mesma. Entendia que havia solução para tudo. Se as providências tomadas, não solucionassem de todo, mas minorava aquela realidade existente. Sr. Pedro fez-me lembrar um amigo de meu pai, empresário, que dizia para ele: quando estava muito angustiado com problema na empresa, pela manhã ao tomar o carro para o trabalho, Ricardo, há muitos anos seu chofer, homem de poucas letras, vivido e inteligente, aprendeu com a vida, o Dr. Farias durante o trajeto para o trabalho desabafava com ele e perguntava: “ Ricardo para esse problema da empresa qual seria a solução?  E sempre ele dizia, para meu pai que as coisas faladas por ele, quando aplicadas, davam certo. Comentava: “Ricardo, de cabeça fria sabia aplicar a solução mais assertiva.” E assim eu via Pedro o motorista que nos conduzia.

No limiar da conversa, Pedro nos narrou um pouco de sua origem. Filho de pais agricultores, vivendo no interior do Estado, seu pai, apesar de ser humilde e de poucos estudos, criou os quatro filhos dentro da religião católica, com princípios éticos, morais e cristãos que nortearam a sua vida. Possuidor desses ensinamentos procurou replicar a seus familiares acompanhado também pela esposa que recebera educação semelhante à sua. Apesar de não possuírem estudos formais, Pedro e Dayse sentiam falta desse conhecimento escolar. Essa condição fez com que o casal valorizasse o saber e fizeram um propósito de que com seus filhos seria diferente. Incentivaram e estimularam o estudo deles e fizeram esforços para os colocar em colégio que fosse comprometido com a competência do domínio do conhecimento.

Pedro, para ganhar a vida, enveredou pela profissão de chofer de taxi. No iniciou dirigia para os outros, mas hoje tem seu próprio carro e trabalha independente. Disse ele que dali tirou e tira o sustendo para manter toda família. Com essa profissão estabelecida, há anos é possuidor da vivência de casos interessantes ocorridos com ele e seus clientes, conhecedor de muitas histórias de suas vidas narradas durante o trajeto da viagem. Às vezes transformava-se em conselheiro ou psicólogo nato. Ele expressou que eram essas situações que tornavam sua profissão prazerosa e menos cansativa.

Dentre os casos disse, que ia nos contar um que fazia parte dele mesmo.  Estava ele de manhã, na praça, quando o telefone toca e pedem para apanhar um professor membro da Academia de Letras (APL) e de Instituições renomadas daqui da Paraíba, para transportá-lo a uma faculdade a fim de participar de uma reunião. O que aconteceu.  Ao chegar ao ponto da praça, de volta, ao olhar para o banco traseiro percebeu que o cliente esquecera uma pasta “sansonite”. Preocupado, pegou a pasta, que pesava muito. Pensou ele; “deve ter livros do professor. Vou voltar e entregar essa pasta. Pode ser que ainda pegue ele na Universidade”. Não deu outra. Chegando ao local onde deixara o professor o porteiro disse que o professor ainda permanecia na instituição. Então pediu para que o chamasse pois tinha uma pasta para entregar que havia esquecido no taxi. De imediato foi chamá-lo. Veio rápido mostrando-se apreensivo. Ao ver Pedro foi logo dizendo: ”Havia sentido a falta, mas não sabia como encontrá-lo”. Pedro disse: “não trouxe logo porque só dei conta quando estacionei no meu ponto”. O professor perguntou: “Você abriu? ” Pedro falou: “Não, professor, do jeito que deixou eu estou lhe trazendo”. O docente disse: “ Aí tem uma grande quantidade de dinheiro pois ia fazer um pagamento e documentos e certidões antigas, que seria muito difícil extrair outras. Estou muito agradecido a você. Quanto eu lhe devo? ” Pedro respondeu: “nada professor não fiz mais que minha obrigação”.  O professor insistiu e disse: “Você tem filhos em idade escolar? ” Pedro expressou: “ Tenho um casal, são crianças que estudam na escolinha do bairro. “ E o docente completou: “Tome aqui meu cartão pessoal; no dia que precisar de alguma coisa sobre a escolaridade de seus filhos fale comigo que eu ajudo”. Pedro despediu-se e saiu satisfeito porque estava consciente de ter praticado uma boa ação.

Passaram-se alguns anos. Os filhos estudavam em escola de bairro. Sheila, que era a mais velha, sempre se destacava como melhor aluna, muito estudiosa. Chegou o tempo de prestar exame vestibular para fisioterapia, foi classificada, em um dos primeiros lugares numa Universidade particular. Pedro foi fazer a matrícula e tomou um susto pois não teria condições de arcar com toda aquela despesa; o dinheiro apurado na profissão não dava para sustentar a família e pagar a faculdade, o que lhe sobrava era insuficiente. Foi quando se lembrou do professor que havia dito quando precisasse alguma coisa sobre o estudo de seus filhos ligasse.   Recordou que lhe havia dado o seu cartão pessoal. Ligou para o professor que, pelo telefone mesmo, disse que iria ver essa situação e em alguns minutos lhe daria um retorno. Ele pensou: “Ele nem vai responder e nem lembrar.  Não deu meia hora o professor ligou e orientou para que fosse à secretaria da faculdade, falasse com a secretária e se identificasse que ela sabia do que se tratava. A matrícula de Sheila estava feita e quanto à mensalidade pagaria apenas um terço, que era coisa pouca e estava a seu alcance financeiro. Durante o curso nunca lhe faltou nada; o professor acompanhava e facilitava tudo que surgia como dificuldade. Portou-se como um verdadeiro mestre. Sheila durante o Curso de Fisioterapia destacou-se como a melhor aluna, apresentando um desempenho de excelência. Colou Grau, sendo a oradora da turma. No desenvolver da oratória deu testemunho das dificuldades vividas por ela e sua família para que pudesse estudar. Ao adentrar no Curso de Fisioterapia contou com a ajuda do professor vinculado à Instituição e graças a ele todas as vicissitudes existentes foram superadas. Agradeceu emocionada àquele docente. Graças a ele pôde chegar até ali. A Assembleia Universitária se comoveu diante da história de Sheila. Hoje, ela já fez Doutorado em sua área nos Estados Unidos e pós-doutorado na Inglaterra. Encontra-se vinculada como docente ao quadro da uma Universidade Brasileira.

Pedro nunca deixou de ser taxista. Está aposentado mas continua trabalhando, só que hoje a situação é diferente, mais folgada. Faz seu horário de trabalho e lazer de acordo com as conveniências da família. Ama o que faz e só vai abandoná-la quando não puder mais. Diz que dela recebeu tudo que tem. Fala com o maior orgulho de sua profissão e da filha e conta sua história como um exemplo a ser seguido.  O que aconteceu com Sheila foi consequência de sua conduta honesta e ilibada realizada frente ao professor, sem o que a filha jamais teria alcançado e realizado seu sonho. Exemplo de comportamento ético tão raro nos dias atuais. Como gostaríamos de ter na sociedade e no mundo político o exemplo que este homem do povo nos dá.  Ainda nos resta uma esperança. Vamos aguardar.

Profª. Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP

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